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Contos-->Júlia -- 25/02/2002 - 14:49 (Luiz Carlos Ferreira Junior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Seu nome era Júlia. Quando a vi pela primeira vez, num bar, ela estava bêbada. Tudo bem, eu tava
bêbado também. Por causa de uma amiga dela, irmã de um amigo meu, nos aproximamos. Uma menina bonita. Algo nela me chamou a atenção. Enquanto conversava com sua amiga, a observava. Observava seus olhos. Me expressando melhor, seu olhar. Era magnífico! Especial. Era de uma curiosidade perscrutadora como eu nunca tinha visto antes. Tudo bem, ela estava numa cidade estranha, cercada
de pessoas estranhas. Mas não era isso. Era algo maior. Observei-a várias vezes durante aquela noite e pude confirmar minhas suspeitas. Ela via. Há anos não encontrava alguém que via, salvo alguns raros amigos com quem posso ter as necessárias fugas que atravessam madrugadas em discussões, explanações e das quais saio mais leve, mais relaxado. Ela via. naquela madrugada a vi analisando várias vezes. Achei incrível. Devo acrescentar que foi um carnaval estranho. Tava uma merda. Podia ter feito uma porrada de coisas, ter viajado pra pelo menos uns dois lugares legais, mas tinha preferido ficar. Já faz algum tempo que, depois de ler um livro, deixei de acreditar em coincidências. As coisas só acontecem quando tem que acontecer. Hoje sei porque fiquei. Eu precisava conhecer a menina de olhar perscrutador. Júlia. O legal foi a espontaneidade dos acontecimentos. Por que não foi nada do tipo "caralho, eu preciso me aproximar dessa garota, preciso saber mais!" e coisa e tal. Na verdade fora o fato de ter me impressionado com seu olhar, não havia mais nada que eu achasse que tivéssemos em comum, o que fez com eu, involuntariamente, adotasse uma postura acho que até certo ponto, meio relapsa em relação
à Júlia. Convivemos por uns dias, bebendo, fumando, viajando pra caralho e ela sempre observando. O barato foi quando confirmei que ela
via. E soube por quê. Ela escrevia. Escrevia o que via. Não, não era um diário. Eu chamaria de literatura. Crua, espontânea, descompromissada. Escrevia o que ela via, como ela via. Mas até aí tudo bem, achei muito legal, mas como aquele que se diz cego por não querer enxergar, não dei importância, não dei o primeiro passo, não me interessei como devia. Aí, o que achei muito foda, mais uma vez as coisas aconteceram porque tinham que acontecer. Um dia antes dela partir, o que seria mais ou menos aos 44 minutos do segundo tempo, nós com uns amigos, vários amigos, bebendo, conversando e tínhamos acabado de fumar um, quando aconteceu. Nós conversamos. Conversamos de verdade.
Eu li Kerouac
Pôrra, eu também. li Hemingway.
Caralho! Eu também li! Li Huxley, Hilda Hilst.
Pô, eu ouço Bob Dylan, curto a Janis.
Ela me atropelou com sua cultura, sua inteligência, sua sede de conhecer, de saber, seu entusiasmo pela vida. E eu? Eu viajei. Curti o momento. O seu momento. Fiquei feliz porque seus olhos perscrutadores agora olhavam nos meus. Posso tá enganado, mas não tinha visto ela olhar nos olhos de ninguém ainda. Dos meus olhos ela já tinha fugido algumas vezes. Sei que aquilo me deixou muito, muito mais feliz mesmo. Fiquei feliz porque enquanto ela olhava nos meus olhos, os seus olhos não tinham mais aquela curiosidade perscrutadora. A cada nova coisa em comum que encontrávamos, eles se carregavam da mais sincera alegria. Acho que vi um brilho de alívio, como se ela pensasse "pô, até que enfim posso falar sobre coisas que realmente quero falar!" Eu tava achando ela meio triste naquele dia. Não sei por quê, mas achei que ela estivesse triste. Inclusive, acho que foi um dos motivos pelos quais começamos a papear. Agora sei. Não queria que ela ficasse triste. Por isso fiquei feliz quando seus olhos brilharam. E acho que os meus devem ter brilhado tanto quanto os dela. Foi "o" momento do meu carnaval. No outro dia ela se foi. Não sei quando a verei novamente. Não sei se a verei novamente. Ela é grande demais. E tem muito
a crescer, muito a conhecer, muito a fazer. Vou guardar essa lembrança como acho que deve ser guardada. Hoje sei que Júlia é um daqueles anjos caídos com os quais a gente esbarra por aí de vez em quando e que fazem com que a gente sinta necessidade de conhecer mais coisas, mais pessoas, mais lugares, rever atitudes, repensar prioridades. Um desses anjos caídos que fazem você se sentir vivo. E feliz.
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