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Artigos-->José Calasans, um depoimento -- 02/06/2005 - 17:10 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


JOSÉ CALASANS, UM DEPOIMENTO



“... a vida vai ficando boa por causa de um amigo,de uma comida, de uma moda de viola, de uma poesia...”

(De João Batista Freire, de Campinas, em carta a Ariano Suassuna)





Conheci o professor José Calasans Brandão da Silva nos idos de 1963, na bela casa que Zitelmann de Oliva possuía na Waldemar Falcão, durante os sábados de longos papos e discussões à base de vinhos e queijos, que tanto o hospedeiro quanto nós próprios levávamos e apreciávamos.

Aliás, conheci ali muita gente boa, interessante, além de Calasans: João Batista, Ariovaldo Mattos, José Gorender, Barbosa Romeu, Ary Guimarães, Luiz Henrique, Jorge e James Amado, o professor José Arthur Rios, Caribé, Mário Cravo, Antônio Celestino, Alceu Amoroso Lima Filho, Benedito Britto e tantos outros que, como eu, não perdiam as reuniões matutinas dos sábados.

Mas, com o professor Calasans a coisa foi diferente: a ele me liguei duradouramente, pelo resto da vida, uma relação de amizade e, mais tarde, de trabalho, que só fez se aprofundar.

Com ele, logo depois, em 1964, durante o reitorado Miguel Calmon, na Universidade Federal da Bahia, em que estivemos juntos, nossos contatos passaram a ser quase diários.

Vem desde aí, portanto, minha admiração por esse grande mestre, um professor inigualável, um estudioso sério, um pesquisador meticuloso, um conferencista luminoso de memória prodigiosa mas, sobretudo, um homem fascinante que se colocava em pé de igualdade com quem lidava, que doava sua atenção e amizade a pessoas de todos os níveis sociais, econômicos e intelectuais com a mesma fidalguia e humildade de um dominicano, daqueles da têmpera de dom Jerônimo e dom Timóteo.

O professor José Calasans Brandão da Silva era um intelectual sem fatuidades. Em louvor à sua rica humanidade posso dizer que ele passaria perfeitamente por um homem destituído de lúcida inteligência e sólida cultura – modesto, simples, accessível, conversador sem igual, sempre solidário, sinceramente interessado nos problemas dos amigos.

Sua erudição nunca parecia pedante.

Nos idos de 1982, quando, no Banco Econômico, iniciávamos o planejamento dos eventos que marcariam seu sesquicentenário, dali a dois anos, procurei o professor para que me aconselhasse a respeito de duas iniciativas importantes. Tratava-se de escolher os historiadores a quem entregaríamos a incumbência de escrever dois livros que seriam lançados em 13 de julho de 1984: uma biografia de Miguel Calmon Du Pin e Almeida Sobrinho, certamente o personagem mais importante na vida do banco, e a história do próprio Banco Econômico.

Para o primeiro caso Calasans recomendou Luiz Viana, que fora concunhado e amigo de dr. Miguel, que recusou o trabalho.

Mas, Waldir Freitas Oliveira aceitou o desafio e veio a produzir uma obra de fôlego sobre a trajetória do banco, que é também uma importante referência sobre a história econômica da Bahia dos séculos XIX e XX..

Embora tivéssemos pensado em outros escritores para a biografia de dr. Miguel, viemos a nos fixar no próprio professor Calasans.. Ele concordou em escrevê-la.

O livro só veio a lume em 1991, com o título de Miguel Calmon Sobrinho e sua época, e certamente é um dos trabalhos mais primorosos do professor Calasans, que revela ainda uma vez o pesquisador criterioso e o estilo fluente.

Embora seus colegas acadêmicos não dêm a essa obra a importância que atribuem às pesquisas e aos escritos sobre Canudos, circunstância que ficou patente nos necrológios que seus amigos fizeram na cerimônia de sua despedida, no salão nobre da Universidade Federal da Bahia, é minha opinião que essa é uma das mais importantes publicações de sua vida, um tema que também passou a fazer parte de seu interesse intelectual daí para a frente.

Alem dessas iniciativas, havíamos programado inaugurar no Pelourinho o Museu Numismático Eugênio Teixeira Leal, no mesmo prédio onde se iniciara a vida do Banco Econômico.

Para tanto, fez-se uma restauração do imóvel que servira de nascimento à instituição bancária, em 1834.

Não obstante, às vésperas quase da abertura do Museu, em 1984, a diretoria do Banco decidiu que as coleções de moedas haveriam de permanecer na sua sede social, que ganhara um luxuoso prédio, no Comércio.

Perturbado com essa mudança, e sem saber o que fazer recorri, mais uma vez, aos conselhos do professor Calasans, que me sugeriu instalar no imóvel do Pelourinho um Memorial do Banco, uma Casa onde se preservassem sua história, seus arquivos, a vida de seus dirigentes e funcionários.

E, assim, criamos o Museu Eugênio Teixeira Leal – Memorial do Econômico, o primeiro ente cultural do setor privado a ser instalado naquele sítio histórico.

Tendo assumido a direção do Museu, a primeira pessoa que convidei para integrar seu quadro de pessoal foi o professor Calasans, já aposentado do serviço público, que de pronto aceitou a missão.

Entreguei-lhe, portanto, a chefia do Departamento de Estudos e Publicações e juntos, selecionamos a museóloga Ângela Petitinga para dirigir o Departamento de Museologia.

O Museu Eugênio Teixeira Leal – Memorial do Econômico, que ainda está aí, embora funcionando precariamente, é o que toda a comunidade intelectual da Bahia conhece: uma instituição que praticamente mudou o conceito de museu em nossa terra, tornando-se um centro irradiador de cultura, onde se realizaram dezenas de conferências, palestras, seminários, cursos, exposições e publicações, mantendo convênios com mais de 100 colégios de Salvador e do interior do Estado, para visitação de seus estudantes.

Dispondo de várias salas de exposições, permanentes e temporárias, biblioteca, auditório/sala de cinema, arquivo histórico, recortes e documentos da vida econômica da Bahia, serviu de fonte para inúmeros pesquisadores, do país e do exterior, contando com uma equipe competente de profissionais multidisciplinares e de dedicado corpo administrativo.

Embora seus amigos intelectuais não dêm a devida importância a essa fase da vida do professor Calasans, repito, seu trabalho no Museu, as pesquisas que realizou e o livro que escreveu constituem-se atividades tão respeitáveis quanto as que dedicou ao magistério, ao meio acadêmico, aos estudos sobre Canudos e o Conselheiro e ao nosso folclore.

Os 15 últimos anos de sua vida, portanto, em que esteve ligado a uma empresa privada, devem ser considerados como um período de profícua criação intelectual deste que, sem dúvida, foi um dos mais sérios, eruditos e encantadores personagens da nossa história contemporânea.

A frase da carta do sr. João Batista Freire, de Campinas, publicada na Folha de São Paulo, a propósito de artigo de Ariano Suassuna, que figura como epígrafe deste texto, conteria um acréscimo se ele tivesse conhecido o professor José Calasans.

Nesse caso, ele teria escrito “que a vida vai ficando boa por causa de um amigo, de uma comida, de uma moda de viola, de uma poesia e de um papo com Zé Calasans...”

15.06.2001

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