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Infantil-->O duende do navio -- 02/11/2001 - 13:08 (Elpídio de Toledo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Foco no Absoluto. Focus sullo Assoluto.

texto


Texto original em www.udoklinger.de
O duende do navio
Lá, onde as ondas azuis do mar Báltico banham os nevados picos da ilha Rügen, brancos como giz, por muito tempo existiu uma só e minúscula casa de pescador, envolta por grandes pedras. Como o ninho da uriri, foi erguida muito além do nível do mar. Até então, a maré mais alta nunca foi até ela e de lá seus tranqüilos moradores viam as ondas, como que bailando sobre a cheia, quebrarem-se contra os alvos rochedos. Vorazes, por mais que se desdobrassem e estirassem, não chegavam lá. O pescador Jan Classen zombava dos esforços inúteis do mar para destruir sua casa e da fúria com que as ondas, sem nada conseguir, voltavam espumando e bramindo. Realmente, observar um temporal do lugar certo e escarnecer da força das altas marés, isso era o maior prazer de Jan. Assim, logo adiante da cabana, ele ia para o mirante do pico, firmava o boné de couro na cabeça e esfregava as morenas e duras palmas das mãos. Apesar do rosto indiferente, ele parecia estar ganhando vida nova. Marcado de traços com inumeras dobras e rugas, pestanejava como corisco e seus olhos brilhavam de íntimo prazer.
— ÉÉÉÉh, só bramido, só fúria, gritava para o trovejar do mar adentro, "você não pode me engolfar! Minha pequena casa fica no alto, meu barco é firme, e minha mão tem bastante força para manter o rumo certo da minha nau!"
— Não fale assim, homem, lembrava-lhe uma grave voz de mulher.
À porta da cabana aparecia uma esguia e forte mulher; seu semblante mostrava que ela, também, estava habituada ao trabalho duro e à luta contra o vento e o mau tempo. O que a distinguia mais eram calma e seriedade. Olhava de frente, sincera e amavelmente, com grandes olhos azuis; o nariz de ponta aparada, boca firme e fechada, e o queixo sólido mostravam força de vontade e, ao mesmo tempo, expandia sobre o rosto uma impressão de suavidade. Ela se vestia toda de negro, usual entre as mulheres da ilha. A roupa indicava grande pobreza e, também, capricho e limpeza.
Antes, Helga foi uma linda moça e muitos jovens a cortejavam; entre os mais prósperos, também, Jan Classen a a pretendia em casamento. Um piscar de olhos e ela teria se tornado a esposa do fazendeiro mais rico e passearia com aquelas roupas caras de hoje, com botões dourados. Sua mãe, em vão a aconselhava a não jogar fora sua própria sorte e batia as mãos na cabeça, quando notou que Helga queria se casar com o selvagem, incontrolável e temperamental Jan. Este não possuía mais que um barco de pescador, e para construir uma pequena casa, primeiro ele quis poupar do que ganhava como piloteiro de um viajante comercial. E assim foi. Todo mundo lamentou por uma tal escolha da bondosa Helga, e, aborrecida, a mãe lhe disse :
— Para mim, se você pensar bem, você está querendo é amansar um índio. Mas, depois não venha chorar as mágoas!
Helga não reclamava, embora tivesse que sofrer muito com a brutalidade e aspereza do seu marido. Porém, ela o amava mesmo assim, e ele também a Helga. Jan terminou de construir a tapera longe das outras, bem menor, porém, bonita e aconchegante. Helga soube lidar com a modesta mobília e oferecer um tal conforto que agradava a qualquer um que entrasse na pequena sala. E ela não cuidou só das prendas domésticas; ela também ajudava seu esposo com eficiência no trabalho. Ela também saía para o arrastão, secava e defumava os peixes, tricotava, reparava e lavava as redes; enfim, era uma verdadeira e ideal companheira para seu marido. É, e mesmo não fazendo alarde disso, ele sentia bem o valor dela e a honrava e amava ao seu rude modo. Ele gostava muito dos seus conselhos e da sua fala inteligente, quando ele perdia as esperanças. A aspereza dele, quem sabe, poderia ter minorado se o berço colorido, presente de casamento, não permanecesse vazio. Porém, os anos se passaram e o impar não veio. Nenhum sorriso claro de criança quebrava o silêncio da cabana, nenhum olhar de criança deixava Jan e Helga radiantes. E os dois ficariam numa alegria sem fim se o impar viesse.
