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Artigos-->ELES PENSAM... -- 13/06/2005 - 23:19 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
«ELES PENSAM QUE TENHO MEDO...»



Francisco Miguel de Moura

Escritor



O último livro de contos que li foi «Eles pensam que eu tenho medo de ter medo...», publicado pelas Edições Muiraquitã, Niterói-RJ, 1995, resultado do Concurso Petrobrás de Literatura, onde o Autor arrebatou o terceiro lugar. Do autor, não sei completo o nome, se é Pedro, João ou Joaquim. Assina-se Rodrigues Marques, nasceu em 1929, em Caxias, Maranhão, e como todo bom nordestino, cumpre sua sina no sul. Atualmente mora em Niterói. Já publicou não sei quantos livros, a maioria deles depois de ter «papado» algum prêmio. Talvez seja um dos nossos autores mais premiados. Embora também pratique o romance, sua estréia se deu como contista, em 1954, no Rio, com o volume «Noite sem limites».

Pelo fato de ser nascido e criado em Caxias, na área da grande Teresina, podemos considerar Rodrigues Marques também piauiense, o que não teria muita importância se não fosse original, criativo, dono de uma dicção surpreendente.

Logo no início de cada conto há uma malha de sugestões, insinuações. Quem é o protagonista desse conto? O que pretende com tal diálogo? Para onde irá essa narrativa? Essas e outras perguntas o leitor tem vontade de fazer. Além disto, Rodrigues Marques trabalha bem a palavra, a sonoridade, o ritmo, a imagem, as metáforas mais visíveis, com pertinácia. O discurso é eminentemente literário, sem ser pernóstico nem intelectualizado. A estrutura de suas «estórias» convence. Os personagens, construídos no entrevero da jornada da vida, são às vezes irônicos, ou desbragadamente bem humorados, deixam vincos na nova realidade, transferem ao leitor grande dose de humanidade, mesmo quando sofrem violência ou praticam crimes, quando participam da boêmia, da maldade, das misérias do mundo.

A vida é o fértil terreno para descobertas, seja no realismo, que poucas vezes desce para referências regionais, seja no surrealismo característico dos brasileiros, distando léguas dos latino-amercianos G.G. Marquez ou Cortazar, nem por isto menos surrealismo.

Tome-se por exemplo o conto que abre o livro, «O dilúvio». É surrealismo a começar do título. Há uma enchente fenomenal na cidade. E dentro do flagelo, o bom humor. Os diálogos são tão bem conduzidos que o leitor se angustia. Logo nos parece que nos incorporamos aos problemas dos protagonistas, o prefeito da cidade e sua mulher. A enchente transforma-se em tragédia e a água entra pela casa inteira.

- «Você veja. Eu tenho quarenta e nove funcionários na Prefeitura. Nenhum veio saber se ainda estou vivo.

- Nem você foi saber se eles estão vivos ou não. Preferiu ficar na sua cadeira quase engolindo água.

- Mas eu sou o prefeito.

A mulher mudou de assunto.

- Estava daqui olhando. Quando você tiver cinqüenta anos, estará completamente calvo.» (pg. 10)

No segundo dia da enchente, a fedentina proveniente de animais mortos é enorme. Eles resolvem sair de casa, tomar uma bóia. Enquanto olham o «marzão» encobrindo a cidade, de fora só a torre da igreja, vão conversando. Seu conto é rico em diálogos. Os personagens, ora revoltados, ora resignados, estão sempre ativos, com boa ponta de humor. Exemplar é o conto «O dilúvio», neste particular. Mesmo prisioneiros das águas, o prefeito e a mulher librtam-se pelo sentir, pelo pensar, pela palavra.

Mas não só nos diálogos, Rodrigues Marques é criativo. De repente, ele concebe uma descrição simples e poética como esta: «Era um pôr de sol bonito e triste.»

Até então citei o primeiro conto, como poderia ter-me valido de outro. Garanto que em quase todos se experimentará semelhanças de conteúdo, o mesmo nível formal, a mesma riqueza, o mesmo equilíbrio, a mesma força, seja nas «estórias» mais realistas, seja naquelas que aposta de frente no surrealismo renovado e criador. De «A porta da agressão» eu tiraria significativos exemplos, se o espaço que me é reservado fosse maior.

«Eles pensam que eu tenho medo de ter medo» e «A porta da agressão» são contos robustos, trabalhados com muita consciência, suados, não facilmente encontrados, embora ao leitor desavisado pareçam muito naturais.

«Antevéspera», que finaliza o livro, é uma peça inteiramente experimental. Parece-me que toda a sede do Autor por transformação foi buscada. E, pelo menos naquele momento, encontrada, degustada, saciada.

Em estrutura, a contística de Rodrigues Marques é impecável, salvo no conto «A descoberta». Duas histórias ali se imbricam, pelo menos emocionalmente. A primeira termina onde diz: «Quando meu pai me soltou, foi que vi nos seus olhos, também, algumas lágrimas presas nas pálpebras.» A segunda começaria dali em diante. É bastante compreensível, pois trata-se de uma peça visivelmente autobiográfica, onde autor e personagem se confundem, diluindo a emoção em ondas compulsivas da memória.

Lépido e leve no que diz respeito ao tecido da narrativa e dos diálogos, o estilo de Rodrigues Marques encanta, seduz o leitor, do princípio ao fim. Não obstante, ninguém pode deixar de ficar atento às minúcias do enredo, sob pena de perder-se.

Se a arte é mais pergunta que resposta, é mais reflexão por via dos sentimentos, sabemos que esse tipo de reflexão Rodrigues Marques promove muito bem através dos seus contos e neste livro é cada vez mais contista. Sua conquista será conscientemente gravada para os próximos séculos.



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