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Artigos-->ESCREVER É UM SUPLÍCIO -- 26/03/2005 - 07:54 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ESCREVER É UM SUPLÍCIO



Francisco Miguel de Moura*

(Da Academia Piauiense de Letras)





Quando quero sentir-me um bom cronista, leio Raquel de Queiroz, para mim o supra-sumo, o insuperável, na crônica diária. É que penso assim: «junta-te aos bons e serás um deles».

Porém, cansado de ler, quando sento ao meu computador - a melhor máquina que já se inventou para o escritor - sinto que ainda sou um pobre escriba. Não que não tenha boas histórias, sabidas ou inventadas, bons casos, boas idéias para desenvolver, alinhavando frases mais ou menos degustáveis pelo leitor comum. Penso que as tenho. O difícil é a execução, falando ou escrevendo. Pensar é fácil. Durante o meu exercício diário de caminhada escrevo contos, crônicas, romances, poemas, tudo - imagino livros inteiros, com títulos, epígrafes e prefácios. Pensar é bom, quando penso sou rico de estilo, sábio da mais fina sabedoria que nem os gregos tiveram, poderoso que nem os romanos. Tudo, quando penso.

Se vou falar, «entropico» nas palavras, nas frases, no encadeamento, solto o assunto aqui, pego outro acolá, e fica difícil encontrar-me novamente. Normalmente quebram o vínculo entre o continente e o conteúdo. Fico, às vezes, engasgado, gaguejando. É um «deus-nos-acuda». Não gosto de falar em público. Geralmente os oradores se repetem, escolhem dois ou três assuntos e neles ficam repisando como animais no pasto, não conseguem sair dali. Escolhem três ou quatro frases bonitas, geralmente citadas de homens célebres, escritores - que não há orador bom sem leitura, sem escrita - e as repetem até a exaustão, muitas vezes deturpando-as. Quando aparece uma novidade sintática é um horror, uma estropiação gramatical ou lógica, um escândalo da língua.

Na escrita, melhoro um pouco. Mas deixo espaços em branco, se a memória falha. Risco o início. Troco-o pelo fim. Revolvo frases, verbos, corto adjetivos, neles consubstancio verbos e nomes outros. Escrever é um suplício. Mas gosto de escrever quando tenho uma idéia a registrar, desenvolver. É um aprendizado do ser, do dizer, do como dizer, do melhor dizer. Não, jamais seria um orador, nem mesmo fúnebre.

Por outro lado, gosto da experimentação no caos, luto até chegar ao equilíbrio e a harmonia da arte escrita. Lembro aqui um trovador, cujo nome não me vem à cabeça, através de uma das mais belas trovas de nossa língua: «Que linda trova perfeita/que nos dá tanto prazer:/Tão fácil depois de feita,/Tão difícil de fazer.»

Assim também é a prosa, especialmente a crônica, que, no meu pequeno entender faz o gênero poético na prosa. Não é o poema em prosa, que não existe como prosa, não resiste ao racional. Prosa é prosa, poesia é poesia, e temos dito.

Mas voltemos a Raquel de Queirós, que eu considero divina na crônica. Falando sobre romancistas, cronistas, escritores, acabou levantando a teoria mais correta, mais verdadeira de como deve ser o escritor, como de fato o é. Senão vejamos:

«O escritor que vale, o que comove, o que impressiona, é o que põe as próprias víscera à mostra, das mais nobres às mais sórdidas - coração ou tripa - e conta como se portam elas em tais e tais circunstâncias. O que se vira pelo avesso e se dá todo, sangrando, chorando. O que saqueia a infância, a adolescência, a força do homem, os seus mais sagrados santuários, revolve amores e ódios, a baixeza ou a pequena grandeza de que seja capaz, e atira isso tudo às feras, quero dizer ao público, o grande canibal. Canibal que nos devora vivos e às vezes se sente indigesto com o mais fino dos nossos sonhos, ou atira fora, como caroços de azeitona, os pedaços rijos do nosso coração partido. Mas não era isso mesmo que nós queríamos?»

Falamos no essencial, deixamos de frisar as miudezas como pontuação, ortografia, vocabulário, regras gramaticais, os tratados de estilísticas antigos e modernos, etc. etc. Existe até o caso daquele escritor que, diante das inúmeras dúvidas que lhe assaltaram o uso da pontuação e dos acentos, resolveu colocar todos esses sinais no alto da página, com a observação: use-os quem quiser e quem souber; eu, como não sei, me considero desobrigado. E escreveu o texto corrido, inusitadamente sem pontuação nem acentos. Parecia invenção de pós-modernistas.

Ele arranjou uma solução que parece primária mas interessante, pelo menos como crítica às dificultosas reformas ortográficas que tentam nos atrapalhar e confundir, muito mais que esclarecer e ajudar. Nem todos têm o senso de humor que o homem do nosso exemplo.

Por aquelas e estas razões, escrever é um suplício. Mais que suplício, para quem acha que escrever é um ato sério, tão sério quanto viver.



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* Francisco Miguel de Moura, e-mail franciscomigueldemoura@superig.com.br

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