Tão bem situada era a tapera que — de lá se tinha uma vista esplêndida para o largo do mar — junto havia um lugar onde Helga nunca esteve com o seu marido, uma fonte vizinha maravilhosa. Não longe da cabana, vertia água clara e límpida do rochedo. Curiosamente, sua cor era um mistura das cores da
turquesa, como a do mar, porém, era potável. Como vigoroso riacho caía sobre o rochedo à beira do mar, ao qual se unia logo abaixo. Prudentemente, Jan tinha construído sua casa nas proximidades, do contrário, ele obteria água em um lugar muito mais distante. Por perto, até que havia o lago Hertha, mas ninguém podia captar água dele para consumo em casa.
Em pouco tempo, depois que a jovem senhora mudou-se para a nova casa, cada vez que ia à fonte, ela notava um estranho rugido e um sussurro, enquanto enchia seu balde. Algumas vezes parecia-lhe, pelo espelho claro da água, que um rosto estranho a estivesse olhando em tom ameaçador, e ela voltava assustada.
Um dia, ela quis ir novamente à fonte, e lá encontrou o velho Knut, pastor de cabras que deveria ter mais de cem anos. Quando ele viu que a mulher quis tirar água da fonte, ele a segurou pelo braço e disse:
— O que faz você, mulher ambiciosa? Quer atrair com toda a força o mal para você e seu marido? Você não sabe que esta fonte é a entrada para a morada do duende do navio?
— O quê?! Gaguejou Helga, espantada, "Aqui mora o rancoroso espírito da água? O que se alegra quando os navios fazem água e afundam?"
— Sim, sim. Acenou o velho com a cabeça. "Seu marido sabe disso; mas, na sua imprudência, desafiador, ele se distanciou de todas as pessoas, e veio para cá."
Helga correu dali gelada de pavor. Ela pensou em toda a água que ela sempre precisava tirar daquela fonte e, também, que não lhe restava nada para fazer
dali em diante. Como, se isto excitava a fúria daquele misterioso duende d´água, já tão temido pelos marinheiros? Ela não tinha ouvido, mais ou menos frequentemente, como o sorridente duende do navio abaixava sua lanterna pisca-pisca na quilha do navio ou subia em torno das vergas, se o temporal fizesse o navio galear com força, até que afundasse? Se o raio quebrasse o mastro, se as ondas selvagens arrebatassem o leme, se a destruição infeliz estava perto da queda e o pessoal esperava a onda da morte, então o duende do navio se alegrava e, até o último momento, ele permanecia no navio a pique.
Ao afundar finalmente o navio na ruidosa tempestade, então, o último som era a risada estridente do duende, chicoteando as orelhas dos afogados. E Helga era obrigada a apanhar água do domínio dele! Naturalmente, ela contou ao seu marido este fato imediatamente e lhe implorou para construir uma nova e pequena casa, porém, junto aos demais moradores na aldeia. Com prazer ela daria todas as suas economias só para escapar daquele misterioso e perigoso vizinho. Mas, então, lá ela foi logo interrompida! Jan quase estourou de tantas risadas que deu do pavor de Helga e disse:
— Tola mulher, pensa que eu não sei quem é o nosso vizinho? Ele até que me diverte com seu jeito esquisitão e estranho de nos dar de beber, querendo ou não. Boba, não seja tão medrosa! O duende do navio não é tão pior companheiro, como você pensa. Ouvi muitos exemplos em que ele até mesmo protegeu marinheiros e pescadores.
