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Contos-->A Máquina do Sonhador -- 25/02/2002 - 16:50 (Paulo Da Loia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Acho que todos já convivemos com um cientista maluco próximo de nós, seja um vizinho, um parente ou, até mesmo, alguém que mora em nosso próprio teto. Quando cheguei ao portão da garagem da casa dos Maciel, seguindo aquele terrível barulho que dali brotava, não podia imaginar que um dia iria vivenciar este fato, o qual, irei narrar agora.
Petrônio Maciel era um Oficial de Justiça aposentado, viúvo, que morava com os três filhos que estavam prestes a se casarem numa grande festa conjunta. Tinha uma formidável inteligência, era muito interessado em eletrônica, mecânica, eletricidade e assuntos afins, que praticava seus novos conhecimentos nos fins de semana.
Eu, na realidade, não tinha muita intimidade com ele, nem ao menos Petrônio dava-se a familiaridades, mesmo sendo vizinhos pegados um do outro. Contudo, havia certa amistosidade entre nós e trocávamos cumprimentos freqüentemente e algumas palavras mais demoradas, excepcionalmente. Utilizando disso, que atrevi a entrar em sua garagem e perguntar-lhe sobre o barulho, que tornava-se apoquentador:
- Construindo algo?
Petrônio assustou-se com a minha presença. Impedido pela sua boa educação de recriminar-me, olhou-me com reservas e acenou positivamente com a cabeça. Percebi, entretanto, em seus gestos aflitos, que algo atormentava-lhe e senti um estranho interesse em saber:
- Desculpe a intromissão, mas para que serve a engenhoca?
Seus pequenos olhos brilharam numa profunda imensidão. Retornou a si, em segundos, e uma súbita vontade de desabafar tomou-lhe, por inteiro:
- Para sonhar ... ou melhor, para viver dentro dos sonhos... ou algo assim - confundiu-se.
- Sonhar?! -- espantei-me mais com o seu comportamento que propriamente com a serventia de sua invenção. - Para quê uma máquina de sonhos?
- Ah, meu caro, você não entenderá as razões de um velho viúvo e próximo de perder o convívio diário com os seus filhos ... - disse tristemente, apertando uma porca daquela enorme geringonça de uns dois metros de altura e três de comprimento.
Cheguei perto da máquina onde havia uma janelinha e notei que dentro dela existia um divã. Cresceu minha curiosidade e antes de fazer a indagação, Petrônio antecipou a explicação:
- Eu deitarei no divã e por uma série de operações da máquina, que acho desnecessário citar, irão levar-me ao estágio onde viverei permanentemente no mundo dos sonhos.
- Mas, para que viver no mundo dos sonhos?
- Porque eu perdi a faculdade de sonhar, e isso é terrível!
- Como assim?
- Eu, há mais de um ano, durmo mas não consigo sonhar. É terrível!
- Já procurou ajuda de um especialista?
- Qual nada! Nenhum especialista dará jeito nisso ...
Pelo seu desdém compreendi que não se tratava de um distúrbio psíquico, e sim, uma falta de perspectiva para o futuro. De certo, a morte da esposa e a debandada dos filhos da casa eram as principais causas de seus problemas:
- E se você viajasse, fosse ver outras coisas, conhecer pessoas novas...
- Não, não meu caro... Não entende. Não é tão simples assim. Sempre fui uma pessoa ativa, que lutou com as adversidades da vida, que foram muitas, e que sempre procurou dar à minha família o melhor, um bom exemplo, amor ... Também tentei auxiliar o próximo, sempre com boa intenção, sem querer ter proveito próprio. Agora não... Não consigo enxergar-me daqui há dois dias. Não consigo vislumbrar um amanhã, seja bom ou seja ruim, entende? Sempre me acusaram de viver sonhando: "Você é um sonhador, Petrônio. Isso irá arruinar sua vida" - diziam as pessoas próximas. Mas foi absolutamente ao contrário! Eu sonhei muito e com isso construí minha vida, formei uma família e dei honestamente aos meus filhos condições para que escolhessem os seus caminhos ... Tudo através do sonho! Eu nasci em meio a uma miséria humilhante e foi a capacidade de devanear que fez-me suportar a infância, melhorar a adolescência e superar a maturidade. Hoje, tenho a minha casa, o meu carro, os meus bens, meus filhos, tudo porque ousei a fantasiar que não seria tragado pela inópia covarde do meu lar natalino. E as doações? Como ficará o centro de caridade? Sempre sonhei que um dia haveria igualdade entre os homens... ora, não consigo enxergar!
Petrônio era um homem aberto, justo e caritativo, que prestava-se a ficar horas a fio no tal centro, arrecadando e distribuindo alimentos, roupas e remédios aos necessitados, até mesmo abrigando temporariamente alguns em casos mais prementes. A fama de fantasista, entretanto, era corrente entre os mais chegados e, para mim, naquele momento, não restava dúvidas de que esse era o alimento de sua alma:
- Será que o erro não está em você? Para quê uma máquina, se pode resolver intimamente? - minhas indagações atingiu-o como uma bala em seu coração.
- Jamais! - bradou. - Jamais errei nesse sentido ... E no que se refere a introspeção como resgate para essa faculdade, já venho fazendo há um ano, sem sucesso. Por isso criei essa máquina, agora não só irei conseguir sonhar, como irei presenciar e interagir em meus próprios sonhos. Irei viver no mundo dos sonhos para todo o sempre, para mudar o que está errado, para mudar às pessoas, mudar o universo! Tudo isso, para que os meus, os seus netos e toda a sua geração possam crescer num mundo que impera a justiça, a bondade, a igualdade, a tolerância, a fraternidade e a grandeza de espírito.
Saí da garagem sorrateiro, pois não queria inflar uma discussão desnecessária...


* * * * *


Três dias após a minha conversa com Petrônio, observei uma grande movimentação dentro e fora de sua casa. Haviam vários carros de polícia ali parados e uma pequena aglomeração no portão. Cheguei mais perto e vi dois dos seus filhos chorando e o terceiro dizendo que o pai desaparecera sem deixar vestígios. Ouvi uma voz ao fundo, falando que Petrônio havia sido assassinado e seu agressor havia levado seu corpo. Percorri os poucos metros que separavam o portão da garagem e ali entrei. Não havia ninguém, embora a luz tivesse acesa. Lá estava a pomposa máquina e no reflexo coloquei minha mão direita sobre urna parte da lataria e senti uma suave quentura em sua superfície. Fixei o olhar pela janelinha e nada vi. Conjeturei que poderia Petrônio regozijar-se do sucesso de sua experiência, mas não ousei afirmar, certamente. Percebi, numa estante surrada que existia ali, vários papéis. Eram anotações e desenhos do projeto que Petrônio desenvolvera. Contudo, minha cisma teria resposta quando achei um pedaço de papel entre aqueles vários desenhos, que parecia que fora abandonado na última hora, e nele continha uma mensagem escrita com uma caligrafia trêmula e açolada. E assim dizia:
"A quem interessar possa: fiz com a certeza do meu coração. Não sou louco. Não sou irresponsável. Não sou um covarde. Simplesmente, não conseguia conviver com a perspectiva que jamais faria de novo aquilo que sempre foi a coisa mais importante da minha vida e a que mais recorri nessa longa jornada, que é sonhar. Foi por isso que agi assim, para poder sonhar novamente. Porque o maior sonho de quem muito sonha é o de nunca deixar de sonhar".
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