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Artigos-->Inclusão pela cultura: a bandeira dos negros no Século XXI -- 18/04/2005 - 14:43 (Maria Augusta Camargo Schimidt) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Negro. Na historiografia brasileira, povo escravizado, explorado, torturado e humilhado. Sem vez, sem voz, sem direitos. Por mais de três séculos, viveu sob o regime de servidão. Era considerado um bem, uma mercadoria. Sofreu todo tipo de rejeição. Cercado de preconceitos, foi colocado à margem da sociedade que ele mesmo ajudou a construir. Com a assinatura da Lei Áurea, em 1888, ganhou a liberdade. Mas não a liberdade do preconceito e da discriminação por parte das instituições e da própria população. Apesar das evidências e das cenas contundentes que vemos todos os dias nas ruas, há quem discorde, afirmando que, no Brasil, o racismo não existe.

Questão polêmica. Para o professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Carlos Alberto Hasenbalg, Ph.D em Sociologia pela Universidade da Califórnia e autor do livro Relações Raciais no Brasil Contemporâneo (Rio Fundo Editora), o racismo no país é bastante claro e perceptível, depende apenas do olhar de quem o vê.

Comunicação de massa – “Um indicador importante disso é a comunicação de massa ou a própria TV. Não há negros na publicidade. A verbalização e a manifestação de estereótipos sobre o negro no Brasil seriam totalmente condenadas em outros países. O racismo não é facilmente mensurável, mas há fortes pistas de que existe. Está na família, na escola, no mercado de trabalho, no cotidiano.”, observa Hasenbalg.

Construção – Na realidade, ninguém nasce racista. Trata-se de um sentimento que não é inato ao ser humano. É, sim, uma construção social e cultural que se enraíza desde cedo nas crianças e nos jovens durante o processo de socialização e de constituição de conhecimentos e valores, como observa o sociológo Hasenbalg: “Os próprios pais negros e mestiços têm internalizada uma série de esterótipos negativos a respeito deles mesmos, que são passados para as crianças”.





Supremacia – Estereótipos, muitas vezes, apoiados na própria historiografia, sobretudo européia, que defendeu, por muito tempo, a existência e a supremacia de algumas raças sobre outras. Raça é um termo, aliás, impreciso, associado à divisão da humanidade em diferentes grupos populacionais, de acordo com o critério de descendência biológica comum. Neste contexto, cada raça é identificada segundo um conjunto de características físicas, como a cor da pele ou do cabelo, herdada de um mesmo grupo ancestral.

Hierarquias – A historiadora e escritora Denise Rosalem, professora da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), explica que os defensores deste tipo de classificação queriam estabelecer hierarquias, justificar desigualdades ou ainda impor dominação econômica, social e política. Atualmente, uma visão antiga e amplamente contestada. As pesquisas mais recentes sobre o assunto dão conta de que os seres humanos descendem de um único ancestral, que teve origem na África.

‘Homo sapiens – Estudo publicado pela revista Nature, em dezembro de 2000, afirma que os homos sapiens partiram do continente africano, em algum momento dos últimos 100 mil anos. Dali, seguiram em direção à Europa, ao Oriente Médio e à Ásia e promoveram a expansão para o resto do mundo. Mais recentemente, em julho deste ano, uma missão de paleontólogos no norte do deserto do Chade, na África Central, desenterrou os restos de um hominídeo de 7 milhões de anos, sendo considerado o mais antigo representante da raça humana.

Raças – Portanto, a noção de várias raças humanas é, neste momento, errônea, tanto sob o ponto de vista genético quanto pelos pontos de vista biológico e arqueológico. O que foi ratificado oficialmente, em 1963, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Declaração das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. No seu primeiro artigo, o documento destaca que a discriminação entre seres humanos, baseada em raça, cor ou origem étnica é uma ofensa à dignidade humana e deve ser condenada. Três anos depois, a própria ONU elegeu o dia 21 de março como o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial.



Crime – Mais recentemente, em agosto de 2001, foi realizada a III Conferência Mundial sobre Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, em Durban, na África do Sul. Representantes de 177 países reconheceram a discriminação racial como crime contra a humanidade e se comprometeram a desenvolver ações concretas para superá-la.

História – A bandeira do encontro é por um mundo que respeite as diferenças. Lá, os participantes concluíram que os povos não têm raça, não têm cor. Têm, sim, história. E é esta história que os afro-brasileiros querem resgatar e valorizar. História, por sinal, riquíssima, cheia de detalhes, miscigenações, influências e confrontos. Afinal, foram os negros, vindos de diversos pontos da África, que, por mais de 300 anos, subsidiaram com seu trabalho escravo a produção da riqueza e da cultura brasileira. Mesmo em um cenário opressor, desigual, recheado de focos de resistência, de lutas armadas e de rebeliões, o negro conseguiu perpetuar a sua cultura. Provas disto estão na cozinha brasileira, no sincretismo, na dança, na música e nos costumes.