— Você deveria desafiar menos a indignação dele, respondeu firme a mulher. "A pessoa nunca deve desafiar a maldade e nem abusar da bondade. Por quê você perturba o espírito da fonte no silêncio da sua morada? Eu não acredito que ele goste quando eu mergulho o balde na fonte".
— Ô mulher tagarela, sô!? Zangou o pescador. "Se não me topa como vizinho, que se mude daqui!"
Helga engoliu em seco. Infelizmente, já sabia que seu marido nunca mais ouviria suas idéias sensatas e, ao contrário, insistiria com seus caprichos. Dias depois, hesitante, ela foi com relutância à fonte. Ela preferiria ir ao lago Herta, três horas além. Só que a água dele ficava turva e barrenta na beirada. Então, ela tirava a água com muito cuidado, e não se esquecia de pedir:
— Por favor, deixe-me tirar um pouco d´água daqui. Então, parecia-lhe que uma cara cheia de rugas balançava a cabeça no espelho da água e concordava.
Em uma tarde ensolarada de verão, o mar brilhava e refletia os raios de sol, murmurando lentamente como um riacho. Sobre ele curvou-se denso céu azul. Céu e mar se emendaram, como se alguém pudesse passar de um para o outro. Helga tinha ido para a fonte e, então, deixou seus baldes em pé, assentou-se na base de uma pedra grande e cruzou as mãos sobre os joelhos, enquanto meditava. Olhava ao longe, pensativa. Lá, os barcos dos pescadores, com quem também Jan estava, com certeza eram aqueles pontos brancos. Como sempre, naquele dia ela se sentia bastante só. O silencioso mormaço afetou sua natureza e deixou-a fraca. Tanto abatida, como desolada. Por quê somente a ela a sorte não lhe permitiu um filho? Sem querer, suas palavras se foram do pensamento; então, de repente, um grito, um "tibummm", e ela assustada viu que ali por perto uma criancinha havia caído do íngreme declive na fonte. E ali era fundo. Rápida e decidida, Helga se dobrou bem sobre a beirada. A criança emergiu novamente no mesmo momento. Ela agarrou-a e, com um puxão poderoso, conseguiu içá-la. Era um menino de uns três anos de idade. Nem o acidente, nem o banho pareciam ter lhe feito algum mal; então, ele olhou para a sua salvadora com olhos claros e sorriu. Definitivamente, não era um menino bonito. Sobre um pequeno e magro corpo, mas de ossos fortes, tinha uma cabeça grande, gorda, coberturas com longos e lisos cabelos pretos, cujas penugens pendiam sobre testa larga e baixa. Tinha pele clara, firme sobre as salientes maçãs do rosto. Uma boca larga com lábios grossos deixava aparecer duas filas de dentes notoriamente fortes. Um nariz pequeno e malfeito não enfeitavam em nada o seu rosto, e só os irrequietos olhos melhoravam seu semblante. Em suma, o menino dava a impressão de ser um monstrinho bem feio. Além disso, ele não parecia ser de modo algum de origem rica, pois a única peça de roupa que ele levava era uma túnica marrom, de lã grossa. Suas pernas tortas estavam descobertas. Mas pouco importa a beleza a um coração feminino, quando vibra de dó por um ser carente. A senhora Helga secou o pobre traquinas com seu avental e perguntou-lhe aflita se ele havia se ferido. Então, o bebê abriu a longa bocarra e gritou:
— Não, faz cambalhota, baque, tibum!
Dizendo isto, desenhou com gestos o que lhe sucedeu de modo tão estranho, que a mulher morreu de rir. Afinal, ela perguntou ao menino que já se sentia bem em seu colo:
— Então, como você se chama, meu filhinho? Quem são seus pais, e onde você mora?
Porém o menino não entendia o que a mulher queria saber, e alegre, balançando as pernas, respondeu apenas:
— Gozador, Gozador!
Surpresa, Helga respondeu:
— Você não pode se chamar Gozador.... Mas:
— Ahn?!...Sim! Disse o risonho bebê, incomodado.
