DE ENCONTROS INTELECTUAIS
Francisco Miguel de Moura
Escritor, da APL
Escritores bons são aqueles que nos incitam, estimulando portanto o nosso pensamento já quase acostumado ao ramerrão quotidiano. Assim é que bons livros, boas histórias, bons poemas, boas crônicas, etc. nos levam não somente a releituras mas a produzir inteligentemente. Palavra puxa palavra. Livro leva a outros livros. A boa leitura nos leva à escrita.
Quando recebo cartas de Joaquim de Montezuma de Carvalho, meu amigo, historiador e advogado, em Lisboa, que conhece meio mundo de países e mais outro mundo e meio de escritores, livros, histórias, filosofias, casos, etc. estou certo de que minha cabeça vai funcionar.
Assim é que, baseado em artigo seu publicado no “Diário dos Açores”, em 7 de junho do corrente ano, recebido por cópia recentemente, me aluí a falar sobre o nosso poeta Murilo Mendes, cujo primeiro centenário de nascimento então se comemora. Assim escreve Montezuma:
“Neste maio de 2001 ocorreu a 13, dia de Fátima, o primeiro centenário de nascimento do poeta mineiro Murilo Mendes (1901-1975), filho abençoado de Juiz de Fora. Que tenha nascido a 13, o dia de Nossa Senhora de Fátima, calha-lhe bem pois o Murilo foi devoto filho da religião católica jamais traída no seu peito sentidor de crente fiel e praticante. Está sepultado em Lisboa, a cidade da sua morte física a 13 de agosto de 1975. Estava casado com a Maria da Saudade Cotesão, filha de Jaime Cortesão e de Carolina Cortesão, ainda felizmente entre nós e arca saudosa de muitas memórias.”
Com o que as enciclopédias e histórias não concordam é que Murilo tenha morrido em um só dia. “A Literatura Brasileira Através de Textos”, de autoria de Massaud Moisés, Ed.Cultrix, 1987 – 13ª edição, São Paulo, diz que ele faleceu no dia 14 de agosto de 1975. Já “Enciclopédia de Literatura Brasileira”, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, Editora Ministério da Educação, Rio, 1990, registra que ele faleceu no dia 15 de agosto de 1975.
Mas o escritor Joaquim de Montezuma de Carvalho, no artigo mencionado mostra mais sobre Murilo Mendes do que sabemos nós brasileiros, inclusive o encontro dele com o poeta português Teixeira de Pascoaes. Este foi o padrinho de batizado de Maria da Saudade Cotesão, esposa de Murilo Mendes.
Aqui o testemunho de Montezuma:
“Eu estava presente, no solar dos Pascoaes, em São João de Gatão, Amarante, aí passando uns dias de férias, quando chegou a visita do casal Cortesão e do casal Murilo Mendes para estreitarem nos braços o Poeta da Saudade e do Saudosismo, principal essência activa e positiva do movimento da Renascença Portuguesa, do Porto e para Portugal.
Pascoaes e Cortesão estavam separados há anos. Murilo não conhecia Pascoaes e este só vira Maria da Saudade, a afilhada, menina... não a linda senhora dessa jubilosa tarde de agosto de 1952. (...) A viagem ao reino da saudade... Aquela tarde de agosto de 1952 foi a grande e fraterna despedida. A 14 de dezembro Teixeira de Pascoaes, imperador desse reino, falecia. Ficou a fotografia. Jamais um pobre caixote com uma pequenina lente tivera tal fortuna. Estava lá e no momento certo e irrepetível.”
Quanto à conversa alegre daquele encontro, diz-nos Joaquim de Montezuma de Carvalho que ouviu Pascoaes perguntar ao católico Murilo Mendes:
– Como é que explica a existência do Inferno com penas eternas sendo Deus o ser da suprema bondade?
Murilo, como bom católico, bom mineiro, brasileiro universal, responde com o sal da parcimônia e do bom humor, afavelmente:
– O Inferno existe. Lá que existe, existe... porém não funciona.
Quem leu sua obra poética vê que ele não mente, pois no livro “As Metamorfoses”, de 1944, num poema denominado “O poeta do futuro”, culmina deste modo, ao estilo de Dante, diz Montezuma:
“O poeta futuro apontará o Inferno / aos geradores de guerra, / aos que asfixiam órgãos e operários.”
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*Francisco Miguel de Moura é escritor brasileiro, e-mail:franciscomigueldemoura@superig.com.br |