Colonizadores – No livro Casa Grande Senzala (Editora Record), o sociólogo Gilberto Freyre, em 1933, chegou a afirmar que os negros foram mais importantes para a colonização do que os próprios colonizadores: “Diz-se que o brasileiro foi colonizado pelo português. Este conceito é convencional. Contra ele tenho sugerido outro. O negro no Brasil não foi colonizado, foi colonizador”, escreve ele.

Cultura – Deixando de lado a ideologia da chamada democracia racial, defendida por Freyre, onde brancos e negros se relacionavam harmoniosamente desde os primórdios da época colonial – pensamento hoje abolido – a historiadora Denise Rosalem concorda com o escritor: “A história conta que os negros sempre foram vencidos. Mas o que os livros não falam é que eles também resistiram muito e acabaram negociando a sua própria cultura. Atualmente, ela está presente em todos os lugares. Não há como negar isto”.

Resistência – A nova historiografia fala em um escravo mais ativo, apesar do período de escravidão, da mesma forma que a Sociologia recente descobre um negro resistente e lutador, mesmo sob forte opressão a que foi submetido. Exemplos não faltam.

O líder Zumbi dos Palmares é um deles. Liberata, a escrava que – como outros tantos – entrou na Justiça contra o senhor, é outro. Reconhecer e valorizar esta riqueza deve ser, portanto, o dever de casa de todos os brasileiros, não de forma folclórica, mas, sim, como parte integrante da história do povo. Como explica a historiadora, é entender a diferença como diferença e somente isto: “É entender que a diferença passa a não ser uma desvantagem nem instrumento de hierarquização”.

Riqueza – O problema é que a Educação brasileira sempre desconheceu, por uma questão de dominação, a riqueza e a importância dos contextos culturais dos afro-brasileiros. É o que afirma, por exemplo, o escritor e também historiador Joel Rufino dos Santos, no artigo Educação e Cultura – Juntas ou Separadas: “Os contextos culturais trazidos da África são o núcleo pesado do processo civilizador brasileiro. Mas a sociedade brasileira não reconhece isso. Supõe-se que quem tem cultura são os descendentes europeus que se instruíram no contexto cultural moderno ocidental cristão. Trata-se de uma relação de poder, de uma forma de dominação”.

Identificação – Por conta disso, Manolo Florentino, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que ninguém em sã consciência se identificará com um povo sofrido, torturado, massacrado e explorado durante séculos: “Você acha que uma criança negra, ao abrir o seu livro de escola e se deparar com a figura de um negro maltratado, explorado e humilhado, irá se reconhecer? Não há como. Ela se identificará com os príncipes e princesas, que eram brancos. É isto o que acontece na prática”.

Manolo defende uma Educação que abra espaço para a cultura afro-brasileira, dando visibilidade aos negros que tiveram importância na historiografia do país: “E é bom lembrar que não foram poucos. Por que os livros em vez de dedicarem páginas e páginas para relatar a escravidão, não falam sobre os poetas negros, como Castro Alves, Lima Barreto e João da Cruz e Souza? Sem falar no Aleijadinho, no Mestre Valentim, em Nilo Peçanha, Machado de Assis e tantos outros. Desta forma, abrir-se-ia a possibilidade de as novas gerações se identificarem com os seus antepassados”.





Pluralidade - As novas Diretrizes Curriculares Nacionais e a Multieducação – Núcleo Curricular da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro – tentam reconstruir esta história. Defendem uma prática educativa que respeite as diferenças e que seja plural. A coordenadora do Projeto de Geografia e História da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, Ana Paula Teixeira Soares, alerta, porém, que esta metodologia depende, e muito, da postura do professor: “Antes de mais nada, isto tudo passa pela visão ética do profissional que está na sala de aula. Ser plural, aceitar as diferenças e valorizá-las são atitudes defendidas, mas que devem ser incorporadas pelo educador por uma questão de ética”.

Ética – A professora Renata Lima Aspis acredita que a partir do momento em que o educador faz com que o aluno elabore um projeto de vida que contemple todos os indivíduos que vivem em sua comunidade, o estudante começa a refletir sobre a importância da ética, da solidariedade, da troca, do respeito e da amizade. Em seu artigo Pensando sobre ética, ela diz: “Esquecemos com freqüência que um projeto de vida implica necessariamente um projeto de vida para todos. Só elaborando um projeto de mundo posso ter um projeto de pessoa. Se alguém não se sente parte do outro, se não sabe que o outro é parte dele, dificilmente será ético. Se o homem não se sente parte da natureza, se não se sente ligado aos outros homens e se desconhece sua dimensão cultural e histórica, é possível que pense: para quê ser ético? Para que respeitar os outros?”