Helga pensou sobre o que deveria fazer com ele. Havia algo muito estranho nele e parecia que não tinha jeito nenhum de saber algo sobre seus parentes ou como levá-lo para sua casa.
— Você quer vir comigo?, perguntou-lhe de novo, e
— Ah sim, ah sim! Fome, comer! Respondeu o bebê.
Isso a mulher entendeu logo. Depressa ela encheu um balde, equilibrou-o na cabeça e pegou o menino com uma das mãos e com a outra carregou o outro balde. E não é que o menino conseguiu segui-la no mesmo passo? Chegando na cabana, Helga providenciou leite de cabra e pão, a fim de matar a fome do enjeitado. Ele já havia subido no banco e estendido seus pequenos braços sobre a mesa como se ali sempre tivesse sido a sua própria casa. Em tempo incrivelmente curto, ele consumiu sua refeição; porém, sem falsa modéstia, ele queria outras coisas para comer, embora Helga só tivesse leite e pão para lhe oferecer. Logo depois ele se esticou confortavelmente no banco, recostou a cabeça no braço e dormiu. Abanando a cabeça, a mulher observou o sono do menino. Mas, ele era mesmo uma criatura estranha. O que poderia ela dizer ao seu marido sobre o pequeno hóspede? E a noite estava chegando. Helga deixou tudo preparado para a ceia e foi ver onde estava Jan. Então, os barcos já se aproximavam. Depressa, ela correu para a praia abaixo, a fim de ajudar no atracadouro. Seu marido ficou alegre quando a avistou de longe e dela já ondulou a ela e gritou de lá:
— Pesca como a de hoje eu nunca fiz. Veja, mulher, o barco quase não aguenta de tanto peixe!
Helga bateu palmas por tamanha surpresa. Era muito importante aproveitar a sorte de forma que o arrastão não se deteriorasse. Por pouco tempo, os peixes foram deixados em barris e, durante a noite, foram postos em um lugar fresco. No dia seguinte, bem cedinho, eles seriam salgados ou secados. O sol já tinha se escondido quando Jan e Helga entraram na sala para provarem da merecida ceia. Só então ocorreu à mulher que ela se esquecera, totalmente, de dizer algo ao seu marido sobre o pequeno recém-chegado. À meia-luz, em sua direção veio um som diferente, como um leve raspar de garganta. Era o pequeno menino que tinha tido um bom sono e agora dava cambalhotas no quarto como passatempo. Surpreso, Jan saltou para trás; porém, Helga contou-lhe imediata e concisamente, enquanto acendia a lamparina, como salvou a criança. O pescador tratou de examinar o pequeno selvagem. Então ele o agarrou rápida e firmemente pelo pescoço e, prendendo-o com as pernas, disse:
— Então, quietinho, nenê, quero ver quem você é de fato.
Ele o mirava dos pés à cabeça e fez uma expressão séria, esquisita e, de repente, aquele Jan deu uma grande gargalhada e disse:
— Uma coisa é certa, mulher, nós não teríamos um filhinho com os olhos tão abertos. Amanhã, quando terminar o trabalho, vou procurar saber de quem é o pequeno traquina. No entanto, se eu não achar ninguém dele, então, ele poderá ficar conosco.
O menino lançou um olhar matreiro sobre Jan e Helga. Esta, porém, não notou isto. Helga o ergueu sobre o banco de forma que ele pudesse participar do
jantar.
Jan não teve nenhum sucesso na procura dos pais e da casa do menino, embora ele continuasse a fazê-la insistentemente durante semanas. O pequeno Gozador também não mostrava nenhum desejo de voltar e, pelo contrário, na casa dos Classen sentia-se como se estivesse na sua. Helga gostava disso. Ela afeiçoava-se cada vez mais ao pequerrucho.
— Também, ele não me olha de modo tão feio, como olhava antes, disse ela ao marido. Porém, este deu gargalhadas nos ombros dela e acrescentou:
— É porque você já se acostumou com o pequeno!
