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cronicas-->Imagem não é tudo -- 03/12/2001 - 00:04 (Waleska Aureliano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Imagem não é nada, sede é tudo. Algum publicitário mentiroso inventou isso. Pois eu digo, sede não é nada, fome não é nada, dor de barriga não é nada, imagem é tudo. E para quem não viaja, não vive, e não está nem interessado em saber como é a realidade das outras pessoas, a imagem é Deus. Se aparecer na televisão, se for matéria do Globo Repórter, se estiver no livro de história, com imagens "verídicas", só pode ser verdade. Será?
Saí de férias mês passado e viajando de um extremo a outro do país constatei (não foi a primeira vez) como as invenções dos diversos povos brasileiros, passada e repassada pela mídia, é forte. E o nordestino, claro, é o mais caricato de todos. Certamente, noventa por cento do resto do país pensa que vivemos entre cactos, moramos em casas de taipa e só usamos fogão à lenha. Evidentemente, vivemos num verão tórrido o ano inteiro, embora em algumas cidade como Garanhuns chegue a fazer 8º graus em julho, por isso parece absurdo a certos cidadãos do Sul e Sudeste, que exista na parte de cima do Brasil uma pessoa de pela branca.
"Ah, mas você é da Paraíba, nem parece!", já cansei de ouvir isso. E sempre pergunto porque não parece. A resposta é quase sempre a mesma. "É que você é tão branquinha pra ser de lá, e nem tem muito sotaque." Depois disso a pessoa fica esperando que eu agradeça, mas então eu explico que nem todos os "paraíbas" são negros ou morenos demais, e que não somos atores da novela baiana das oito. Aliás, a questão da naturalidade é outro problema. Ás vezes, tenho que me controlar para não chamar alguém de burro, com todos os erres.
"Não, não sou de São Paulo, sou da Paraíba" - afirmo, sem orgulho nem vergonha.
"Ah, sim, você é baiana." - responde o fera em geografia.
Ora, por favor! Imagine se eu digo "Ah, você é de São Paulo, então é carioca". No mínimo diriam que como todo nordestino, eu não fui à escola. Algumas pessoas das bandas de lá tem essa mania de achar que todo nordestino é baiano ou paraíba. Nasceu no Ceará, é paraíba, nasceu em Sergipe, é baiano, é paraíba, você escolhe.
O que irrita é saber que essas pessoas (que não são todas do sul ou sudeste do Brasil, felizmente) nunca estiveram aqui. Nasceram, cresceram e provavelmente vão morrer por lá. Julgam, tiram suas conclusões, declaram sentenças única e exclusivamente pelas imagens que receberam, seja da televisão, do cinema, da literatura, o que for. Esse boom do cinema brasileiro com temas nordestinos é mais uma maneira de nos rotular. Em Ouro Preto quase precisamos, meu namorado e eu, lobotizar um guia que não conseguia entender que na Paraíba havia outras cidades além de João Pessoa, e que não era mentira, aqui existe uma universidade federal, até melhor que a de lá. Antes, ele tinha passado uns 20 minutos tentando se convencer de que aqui algumas pessoas tem um mínimo de dinheiro para fazer uma viagem até Minas Gerais. Ainda em um restaurante em Ouro Preto, cidade lindíssima, diga-se de passagem, quando perguntei ao garçom se a pizza média era para duas pessoas ele respondeu "Não, aqui o tamanho da pizza é diferente do que vocês estão acostumados em São Paulo, a média é para uma pessoa." Agora, de onde ele tirou que nós éramos de São Paulo, não me pergunte. Será porque pedi para ouvir blues na TV a cabo do restaurante, e não forró? Por que, claro, um nordestino nem saberia o que é blues, ou TV a cabo.
Se eu fosse para Minas confiando nas imagens criadas sobre os mineiros, uai, teria me decepcionado. Quase todos falam meio caipira mesmo, mas discutem filosofia num cybercafe, numa cidade como Ouro Preto que tem 70 mil habitantes(segundo o guia). Não vi ninguém mascando fumo ou se rasgando por um pão de queijo. Mas generalizar padrões de comportamento, estilo de vida, esteriótipos, também é privilégio nosso. Quando disse a uma colega que passaria parte das férias em São Paulo ela disse "Eca!", achando que lá as pessoas só vivem para trabalhar, que é puro estresse ou que só podemos sair de casa usando máscaras de gás e coletes a prova de balas. Pura imaginação, pura imagem. As pessoas em São Paulo trabalham tanto quanto as daqui. O gerente da minha agência trabalha 12 hora por dia. Nunca fui assaltada em São Paulo ou qualquer outra cidade grande. Aqui em Campina Grande já tive uma arma apontada para minha cabeça duas vezes. Em São Paulo visito museus com exposições raríssimas de graça, vou a um concerto no melhor espaço da cidade pagando R$2,50, e posso fazer yoga, ginástica e de quebra ver uma mostra da bienal paulista num parque lindíssimo, onde os patos e gansos vem passear na grama bem junto de mim, isso tudo no meio de avenidas movimentadas. Dizer que não se escuta pássaros em São Paulo é uma grande mentira. No Rio de Janeiro, cidade tão violenta, pessoas saem para passear com os cães de madrugada, vão à livraria, tomam chope em plena segunda-feira, sem se preocupar com a hora.
Em todos os lugares existem coisas boas e ruins. Geralmente só vemos as ruins. Nordeste tem seca e muita. Mas também tem universidades muito boas, executivos, industrias, emprego, diversidade cultural, internet, tempo frio e até chuva, para os mais desacreditados. No Sudeste tem violência, poluição, mas tem também parques, pássaros, crianças felizes, solidariedade, opções baratas de diversão. O Nordeste tem praias bonitas, mas aqui também temos crimes, sequestro, águas poluídas, medo. São Paulo é a cidade mais rica do país, e tem muita miséria, favela, criança vendendo chocolate no trem 11 horas da noite. Nem tudo são flores, nem tudo são espinhos.
Não acreditemos em imagens (sem plagiar o Velho Testamento). Para saber como é que são as coisas realmente só estando lá. Não suporto arrogància bairrista, e menos ainda burrice arrogante de quem vê televisão e pensa que conhece o mundo. Finalizando, uma amiga minha, que mora no Maranhão, estava na internet conversando com um paulistano, por acaso jornalista (essa é a parte mais chocante), e dizia que estava sem geladeira, mas não sentia muita falta porque comprava comida semi-pronta ou congelada, cozinhava só para um dia, e o outro, espantado perguntou se lá existiam comidas assim industrializadas, enlatados. Imagine, sardinha em lata no nordeste, com tanto mar para pescar! Ela só conseguiu ficar indignada, eu teria perguntado "E aí onde você está, existe vida inteligente? Ora, é claro que aqui não temos enlatados, saímos para pescar e levamos o laptop junto, porque provedor de acesso à internet tem, mas sardinha em lata não tem. São os males da globalização."
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