Quando tudo parecia em calma, a Bolívia volta a cair numa trama de disputas políticas e econômicas que ameaça inviabilizar o governo de Carlos Mesa Gisbert e interromper de vez o longo processo democrático que, num raro intervalo histórico, perdura já há 22 anos.
Carlos Mesa é o vice-presidente que em outubro de 2003 assumiu o comando devido à renúncia forçada de Gonzalo Sánchez de Lozada, que não resistiu à pressão das greves e bloqueios das principais estradas do país, terminando por fugir para Miami. Carlos Mesa optou pela conversa, pela negociação, mas se perdeu ao levantar demandas reais e adormecidas que não tinha e não tem como atender. Primeiro, patrocinou eleições municipais pretendendo romper o domínio dos partidos tradicionais, criando duas novas instâncias de representação popular: as Agrupações Cidadãs e os Povos Indígenas, que proliferaram país afora (surgiram 400 em menos de dois meses); depois abriu o processo de uma nova Constituição que deveria estabelecer as bases da nova “Lei de Hicrocarburos”, onde se inclui o gás, a maior riqueza nacional. Para complicar ainda mais o processo, permitiu que a questão das autonomias estaduais viesse à tona (Santa Cruz chegou a declarar-se autônoma).
Rapidamente o presidente perdeu o comando. As organizações populares de El Alto, cidade-dormitório de 800 mil habitantes que está um pouco acima de La Paz e onde se situa o aeroporto, resolveram repetir as paralizações que haviam obtido sucesso com Lozada e bloquearam tudo de novo, desta feita querendo a retirada da empresa Águas de Illimani de propriedade francesa. Evo Morales, o político cocalero de Cochabamba, líder do MAS – Movimiento al Socialismo – e segundo colocado nas últimas eleições, por seu turno paralizou Cochabamba, a segunda cidade do país, cercando os poços de petróleo da região e obrigando seu fechamento. Entusiasmados, seus seguidores começaram a promover protestos de rua em outras importantes cidades, interrompendo rapidamente as atividades nacionais.
Para o Brasil, as preocupações são grandes. Afora o equilíbrio regional, tão ameaçado pelas situações da Colômbia e Venezuela, há o gás boliviano que já abastece boa parte das necessidades do nosso país. Diante do caos, Carlos Mesa foi à televisão ontem à noite e ofereceu sua renúncia para que o Parlamento opine se aceita ou se nomeia um substituto. Não há uma regra a este respeito e tanto podem assumir o presidente do Senado quanto o da Câmara ou o da Corte Suprema de Justiça. Os três costumam guerrear entre si, mantendo a confusão. Para o bem da Bolívia, espera-se que Mesa continue.