Semanas e meses se passaram. O menino quebrava-lhes a monotonia e os deixava cheios de vida, e eles passaram a chamá-lo de Klaus, porque Gozador soava-lhes muito esquisito. Ele também brincava sossegado fora da pequena casa, apostava corridas com as duas cabras e pedia frequentemente para o pescador levá-lo à pesca. Então, ele se assentava no topo da quilha, e quando o barco galeava em meio às ondas, ele gritava alegremente:
— Hoioho, hoioho!
No início, Jan ficou receoso de que o traquinas pudesse cair no mar. Mas esta preocupação acabou logo, pois Klaus se agarrava à barcaça como um carrapicho. Porém certa manhã, quando ele caiu n água, Jan ficou tomado da mais alta surpresa ao ver que ele poderia nadar como um rato d água. Isso, de modo algum, lhe parecia coisa normal, e ele olhou de lado para o menino, seriamente, quando ele se atracou novamente no barco, tremendo como um poodle molhado. Logo porém, ele se acalmou. Ele pensou:
— O Klaus é sem dúvida mais velho do que nós pensamos. Ele só é muito pequeno, e pela sua cara feia vê-se que sua idade é bem maior. Pena que ele não possa dar nenhuma informação sobre isto.
Alguns dias depois, Klaus foi ao mercado com sua mãe adotiva que levava uma tina cheia de peixes. No caminho, encontraram-se com o velho cabriteiro Knut. Pelo modo como andavam juntos, quase que ele não viu o menino ao lado de Helga; fosse uma cobra teria sido picado. Olhando-o firme, ergueu as mãos para cima e perguntou:
— Onde você encontrou o menino, Helga Classen? Exclamou ele. "Leve-o imediatamente de volta para onde você o achou. Pense em meu conselho!
Klaus, por trás da mulher, fez uma terrível careta para o pastor e fechou o punho, ameaçando-o. Mas, ele não se atemorizou e, ao contrário, elevando a voz, disse:
— Pelo sotaque, parece que ele veio da Holanda. Éhhhhh... lá existem pessoas que têm moradias como texugos e raposas. Só que eles foram inundados e todos fogem da água pelas costas do mar, a fim de que os ventos e as tempestades arrastem seus navios!
Tivesse a Sra. Helga prestado atenção em seu protegido, então teria notado a horrível mudança que aconteceu com ele. Os pés pareciam querer esmagar o chão de tanta fúria. A cara estava retorcida. Os dentes se despontavam como os de um carnívoro, e os olhos pareciam chamas. Porém a boa mulher nada percebeu de tudo aquilo. Suavemente ela respondeu:
— Nós assumimos a criança desamparada, porque ninguém pôde fazer isso e, até agora, nós não temos nenhum motivo para rejeitar o pobre traquinas. Finalmente fomos presenteados com uma criança a quem nós podemos amar. Não é verdade, Klaus, você também nos ama?
As palavras amigáveis de Helga tinham iluminado as expressões do menino novamente e, então, ele respondeu amavelmente, não sem um olhar lateral para Knut, que ouvia atento, de cabeça estendida:
— Sim, amo vocês; Gozador quer ficar com vocês!
Ao ouvir a palavra "Gozador", o velho Knut estremeceu, agitou novamente a sua vara no ar, como que avisando, porém não disse nada mais e se foi.
Então, veio o final do outono. O tempo ficou dia a dia mais carregado e perigoso para os pescadores. com preocupação freqüentemente Helga via o seu marido partir para o mar tempestuoso. Seu antigo desafio e as diabruras que haviam se acalmado, de repente, voltaram com força, e ele não deu atenção nem para pedidos, nem para advertências. Insensatamente, apaixonara-se pelo perigo.
