A PEQUENA VIDA PRIVADA
Francisco Miguel de Moura*
Pense, meu leitor, num lugar onde e numa hora em que você desejaria estar só no mundo, se possível sem ele. Entrar pra esse lugar e despir-se de tudo: Sapatos, chinelos, gravata, bolsa, celular, cinto, lenço... Descer as calças, a ceroula (ou a calcinha, conforme o sexo), pendurá-los no torno. Relógio e óculos, também deles libertar-se, mesmo sendo míope. Ficar sozinho e Deus, de porta trancada, com um livro, ou o jornal de ontem, de anteontem, da semana passada... Ou qualquer outra literatura (para banheiro, por exemplo). Não vá ler tudo, o tempo é curto (embora você queira que seja indeterminado). Abra a primeira página e capte uma bonita imagem do autor (ou autores). Descontraia-se e faça suas necessidades fisiológicas. É quando lhe vêm mil idéias, você não vai poder realizá-las nem ali nem lá fora, mas pode muito bem escolher uma sem interferência. Sem dúvida, acabou de descarregar as tensões de ontem. Começa uma nova aurora. No fundo de seu ser o pensamento já mudou. Aí se levanta leve, lava as mãos, veste-se, se calça. Já havia feito a primeira higiene do dia: escovar os dentes. Agora, esta. Pode sair tranqüilo para a agitação lá fora. Acaba aqui sua vida privada. Mesmo curto, esse exercício é necessário à saúde corporal e mental. Mesmo que doa, se tiver hemorróidas.
Perguntar-me-ão: Cadê a lógica dessa dissertação toda? Respondo: Tentei fazer uma metáfora da iniciativa (vida) privada. Não que ela não necessite da aprovação do público, precisa e gosta como eu a estou fazendo aqui. Todos nós andamos em busca de reconhecimento. Mas a vida (na) privada e no público necessita daqueles poucos minutos. No socialismo perdia-se totalmente esse ser “privado”, pois a toda hora e em todos os minutos a polícia-política ia atrás de nós, vigiando nossos passos e... Aqui também somos vigiados pela a mulher e vice-versa, pelos filhos, pelos vizinhos, pelo patrão, pelos colegas. Fora de casa tudo é público.
A vida pública deveria ser apenas para os políticos, há quem pense assim. São (ou deviam ser) os mais vigiados porque eles lidam com o bem público, aquela parcela que cada um entrega para que possam gerir o Estado. O Estado é uma necessidade, mas não se quer um Estado de necessidade, é bom que ele progrida. Mas não tanto que se torne agressor, nem tão pouco que o cidadão se sinta desprotegido. Alguns bens e serviços são tão complicados que cabem à mão forte do Estado. São os chamados serviços públicos: escolas, hospitais, delegacias, cadeias...É o homem bipartido, tripartido entre o público, o doméstico e o privado. Como cidadão, tem de cumprir as leis. São muitas, especialmente no Brasil, mas no cumprimento dessas leis é que está assentada a vida pública do homem, a essência da democracia. É esse movimento, nunca a lei de mercado, dólar alto ou baixo, nem de poderio econômico, nem... que mais importa. Mas os políticos e os funcionários públicos (a burocracia) tentam tornar tudo em privado, bem particular, de sua família e aderentes (grandes cabos eleitorais). Daí, a corrupção, essa praga que dificulta o crescimento, o desenvolvimento, e contribui para a má distribuição das riquezas do país e a escassez do emprego.
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*Francisco Miguel de Moura é escritor brasileiro (e-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br)
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