JOSÉ CALASANS – Um homem e tanto!
Em meados de 1997 convidei o professor José Calasans a dar uma palestra para seus colegas aposentados da Fundação ECOS, todos que, como ele, haviam trabalhado no Banco Econômico ou em empresas coligadas.
Ele ficou muito feliz com a iniciativa, pois iria rever muitos amigos com quem convivera por mais de 10 anos, mas foi logo me dizendo: - não quero falar mais sobre Canudos ou o Conselheiro. É só o que tenho feito nos últimos tempos. Quero conversar sobre “Cantadores e Cantorias”, um assunto que também me empolga.
Desse modo, no dia 16 de julho, no auditório da Associação Comercial, que alugamos para o evento, o professor proferiu sua palestra e, durante quarenta minutos, qual encantador de serpentes, seduziu a todos nós com sua memória prodigiosa e sua palavra fácil e macia. Recitou poesias, cantou cantigas, relembrou a vida dos famosos repentistas do Nordeste, tudo sem consultar uma anotação.
O ponto alto da conversa foi quando ele falou do desafio entre os repentistas Inácio da Catingueira e Romano da Mãe d´Água, lembrando partes dos versos que tiraram.
Disse Inácio: “Romano, num pingo d´água/eu quero ver se te afundo/diga lá em quatro pés/as coisas leves do mundo”. Ao que Romano respondeu: “Sendo coisa aqui da terra/pena, papel, algodão./Sendo coisa do outro mundo/alma, fantasma e visão”.
Trago essa recordação de José Calasans Brandão da Silva, de quem fui amigo e admirador fanático, para destacar um traço sempre presente em sua personalidade: o amor às coisas simples, sua identificação com a modéstia dos personagens que compunham o universo dos seus estudos, a capacidade de compreender a natureza e as circunstâncias do mundo dos sertanejos, a generosidade com que estendia sua mão para quem dela precisasse.
Ao fim daquela palestra, assistida por bancários sem cultura, a quem ele dedicou a mesma atenção que destinava aos colegas acadêmicos, um velho companheiro me disse: - “esse professor é uma inteligência flutuante”, o que considerei um baita elogio.
Nos últimos quinze anos antes de sua morte, em maio de 2001, o professor e eu almoçávamos todo mês e tanto nesses encontros exclusivos como em outros mais animados, em casa de Stela e Ruy Simões, por exemplo, para comer um ensopado de carneiro, em companhia de Ary Guimarães e Eduardo Saback, também seus velhos amigos, a gente quase não reparava a luminosa humanidade de José Calasans, tão intrínseco era esse sentimento nele.
Depois de sua partida, e embora esteja freqüentemente a recordar o professor Calasans,
eu me dou conta de que, para um homem como ele, qualquer que seja a duração de sua existência, uma vida só é pouco.
Salvador, 13 de maio de 2003
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