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Artigos-->O ASSASSINATO DA RAINHA -- 11/04/2005 - 01:48 (Vitor Gomes Pinto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O ASSASSINATO DA RAINHA

Vitor Gomes Pinto

Escritor



A Deusa das Flores, a Rainha Bandida, foi assassinada a bala por três homens encapuçados, quando retornava para casa em Nova Delhi na Índia, vinda de uma sessão no parlamento. Há personagens fantásticos, saídos de contos de fadas, que vivem e morrem para que a aventura nunca saia do imaginário do homem comum. É o caso de Phoolan Devi, nascida 37 anos antes, na casta mais inferior, numa pequena aldeia do estado nortista de Uttar Pradesh, divisa com o Nepal, uma das regiões mais pobres e mais tradicionais do país, considerada por Gandhi como “a verdadeira India”. Ainda menina perdeu o pai e ficou na dependência da mãe e da irmã mais velha que resolveram casa-la, quando tinha 11 anos, com um viúvo que tinha o triplo de sua idade, recebendo uma vaca como pagamento. Violentada pelo marido imposto, conseguiu fugir um ano mais tarde, escondendo-se pelos campos até achar o caminho de volta para a casa materna. Mas, na sua classe social uma mulher indiana não pode abandonar o marido. A mãe não teve dúvidas e lhe disse: “você trouxe a desgraça para nós. Não há alternativa senão o suicídio. Vá e pule no grande poço que abastece de água a vila”.

Embora tenha considerado seriamente esta hipótese, Phoolan não saltou, preferindo vagar pelos arredores como uma vagabunda até ser seqüestrada por um bando de malfeitores chefiado por um homem muito cruel, Babu Gujar, que a violentou durante 72 horas sem saciar-se até que seu lugar-tenente, Vikram Mallah, matou-o, assumiu a liderança da gangue e ficou com Phoolan. O casal de bandoleiros passou a praticar toda sorte de assaltos e crimes mas os irmãos de Babu vingaram-se liquidando o grupo e humilhando-a publicamente no povoado de Behmai. Conseguindo evadir-se por milagre, ela montou sua própria gangue e em 1981, no Dia dos Namorados que por lá é comemorado em 14 de fevereiro, invadiu Behmai e massacrou barbaramente a 22 homens, todos pertencentes a castas mais elevadas.

Eram tempos de Indira Gandhi como primeira-ministra, com sua política de esterilização forçada dos homens, os quais ganhavam rádios de pilha para submeter-se à vasectomia em massa. Apesar disto a India tem hoje mais de 1 bilhão de habitantes. Segundo a Unicef, 45% deles vivem com menos de 1 dólar por dia. Oficialmente o sistema de castas foi abolido pela Constituição, mas a tradição criada 2.500 anos atrás pelo hinduísmo (religião praticada por mais de 800 milhões de indianos) se mantém. Há 4 castas principais, cada qual com infinitas subdivisões e abaixo delas estão os “Intocáveis”, tão discriminados que sequer sua sombra pode “tocar” em alguém de qualquer das outras classes. A casta determina a dieta, o comprimento das roupas, os costumes, a porta pela qual seus membros devem entrar no templo. Mudar de religião tem sido para os indianos a única forma de sair da casta onde nasceram, o que tem atraído milhares ao budismo e em menor grau ao cristianismo. Phoolan Devi encontrou outro caminho.

Perseguida implacavelmente decidiu entregar-se à polícia em 1983 com a promessa de ser perdoada. Ficou 11 anos presa sem acusação formal e ao ser libertada por um governante liberal, tornou-se uma heroína para as castas mais inferiores que a viam como símbolo contra o sistema de opressão que tinham de suportar. Num país onde o cinema é uma indústria extremamente popular, em 94 ela virou personagem do famoso filme “Rainha Bandida” e dois anos depois elegeu-se deputada federal pelo pequeno partido esquerdista Samajwadi de seu estado natal que dava sustentação ao novo primeiro ministro. Analfabeta (na sua casta as mulheres são proibidas de ler e escrever), ameaçou suicidar-se quando a justiça tentou reviver alguns dos 57 processos que tinha contra si. “Para cada homem que ela matou, dormiu com outros dois”, conta a lenda.

Considera-se a reencarnação da rainha Durga, deusa da piedade que é o oposto de Kali, o espírito destruidor. No entanto, Durga e Kali são um só e depende de cada um ceder à tentação ou seguir o caminho do bem. Durga costuma ser retratada como uma formosa mulher de oito braços (só uma mão fica livre, as outras empunham objetos como espada, tridente, arco, incenso, uma flor) montada em um tigre simbolizando o triunfo sobre o diabo. Ao mesmo tempo, usa amuletos da seita Sikh, tem uma imagem de Cristo em sua TV, consulta com monges budistas e reverencia Gandhi, numa salada idólatra que atende a quase todos os gostos da população mais miserável e fez sua fama crescer aparentemente sem limites. Tudo terminou no último dia 25 à porta de sua casa. Ao que parece, parentes e partidários dos 22 homens que ela matou há 20 anos afinal conseguiram vingar-se, seguindo com a interminável saga de crimes gerada por um dos mais cruéis apartheids sociais que o mundo conhece. A Índia lamenta a perda da Rainha Bandida, a Robin Hood de sari, uma das três únicas mulheres chefes de bandoleiros em toda a sua longa história, atraente, radical, dona de um charme fatal.

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