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Artigos-->Um pouco de Zitelmann -- 02/06/2005 - 17:13 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Um pouco de Zitelmann







Hoje, se ainda estivesse entre nós, ele faria 75 anos de idade, dia apropriado para comemorações à base de vinhos, muitas garrafas de tintos portugueses, franceses ou chilenos e farta bacalhoada, com bastante azeite doce e cebola, um de seus pratos favoritos.

Aliás, falar em suas preferências culinárias é pura retórica, repetição de chavão: não me lembro de nenhuma iguaria que ele refutasse, por mais extravagante que fosse, guloso que era!

Não podia ser de outra forma: nossa amizade começou a partir do almoço em que se festejou seu aniversário, em 1963, oferecido a parentes e amigos, em seu apartamento da rua Florianópolis. Comeu-se ali do bom e do melhor, mas o convite era para se saborear o famoso efó (um creme, nunca vi igual!) preparado pela “mulher de Alcebíades”, recomendada por Barbosa Romeo, também presente, obviamente!

Almocei em sua companhia por mais de dez anos, todos os dias da semana e ele tinha pela comida verdadeira devoção.

Frequentávamos O Árabe, de Eduardo, ainda no tempo da rua do Liceu, o Juarez, o Palace Hotel, a Portuguesa de dona Carminha, o Clube de Engenharia, nos últimos tempos, Há Tampa, de Villas Boas e dona Celeste e, naturalmente, o restaurante de Iracema, no Banco Econômico.

Comer era uma das alegrias de sua vida, uma benção de Deus, necessidade que ele transformava em genuino prazer cada vez que se sentava à mesa.

À sua maneira, comia e bebia com sofreguidão, até não aguentar mais, pouco se lhe dando se alguém o considerasse mal educado ou grosseiro.

Quando havia observadores por perto, com olhares críticos, aí é que exagerava mesmo, para escandalizar os curiosos.

O gosto que tinha pela bebida e comida era o mesmo que possuía pela leitura.

Seu apetite intelectual era insaciável, e ele lia tudo que lhe caía às mãos, com volúpia.

Romances, novelas, poesias, assuntos de religião, história, política, memórias e biografias, clássicos e novos autores, nada escapava à sua curiosidade.

Jornais, lía-os diária e avidamente, tanto os da terra quanto os do Rio e São Paulo, estes que guardava durante a semana para uma leitura mais atenta nos sábados e domingos, sobretudo os articulistas de peso e os analistas políticos. E, ainda, os necrológios.

A arte também era um de seus encantamentos e, ao lado de livros, campo em que gastava sua poupança. Ao longo de mais de 30 anos formou uma pinacoteca respeitável, onde apareciam os maiores pintores contemporâneos brasileiros.

Mas, ainda aqui prestigiava os jovens artistas que sua sensibilidade reconhecia como de valor indiscutível.

Mais para o fim da vida, tomou-se de amores pelas fazendas, tendo adquirido duas na região do agreste, onde plantou café e criou gado.

Apesar de um filho gerenciar as propriedades, com muita competência, sempre interferia para experimentar novas raças bovinas e, embora convencido de que o negócio não lhe traria retorno financeiro, continuava investindo nele.

Para aqueles que conviveram com ele, não é difícil reconhecer nesses traços aligeirados a figura inesquecível de Zitelmann de Oliva, bacharel em direito, livreiro, gráfico, editor, jornalista, professor, escritor, bancário, pensador católico, membro da Academia Bahiana de Letras, homem de arraigadas convicções e de muitos amigos.

Passionalmente ligado à família, criou os filhos à moda antiga, com muita severidade e exigências, mas temperando tudo com amor, apoio e compreensão. Seu objetivo sempre foi o de educar os filhos para a vida, oferecendo-lhes todas as condições para um desenvolvimento pleno e o maior enriquecimento pessoal, o que sem dúvida alguma conseguiu.

Sua maior especialidade, contudo, era fazer amigos e lidar com eles. Apesar de seu temperamento forte, às vezes irascível, do radicalismo de posições muito claras, tinha uma enorme capacidade de cooptar pessoas para seu círculo familiar, mantendo com elas duradouras relações de amizade.

O rol dos que estavam próximos dele era muito grande, e abrangia desde colegas da faculdade a homens de outras gerações, gente mais jovem e mais velha, da igreja, ou agnósticos, da direita e da esquerda, alguns até ligados a inimigos dele, muitos que moravam longe, no Rio, em São Paulo, no Recife. Tinha genuína preocupação em acompanhar a vida de todos, em ajudá-los e aconselhá-los, com muitos mantendo amiudada correspondência, como foi o meu caso, quando morei fora da Bahia.

Discutia muito e sempre com esses amigos, inflamadamente, defendendo posições e opiniões às vezes extremada, e raramente cedia.

Parte do que escreveu pela vida afora em artigos e crônicas para jornais, e que mais tarde transformou em livros, foi uma exaltação à amizade e aos amigos, todos que ele fazia questão de citar nominalmente, destacando com o maior parcialismo suas qualidades. Amigo seu não tinha defeitos e cumpria defendê-los sempre. Como gostava de dizer o “nêgo” Batista, o jornalista João Batista de Lima e Silva, provavelmente seu mais dileto amigo, “entre o ônus da amizade e o da inimizade de Zitelmann, sempre preferi o ônus da amizade”.

Era assim o nosso Zitelmann de Oliva, que partiu muito cedo, depois de enfrentar com bravura e estoicismo a doença que o martirizou nos últimos anos de vida.

Para sua compensação, espero que não falte vinho onde ele se encontra!



Salvador, 22 de novembro de 2001

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