Imagine que viajar seja uma das melhores coisas que podemos fazer na vida. Antes disso, claro, suprir as necessidades materiais completas de uma existência individualista e imediata. Sem nós nem dó, a valorização humana em seus diversos gêneros tornou-se objeto de um planeta repartido culturalmente ( motivo esse afinal, para conflitos étnicos e militares ), carregando um nível de desespero global em todos os níveis. Nem tudo é ruim, mas estamos no século XXI, na era do medo, provocado pelos mais notáveis mecanismos de manipulação que podemos conceber para manter a indiferença frente à destruição da própria espécie. Isso é tudo? Segundo uma pesquisa feita pela revista norte-americana "National Geographic", em setembro de 2003, através da ONU – Organização das Nações Unidas , o mundo contava com 27 milhões de trabalhadores escravos espalhados pelos cinco continentes. Viajemos pelas estatísticas do absurdo: a escravidão por dívida foi detectada nas regiões mais pobres do planeta ( África Oriental, leste europeu, sul da Ásia e América Latina ) como uma das principais forças da exploração humana pelo capitalismo. Casos de algumas etnias da Índia que escravizam mulheres e crianças através de outras castas nos serviços de carregamento de pedras em minas. Mulheres que são vendidas por traficantes para se prostituírem na Bósnia e na Krakóvia ( ex-república Soviética ) e ficam presas por seus donos. Crianças fabricando tijolos em olarias no interior da Somália, trabalhadores transformados em reféns em fazendas de gado e na extração de madeira vegetal no sul do Pará, Brasil. Plantadores de cana-de-açúcar na Guatemala, tendo os filhos vendidos para agruparem as fileiras de camponeses pobres nos latifúndios de monocultura. Desse total, incluímos o trabalho informal ( que na sua origem abarca o trabalho escravo em diversas circunstâncias ) crescendo paralelo ao avanço do neoliberalismo, e nas grandes metrópoles, tornou-se regra no cotidiano pela sobrevivência. Outra viajem sombria é saber que isso tudo gera uma equação ainda pior: cerca de um terço dos habitantes da Terra vivem com menos de dois dólares por dia, ou seja, 2 bilhões abaixo da linha de pobreza, sendo que somos atualmente 6,5 bilhões de pessoas.
Viajemos por mais uma escatológica estatística da pobreza: segundo dados da CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e Caribe, cerca de 44% da população latino-americana não possui moradia fixa e vive em favelas, ou seja, a falta de emprego, de perspectiva e a educação ineficiente geram o nomadismo das grandes cidades. O sacrifício humano através da economia emergente produz aspectos de sobrevivência em níveis alarmantes dentro do capitalismo atual. Vejamos, por exemplo, a capital São Paulo. Em uma reportagem publicada pela revista "Caros Amigos", em janeiro de 2005, a jornalista Natalia Viana expôs em linhas claras a vida do subemprego paulistano. Disfarçada de diarista à procura de trabalho, circulou pelas regiões mais movimentadas da cidade e viu de perto a miserabilidade das condições empregatícias impostas aos candidatos que fogem do desespero. As situações são as mais variadas: ameaça psicológica, salários que beiram diárias mínimas por dia de serviço, falta de segurança, aliciamento e prostituição, entre outros. O mais notável foi a constatação da análise de causa defendida pelo psicólogo Fernando Braga, da USP, sobre sua dissertação de mestrado entitulada "Pessoas invisíveis", referindo-se a padronização de uniformes utilizados pelos garis. Natalia passou dois dias distribuindo panfletos para uma pequena empresa e concluiu que ao usar uniforme, tornava-se mais indiferente pela multidão. Embora a escravidão exista desde épocas imemoriais, a moderna apresenta inúmeras novas facetas de subordinação moral e intelectual. Problemas com distribuição de renda e socialização nos meios de produção geram a exclusão digital e educacional. Isso é um fato. Prova disso é a massificação de determinados produtos tecnológicos ( como os telefones celulares ) que barateiam seus preços num prazo curto para aquisição de serviços. Antagonicamente, milhões de pessoas no planeta nunca possuíram o aparelho e nem vão acessar a Internet. A modernização dos bens e seu lucro, se dá com a exploração humana engendrando uma falsa ideologia de que tudo é "válido" e "normal" para o crescimento das indústrias. Não esqueçamos que parte do lucro das grandes empresas é fornecido pela pobreza da mão-de-obra barata e volátil.
Realmente, viajar pelo mundo atual é interessante. Sombrio mais ainda. Acho até que você é um escravo... Eu sou!