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cronicas-->Paredes que têm ouvidos -- 10/12/2001 - 10:06 (Etel Frota) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Paredes que têm ouvidos
(uma declaração de amor ao Conservatório de MPB de Curitiba)

Etel Frota

Sabe-se, desde os primórdios da arte das edificações, que paredes têm ouvidos. Deduzo que também possam ter coração, sentimentos e memória. Em ocasiões muito especiais, que possam até mesmo falar.
Essa é a idéia que me ocorre, quando penso em escrever sobre o Conservatório de MPB. Esse lugar de tantos sons, sóis e sais. A partir de uma certeza absoluta: estas paredes, além de ouvidos, têm alma e voz.
Paredes que ouvem, sentem e falam...

De que argila terão sido forjados estes tijolos?



Os sons do solar

Pra comeco de conversa, é preciso imaginar qual teria sido a trilha sonora dos Guimarães, em seu solar, no final do século retrasado. Deve haver por aí quem saiba.
Como não sei, lanço mão de minhas prerrogativas de licença poética e histórica: invento saraus e lampiões acesos. Cançonetas e valsas, o som das flautas e cravos. Namoricos no quintal, dores de amores platónicos. Melodias e suspiros de recatadas senhorinhas curitibanas, subindo pelas paredes da casa, entrelaçando-se nas heras, diluindo-se na neblina, amalgamando-se nos tijolos, tatuando já naquelas paredes recém erguidas uma vocação.






Os sais do suor


A cena e o tema musical do hotel que se instalou no solar decadente, tempos depois, é mais fácil deduzir.
Amantes clandestinos, suados, amando o amor urgente, as bocas salgadas...
Putas de uma outra esquina.
Meninas, peitinhos de pitombas.
Talvez um poeta sozinho, na noite do hotel, clamando pelo mero ato de compor uma canção, tão desesperadamente necessário.

(Fico imaginando essas histórias do cotidiano se incorporando às paredes deste lugar. Dando-lhes uma textura, um cheiro, uma cor. Pátina tresloucada: a tradição e as fofocas dos Guimarães, os ais de solidão, modinhas, beijos loucos, gritos roucos... )



Os sóis do fogo


Um dia veio o fogo e consumiu, em imenso cadinho, afetos e melodias, intrigas, secreções e lágrimas. Restaram as antigas paredes de barro curado, com suas camadas sobrepostas de humores humanos, testemunhas auriculares dessa história. Prontas para fazer cumprir antiga profecia: de fogo, de vento, de água e sal é que se construirá (em dois mil e um, e dois, e três e tempo afora...) a estação final do percurso vida.
Talvez seja nesse momento que algumas paredes - que apenas tinham ouvidos - acabem por se manifestar. Às vezes sussurrando. Às vezes em voz alta. Às vezes cantando e fazendo cantar.
Suponho que tenha sido assim que este edificio chegou, afinal, ao destino para o qual vinha sendo lapidado pelo tempo: o de memorial da musica popular brasileira.
Mas não um memorial de pedra e monolito, bronze e inscrições. Não, que essas durezas desservem à música. Tinha que ser um memorial vivo, macio e quente. Pulsante e dinàmico. Conservação, mas também metamorfose ambulante. O Conservatório de MPB. Decerto reerguido pelas mãos de um construtor que levava jeito pra cantor, compositor. Um construtor de amor.
Ressoam neste prédio os sons que são a síntese do que ele, cumprindo suas funções de conservatório, conserva: metais, percussões, cordas (aço, nylon, e as de carne - vozes e corações). Fragmentos de partituras. Vestígios de estranhas civilizações: as que mantêm a pré-moderna crença de que o que importa preservar vem debaixo do barro do chão. Subterrànea, bebadachama. Bebadosamba. Bebadascanções.


Solo sagrado da MPB, a ser vigiado e defendido. Haverão de nos valer, para tanto, os sais do coração. Os sais que temperam e conservam.
A fé cega, o sal da terra, o chão, faca amolada.
O sal das canções do Brasil, e o do nosso peito
de sal de fruta, fervendo num copo d嫇gua.
O mesmo sal que, junto com a pimenta, haveremos
de plantar e colher com a mão na casa no campo de nossa pasárgada.
O sal, que conserva a carne e o peixe, haverá de
fazer com que nossa emoção sobreviva.
S´imbora, minha gente, caminhando e cantando.
Persistentemente engendrando, de ar e de pedra, mais uma canção. E mais uma canção. E mais uma canção...


Obs.: As frases em itálico são uma descarada apropriação de versos e imagens de canções de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Raul Seixas, Lydio Roberto, Paulinho da Viola, Milton Nascimento & Ronaldo Bastos, Rita Lee & Tom Zé, Sá, Rodrix & Guarabyra, Eduardo Gudim & Paulo Cesar Pinheiro, Geraldo Vandré, Iso Fischer & Zecca Wachelke. Todos eles frequentadores assíduos no nosso Conservatório, em corpo, espírito e/ou obra.


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