Um desassossego estranho também atacou o pequeno Klaus. Ele passou o dia inteiro fora de casa e Helga ficou receosa de que um acidente pudesse ter acontecido com ele. Considerando que fazia mau tempo, Jan não permitiu que ele o acompanhasse durante a pesca. Os pedidos dele foram rejeitados severamente:
— Era só o que faltava, ter que cuidar de um pirralho inútil quando preciso das mãos para me defender da água e do vento. Espere, até que você cresça, e então você poderá me ajudar!
Certo dia, Jan preparava-se novamente para o arrastão. A tempestade uivava ao redor da cabana como se todos os maus espíritos rondassem por lá. Densa névoa envolvia o mar. O sol se assemelhava a uma bola amarelada de enxofre que rolava nos céus com dificuldade. Quando Jan acabou de preparar o barco, Helga se aproximou. Ela estava firmemente decidida a ir também, de forma que o marido tivesse pelo menos alguém por perto para qualquer coisa. Mas, grosseira e impetuosamente, ele rejeitou a sua ajuda.
— Eu sou bastante homem, gritou, "e não preciso de nenhuma mulher acompanhante. Você quer me salvar até mesmo de afogamento? Ahn? Oh, que vergonha, tenho que rir! Não, você fica em casa. E está resolvido!"
Quando a embarcação de Jan desapareceu no nevoeiro, Helga voltou para casa muito entristecida. Daí a pouco, Klaus deu um sorriso astuto lá fora, na porta dos fundos, quando a mulher entrou na sala e viu que ele a observava. Ela também não queria que ele ficasse exposto ao mau tempo. Ele queria que isto acontecesse com o marido dela? O dia transcorreu vagarosamente.
À noite, o céu clareou um pouco. Era dia de lua cheia. A esperança aumentou no receoso coração de Helga, pois seu marido voltaria com a ajuda da lua cheia quando o mar se acalmasse. Também Klaus não apareceu na casa o dia inteiro. Para onde teria ido o menino, então? A mulher saiu à porta para ver se o achava. Quando olhou, o velho Knut estava chegando. Ele acenou para ela e gesticulou de todos os modos para que ela o acompanhasse. Ela ficou assustada. Teria acontecido alguma infelicidade? Knut acelerou o passo ao descer pelo íngreme caminho que o levaria ao vale onde ficava o lago Hertha. Sempre acenando, ele falou o bastante para que Helga ouvisse:
— Depressa, depressa, temos que estar lá embaixo antes que a lua se vá. Então, você poderá ver o que não quis acreditar!
O coração da mulher palpitava forte. O que deveria acontecer a ela? Então, eles tinham chegado. Knut a tomou pela mão e a levou para trás de um parapeito, de onde podia se observar o vale. Tudo estava em silêncio. Os véus da neblina trançavam-se em formas estranhas e confusas. Uma luz pálida fazia tudo parecer mais misterioso ainda. Incontáveis raios errantes de luz mergulhavam no chão lamacento. Lustrosas névoas passavam pelo ar. Eram vivas e pareciam fantasmas. De repete, a lua surgiu por cima das colinas, e imediatamente o quadro mudou. No declive abaixo caminhava Hertha, uma mulher com um grande vestido branco. Seus loiros e longos cabelos se estendiam como um grande véu. Seus grandes olhos azuis tinham um brilho moderado; porém, quando se aproximou, mostrava uma expressão de profunda tristeza. Quando ela chegou ao lago, incontáveis seres femininos surgiram da névoa. Elas traziam um carro dourado que tinham lavado, previamente, no lago. Mas, notava-se, ele era frágil e os raios das suas rodas tinham quebrado. Bailando, elas levaram o carro embora. E, então, duendes e espíritos da terra dançaram em torno da mulher entristecida que, impassível, se sentou na praia e mirava a silenciosa lua. Então, o quadro mudou. No meio do lago, aflorou uma figura estranha navegando numa grande concha. Se Knut não tapasse a boca de Helga com suas mãos no
tempo certo, quase que ela teria gritado bem alto e chamado o nome de "Klaus!".
