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Artigos-->BOFES -- 18/05/2005 - 17:18 (Marco Antonio Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
BOFES



Ao contrário do que se pode pensar, o bofe não é somente aquele termo utilizado pelos homossexuais para identificar o indivíduo preponderantemente ativo na relação efeminada, e que possui as atitudes e os trejeitos masculinizados para enganar a galera.

O bofe é a parte do corpo humano ou animal que é responsável pela respiração, é chamado de pulmão na medicina, mas quando se quer dizer que alguém está passando mal, com a respiração comprometida por uma correria ou qualquer outro esforço aeróbico, consuma-se ou costumava-se dizer que fulano está pondo os bofes para fora.

Aliás, o que vejo tristemente acontecer à minha volta é a perda rápida de todas aquelas antigas formas de tratamento e referência que os tempos vão enterrando como as pirâmides na areia.

Só se percebe o que se perdeu quando a pobreza cultural e lingüística doma o imaginário, substituindo os lampiões pelos vandames e a macaxeira pelo maquidonaudi.

O bofe que hoje tem um status de iguaria exótica da culinária afro-brasileira, na forma do xinxim que tanto apimenta as festinhas de aniversário da negrada e da brancada pobre de Salvador, e que os ricos comem fazendo caras e bocas de intelectualóides, passou por caminhos tortuosos na história alimentícia da humanidade.

Vou viajar no tempo e no espaço e me transportar para a pré-história da raça humana, quando a caça era o forte da alimentação das tribos que, nômades ou sedentárias, sempre recorreram à fauna para complementar a sua dieta de proteínas, enquanto usavam a atividade predatória como forma de criar uma casta concentradora de poder e privilégios, principalmente em grupos patriarcais, onde o papel masculino era sobreposto ao feminino, por meio da força e da selvageria que a atividade da caça proporcionava ao grupo e ao imaginário uma idéia de força, e constituía uma iniciação à vida adulta para os meninos que entravam na puberdade.

Mas o bofe, bem como outros órgãos moles que se situam na cavidade toráxico-abdominal dos mamíferos, eram bastante apreciados pelos selvagens por sua condição gelatinosa que permitia a absorção sem mastigação.

Comer estes miúdos, mesmo que graúdos, era um privilégio, pois para os demais membros do grupo, as mulheres, crianças e velhos, restava apenas a carne dura, ossuda e gordurosa que queimava diretamente sobre as chamas da fogueira, enquanto os órgãos internos, numa espécie de panela natural, cozinhavam sem contato direto com o fogo, fervendo no sangue e em outros humores que brotavam das entranhas recém abertas da besta abatida.

Os guerreiros metiam as mãos nas entranhas fumegantes e tiravam seus bocados de fígado, pâncreas, baço, estômago, tripas e bofes, quentes e cozidos, moles e desmilingüindo-se, antes mesmo de chegarem às bocas onde eram sorvidos festivamente.

A evolução da sociedade, a prevalência da vida sedentária sobre a nômade, aplacou a violência que dominava a refeição conjunta do grupo.

O crescimento dos grupos, agora compostos de vários clãs, acabou por substituir a comunal refeição por festividades próprias, onde o banquete popular ganhou um status especial e não o comum dos tempos mais obscuros da vida social.

O entendimento da higiene fez com que certos hábitos fossem sendo abolidos, e até mesmo a utilização das tripas sofreu grande modificação, com o surgimento da tecnologia dos embutidos, o que preconizava uma certa limpeza que prevenia a ocorrência de doenças comuns quando as mesmas eram ingeridas ainda repletas das fezes dos animais.

A influência judaica contribuiu muito para a higienização da comida, visto que esse povo era dado a frescuras e tiques que regulavam o quando, o como, o onde, o porque e outras coisas mais, que criaram uma verdadeira mitologia no simples ato de comer, e até no descomer.

Mas na Europa medieval se comia muito mais porcarias do que se pode imaginar, e se na mesa de um aldeão caia um bofe, ele dava graças a Deus e metia os dentes no tal acepipe.

As comidas conservadas em sal e pimenta eram responsáveis pela base da alimentação européia nos longos invernos, de onde emergiam seres que se assemelhavam aos zumbis dos filmes dos anos cinqüenta, com feições cadavéricas, fracos e esquálidos devido à falta de alimentos vegetais frescos.

Além de tudo, os condimentos fortes que “conservavam” os alimentos de origem animal, apenas escondiam o forte odor de carne podre, e amenizavam o paladar que era agredido pelos ardores apimentados que vinham da longínqua Índia.

A ingestão de bofes nunca cessou de fato, mas com o advento dos descobrimentos, uma necessidade nova encaminhou para o Brasil um nascente cardápio sui generis por obra e graça daqueles que deram o sangue para a construção deste povo: os índios, os negros e os portugueses.

Aos escravizados sempre foi relegada a sobra que os senhores não consumiam por preconceito ou economia.

À senzala eram destinados o conteúdo dos bois e outros bichos criados para sustento dos colonos, numa primeira etapa da exploração do país, e bem depois, no ciclo do gado, esse costume se acentuou, até que desembocou no churrasco gaúcho.

O escravo não se fez de rogado, pegou o bofe e triturou todinho, juntou seus condimentos africanos e voilá: eis o xinxim de bofe.

Daí, desses costumes surgidos da necessidade e da imposição dos tempos, surgiram os sarapatéis e efós de folha taioba, os meninicos, rabadas, mocotós e buchadas, esses últimos já com uma interferência indígena, que se fez sentir nas expedições exploratórias promovidas pelos buscadores de riquezas e almas a escravizar.

A inclusão do feijão nas dobradinhas e feijoadas onde todas as partes dos bichos eram adicionadas generosamente, transformou a culinária brasileira numa festa para as doenças cardíacas e outras tantas derivadas do excesso de colesterol, que só começou a matar gente depois que a ciência descobriu um monte de fatos relevantes sobre o assunto.

Antes se morria de congestão ou mal súbito.

Outras iguarias feitas dos culhões do boi, do miolo ou da língua, caíram no gosto popular, e enriqueceram a variedade de pratos na mesa local, que em dias de festa se solta para depois, no dia seguinte, buscar a ajuda salvadora do bocão para aliviar os excessos cometidos com o pecado da gula.

O fato é que a espécie humana resiste até hoje devido à sua condição de onívora, pois se assim não fosse, já teria desaparecido, se não adaptasse seus hábitos alimentares às disponibilidades que o meio ambiente lhe tem apresentado ao longo do tempo, e como ela mesma, a raça humana, tem colaborado indelevelmente para a adaptação desse meio ambiente aos seus gostos e modos, é certo que continuará ainda por muito tempo, se depender apenas do seu apetite para qualquer coisa que lhe apareça na frente, seja um xinxim de bofe ou um ovo de mil dias, que diga-se de passagem, é uma senhora porcaria.



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