Às vésperas da eleição municipal deste ano, em Salvador, mandei cartas para mais de 650 amigos e ex-colegas recomendando um candidato a vereador, pessoa por quem tenho grande admiração .
Em resposta a tal apelo, alguns amigos condenaram meu gesto e manifestaram a repulsa em apoiar um político ligado ao carlismo, ao governo, estranhando o fato de um oposionista escolher um candidato da situação.
Nos últimos dez anos, depois que atingi a fase de maturidade, tenho buscado arredar de mim toda forma de sectarismo, como meio de aumentar a lucidez e a independência intelectual.
Apesar disso, a opção política por um elemento de facção que combato me levou a refletir sobre essa situação. A estranheza dos amigos reforçou a necessidade de pensar mais maduramente sobre a questão e de discuti-la com outras pessoas, ampliando o contexto de minhas próprias dúvidas.
Faz algum tempo que adotei a postura de evitar o contrismo, ou seja, de me posicionar sempre em oposição aos que têm opinião diferente da minha, dos que professam idéias ou fé religiosa extravagante, dos que se comportam de maneira que não compreendo ou dos que simplesmente estão politicamente distantes de mim.
O anticarlismo, por exemplo, é uma camisa que não visto mais, até porque a atitude resulta em aumentar a visibilidade do adversário. Tirar um sarro com os torcedores do Bahia ou hostilizar os militantes do PC do B e coisas que tais são condutas que estou me esforçando para abjurar.
(Por muitos anos deixei de comprar livros do Samey, ou avaliar a atuação política dos filhos de um ex-governador, em razão do conceito que tinha desses personagens).
Num passado não muito distante, deixei de votar em Manoel Castro, um excelente candidato, e ainda polemizei com ele através da imprensa, para apoiar outro nome, de modestos atributos políticos e administrativos, exclusivamente porque Manoel integrava grupo a que faço oposição. Pagamos caro por essa opção, tanto eu quanto a população!
Essa longa introdução vem a propósito do tema deste artigo, cujo título, com horrível neologismo -" A eleição municipal deve ser ideologizada?"- repito aqui.
Acho que nossa primeira preocupação diante da eleição municipal deve ser com nossa cidade, e essa constatação se sobrepõe aos interesses políticos ideológicos.
O que quero dizer é que em determinadas circunstâncias eleger um prefeito apoiado por forças políticas que combatemos pode ser melhor do que eleger um correligionário.
Pela situação peculiar da Bahia, em que o governo do Estado e a grande maioria dos representantes federais e estaduais dispõe de presença sufocante em nosso quadro político, ter um prefeito da capital vinculado a partido oposicionista de linha radical, sem tradição de diálogo ou capacidade de entendimento suprapartidário pode ser uma tragédia para a vida da cidade e do povo.
Quando se discute a reforma política, chego a pensar que a eleição para prefeito das capitais devia estar vinculada à escolha do governador do Estado, de tal modo que os partidos e/ou coligações oferecessem aos eleitores, na mesma chapa e para um mandato igual, os nomes dos seus candidatos aos dois cargos.
A hipótese aqui levantada e a tese da inconveniência de existir prefeito de capital adversário do governo estadual estão abertas ao debate público daqueles que são capazes de pensar alto, com a mente destravada dos ferrolhos que as ideologias costumam enferrujar .