Mas o homenzinho não parecia nada infantil, pois tinha uma barba longa, escura, um boné de couro na cabeça e se trajava como os marinheiros holandeses. Na mão, alegremente, empunhava e girava em círculos uma lanterna que iluminava ao longe. Perante a mulher de branco, parou, se curvou e parecia fazer confidências a ela, apontando várias vezes na direção onde ficava a cabana dos Classen. Um alegre brilho espelhou o Herta, quando ela cumprimentou o pequeno que dela se despediu amavelmente. Este direcionou a concha para o meio do lago e lá imergiu. Neste momento, nuvens escuras encobriram a lua. Num instante, também as formas restantes desapareceram no lago Herta, como também o próprio Hertha. No ar, ressoaram sufocantes e terríveis bramidos e a tempestade rompeu novamente com dupla força. Helga estava imóvel. Sua cabeça rodava ao ver tudo aquilo. O susto deixou-a sem ar e sem poder pensar.
Então, Knut tocou-lhe no braço e disse:
— Agora, você sabe quem você adotou? Você reconheceu o duende do navio?
HeIga não pôde responder. Muda, ela só acenou com a cabeça e deixou-se levar pelas mãos do pastor. Estava difícil chegar à pequena casa; porque as forças da natureza pareciam ter conspirado para fazer terríveis redemoinhos. O mar gritava e lançava montanhas de ondas que quebravam contra as pedras como se
quisesse destruir a ilha. Helge lamentava de mãos postas, pois o marido dela nunca tinha voltado enfrentando tal desordem da natureza. Apesar disso, e muito satisfeito por ter rejeitado a companhia de sua mulher, Jan navegava pelo mar afora. Embora vento e névoas para o pescador não fossem seus aliados, mesmo assim, ele abaixou as redes no mar. Mas, naquele dia, decididamente, ele não teve sorte. Primeiro, a rede pegou numa rocha e ainda bem que se arrebentou toda, pois quase que o barco vira pela força do puxão.
Enquanto Jan se ocupava em tirar a rede da água, o vento bateu sobre a vela, e pôs a barcaça em perigo novamente. Jan de tudo de si para colher os rizes da vela, pois a tempestade aumentava cada vez mais. Só com muito esforço, finalmente, ele conseguiu terminar aquela tarefa. Cada vez mais densas e frias, as massas de névoas cercaram o pescador solitário. Quase que ele não pôde reconhecer as ondas de tanta espuma branca que caia ao longo das suas cristas. Porém o resistente homem tempo não se desesperou com o tempo. Com punho férreo, ele controlava o leme e olhava firme contra o vento. Porém, ele disse percebeu que daquela maneira ele não poderia se aproximar da da ilha de sua casa, pois cada vez mais era levado para o largo do mar. Demorou mais de meio dia para que o vento se moderasse e, entre um ponto e outro, a cortina de neblina se abrisse.
Depressa, Jan içou a vela e preparou-se, desejoso de fazer a viagem de travessia antes do anoitecer. Ele não deveria ter sucesso com isto. A tempestade parecia ter apenas tomado um fôlego, pois, quando a noite chegou, ele voltou com força renovada. Simultaneamente, surgiu uma densa escuridão e o infeliz pescador viu-se definitivamente entregue ao mar revolto. Inutilmente, ele lutou valendo-se de suas últimas forças temendo por sua própria vida. Há muito tempo, ele zombava e desafiava o mar. Uma vez mais, a lua cheia penetrou nas nuvens e a névoa; então, voltou a noite profunda. Perplexo e sem nada ver, abraçando freneticamente o leme, Jan se abaixou no barco. De súbito, o que era aquilo? Que luz mais estranha era aquela? O que era aquela coisa gorda e curta à frente da quilha? Um frio correu-lhe na espinha quando ele reconheceu um anão de barba longa que, sorrindo, sinalizava com uma lanterna fazendo círculos de luz.
— O duende do navio! Murmurou o pálido Jan.
— Sim, o duende do navio! Guinchou o anão. "Você não me reconhece?"
