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Artigos-->AS PESSOAS E SUAS COISAS -- 06/03/2005 - 22:15 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AS PESSOAS E SUAS COISAS



Francisco Miguel de Moura*



“No princípio era o Verbo”. E a palavra falada é viva por que sai da alma do falante. Por isto se diz: de viva voz. Já a escrita é apenas sua sombra, sua imagem. Daí que interpretação da lei, muitas vezes dá em desastre. Vejam-se os diversos fundamentalismos religiosos e outros. Ora, tudo começa pela linguagem, e só há três formas no discurso de se falar com as pessoas (o sujeito que fala): Eu, tu, ele, ela, no singular e no plural. Outras variações? As transformações em objeto direto: me, mim, comigo, te, ti, contigo, se, si, consigo e mais o, a (e a forma plural de todas).

Mas chegou o tempo de falar às coisas, até chamá-las como se pessoas fossem, visto que são criaturas do homem. Há algum tempo no romance, agora até na vida.

– Mas, se elas não sentem, não falam?

– Depende da sensibilidade de cada um, de quem para ela contribuiu na construção ou na sua destruição – olhe aí, esqueci os possessivos meu, teu, seu, nosso, vosso com seus plurais e femininos. Uma taça quebrada, além das superstições, das intenções, do prejuízo, sozinha não se quebrou.

Mas, porque existiu, deixa falta no espaço da visão. A falta significa a morte, transformação, desintegração. O vinho se derramou. O líquido, alegoria dos olhos, os corações também verterão em forma de lágrimas vivas das entranhas do sangue e do suor. Naquela coisa está incluso o trabalho (quase sempre mais valia) que repassa aos atravessadores. Os lábios que a beijaram nunca mais o farão, eles murcharam, como ela: – devagar, de forma quase imperceptível. E nesse ocaso a taça virou “persona”. Bastar levantar-se o seu passado mais passado. Quem a fez? Como fizeram-na? Com que propósito?

Assim são as outras coisas feitas pelo homem. Têm uma história individual ou coletiva. Adquirem alma. Mas essa alma é metáfora da outra a verdadeira, a que lhe dá origem.

Daí que proponho – uma proposta esdrúxula – que não tratemos as coisas do mercado por tu, ele ou ela, nós, vós eles ou elas. Há que se arranjar outro pronome. Este, esta, aquele aquela. Ficariam os pronomes pessoais somente para pessoas. No romance talvez ainda fosse permitido. Mas só.

Nossa época é do mercado: das coisas, da máquina, do virtual da tevê e da internet. É o domínio avassalador da mercadoria. A história (caso) de um vestido, como escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade, em versos que emocionam, ou a duma jóia, é sempre individual enquanto com seu dono, tenha vindo da fábrica ou comprada ao camelô. Objetos considerados sagrados passam a ganhar “estato” de gente. São as imagens, os ícones. Observe-se o que se passa com a hóstia consagrada, da religião católica, quando o padre diz, citando o Evangelho, quando metaforiza: “Este é o verdadeiro corpo de Jesus” e com o vinho, “este é o verdadeiro sangue de Jesus Cristo, Filho e Senhor Nosso”. O que era pão passou a ser gente. Mais do que gente, passa a ser Deus. Claro que numa metáfora. Pois bem à frente o padre repete as palavras de Jesus: “Fazei isto em memória de mim”.

Não tentemos endeusar as pessoas nem o mercado mais do que já foram endeusados. Enquanto nos servem, assim como quando não nos servem, as coisas são coisas. As pessoas, em nenhuma circunstância, salvo quando morrem.

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*Francisco Miguel de Moura é escritor, mora em Teresina.

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