Escola – Este é, sem dúvida, um dos papéis da escola do novo século. Respeitar a diferença e valorizar a cultura de várias etnias sem hierarquização fazem parte da agenda. O professor João José Reis, da Universidade Federal da Bahia (UFBa), vai além e afirma que enquanto o negro brasileiro não tiver acesso ao conhecimento da história de si próprio, a escravidão cultural se manterá no país.











Inclusão – Um bom exemplo vem da própria terra natal do professor. Em Salvador, o projeto Irê Ayó chama a atenção por trabalhar exatamente desta forma. Crianças da Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos aprendem conteúdos de Matemática e de outras disciplinas a partir de referenciais da cultura afro-brasileira. Lá, os alunos constituem conhecimentos e valores conhecendo os mitos africanos e as histórias dos orixás.

Reconstrução – A pesquisadora e professora Vanda Machado, que acompanha de perto a metodologia, diz que a proposta busca reconstruir a imagem do negro, das suas lutas e de sua verdadeira contribuição na formação do povo brasileiro – informações que ainda não constam de muitos livros didáticos existentes: “O Irê Ayó é uma proposta de trabalho que incentiva o surgimento da arte e da alegria de ser, pertencer e participar da comunidade em que vive, valorizando a cultura afro-brasileira, construindo a identidade, cultivando relações solidárias e elevando a auto-estima de um grupo”. O trabalho é reconhecido nacionalmente pelo Ministério da Educação (MEC) como referência de inclusão da cultura afro-brasileira.

Bandeira – Inclusão pela cultura. Esta é a bandeira dos negros no começo deste Século XXI, na avaliação da historiadora Denise Rosalem. Para ela, os negros hoje não lutam mais pela constituição de partidos políticos nem pelo direito de ir e vir. Em um primeiro momento, logo após a abolição, eles buscaram sua inserção na economia, no mercado de trabalho: “Essa bandeira foi até a ditadura militar, quando o eixo muda de foco. A luta passa a ser travada na esfera política. Assim como as mulheres, os pobres e boa parte da população branca, os negros não tinham direitos. Não era privilégio apenas deles. Juntos, todos lutavam pela democratização e pela cidadania. Hoje, vivemos em uma democracia, pelo menos oficialmente. Os direitos civis estão garantidos na Constituição Federal. Neste novo cenário, surge então o sentimento de identidade. Quem somos nós? O negro, então, luta pela sua inserção no âmbito cultural”.











Movimentos – Não é por acaso que surgem em todo o país movimentos negros e organizações não governamentais que defendem e divulgam a cultura dos afro-descendentes. Ao mesmo tempo, a produção literária e acadêmica cresce. Em março passado, por exemplo, a Universidade Cândido Mendes (UCAM) criou o Centro de Estudos Afro-Brasileiros, um desdobramento de um dos programas do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, iniciado em 1973. Em parceria com o Consulado Norte-Americano e com a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) promove, nos dias 25 e 26 deste mês, o seminário Resistência e Inclusão - Encontro sobre Memória e História dos Afro-Brasileiros e Afro-Norte-Americanos.

Contradição – O assunto ganha cada vez mais espaço tanto no meio acadêmico quanto na imprensa. Em maio deste ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados do Censo 2000. O levantamento mostrou que, de 1991 para 2000, o número de pessoas que se auto-declararam negras passou de 5% para 6,2% – chegando à casa dos 10,4 milhões. O que não deixa de ser uma grande contradição. Afinal, depois da Nigéria, o Brasil é o país que concentra a maior população negra do mundo.

Indicador – Mas sob o ponto de vista histórico, trata-se de um dado extremamente interessante, como explica o professor Manolo Florentino: “É um indicador extraordinário. Mostra que o negro está se valorizando. Mais interessante ainda é o novo tipo de casal misto que vem se formando. Antigamente, havia pares de homens brancos com mulheres negras. Hoje, crescem as relações entre homens negros e mulheres brancas. O que acaba promovendo, mesmo que lentamente, mudanças profundas”.

Mães – Mudanças de ordem social e cultural. A mãe, historicamente ligada à educação dos filhos, passa a valorizar também a cultura e a tradição dos negros. O preconceito, se não desaparece, é amenizado. A criança do casal cresce em um ambiente de respeito às diferenças e de valorização da cultura do ser humano, seja ela de que etnia for.



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