— Klaus Bautzmann! exclamou o espantado pescador.
— Sou eu mesmo", respondeu. "Sou o filho adotivo de Helga e de você. Para lhe testar, eu entrei em sua casa. Então, você vê agora, ser humano cabeçudo, arrogante, até onde o conduziu seu desafio selvagem?
Jan não era capaz de responder. Os dentes dele batiam um contra o outro como matraca e seu rosto mostrava um evidente desespero. Suas pernas trêmulas já não o sustentavam mais. Ele fraquejou de todo, e suas mãos escorregaram do leme. Então, o navio desgovernado dançou sobre as cristas das altas ondas; seria um jogo engraçado, se só não tivesse sido tão pernicioso! A diabrura do pescador estava quebrada. Ele submeteu-se ao destino e esperou a morte que ele próprio tinha evocado.
— Klaus, pediu ele de voz humilde e mansa, "esta é minha sina. Mas se ainda tenho direito a alguma graça, eu lhe peço, por favor, cumprimente minha pobre mulher , proteja-a e não a abandone."
O anão ergueu a lanterna e iluminou o rosto do homem. Depois de mirá-lo firmemente, ele disse:
— Vou ver o que posso fazer por você.
E sussurrou para si mesmo:
— Esta lição ele não esquecerá!
No mesmo momento uma gigantesca onda se enfureceu perto deles e a pequena embarcação desapareceu com os seus passageiros. Na manhã seguinte, o sol subiu feliz e alegre, exatamente como se uma tempestade nunca tivesse obumbrado. O mar murmurava baixinho, as ondas batiam de leve contra a praia; e a superfície infinita d´água dava uma impressão de calma. A cabana dos Classen era só silêncio. Helga estava assentada à frente da cama grande, cujas cortinas coloridas com flores foram abertas, e olhava ansiosamente para o seu marido que se deitara com a cabeça recostada ao travesseiro e delirava de febre. Ela não percebia seu próprio esgotamento. É que ela tinha passado a noite inteira sob a cruel tempestade na praia, temerosa, esperando pelo marido.
Quando amanheceu, ela ouviu um grito de "Hoioho". Então, uma onda trazia um barco para a praia com um grande barulho, e nele, atado ao leme, estava Jan. Apavorada, porém cheia de alegria, Helga desamarrou seu marido. Ele, notoriamente, dava fracos sinais de vida e sangrava na cabeça; mas, a valente Helga o ergueu e o levou para a cabana. Assim, o pescador ficou sob leais cuidados e, depois de poucos dias, a boa mulher teve a alegria de ver o marido se recuperar.
Seria ele, porém, o seu Jan selvagem? Ele estava transformado. De tão sério e suave, inteiramente calmo, ela quase não podia reconhecê-lo. Ele notou a surpresa jovial da sua esposa e, aproveitou a primeira oportunidade em que se assentaram juntos, confortavelmente, sob o abajur, para contar-lhe as experiências da sua mais recente e assustadora viagem. Por fim, ele deu-lhe um aperto de mão e disse:
— De agora em diante, eu quero me tornar outro. Jamais deixarei que minha soberba me ponha em perigo. Devemos conviver na aldeia com todo os outros seres humanos, e, doravante não molestaremos mais o duende do navio.
Helga alegrou-se por esta decisão! Ela contou-lhe o que tinha visto com Knut, e Jan escutou-a muito surpreso.
Na primavera seguinte, uma pequena casa nova foi construída na aldeia. Era de Jan Classen. Já no fim do verão, o feliz casal poderia se mudar. Lá eles puderam gozar de uma felicidade que, até então, recusaram; então, durante o outono, já tinham um belo bebê no berço colorido. Daí em diante, a sorte dele não seria trocada por nada. Eles nunca mais viram o duende do navio. Sempre lembraram dele com respeito, a fim de que não voltasse com rancor o espírito da água.























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