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Discursos-->Revista Verde Oliva: entrevista c/ o historiador Cel Soriano -- 20/05/2008 - 12:14 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
REVISTA DO EXÉRCITO "VERDE OLIVA"


Entrevista de Manoel Soriano Neto (*)

VO - Qual é, a seu ver, a importância histórica das comemorações do bicentenário da vinda da Corte Portuguesa para o Brasil?

Cel Soriano - Comemorações nos trazem à memória fatos históricos superlativos ou simples episódios da vida, que têm valor individual ou coletivo. E celebrar o que é precioso, nos leva a pensar e a refletir. Assim, as comemorações do duocentenário da chegada de D. João e sua Corte ao Brasil, dão ensejo à relembrança de notáveis marcos de nossa História, dos quais devemos sempre nos orgulhar. Entretanto, tais celebrações seriam de acanhada dimensão, se não reavaliarmos a augusta figura do 27° Rei de Portugal, fazendo-lhe a merecida e imprescindível justiça. Eis a importância maior, dos festejos do presente ano.


VO - E por que D. João VI, em seu entender, é tão injustiçado?

Cel Soriano - Infelizmente, de forma leviana, são emitidos juízos desairosos acerca da pessoa de D. João VI, não condizentes com a veracidade histórica e com os tantos e tamanhos serviços por ele prestados ao Brasil, em tempos de paz e de guerra. A nossa historiografia, com raras exceções, denigre esse personagem exponencial da História brasileira e portuguesa, tratando-o debochadamente, sem levar em conta a Justiça e a Verdade.

O historiador não pode ser motivado por caprichos, simpatias ou antipatias: ele deve primar pela neutralidade, ser isento, fidedigno, amoral (no sentido sociológico), imparcial, enfim. Desafortunadamente, não é isso o que se observa em nosso País. Vários historiadores e jornalistas vêm procedendo, com finalidades ideológicas, a um revisionismo da história-pátria – que seria salutar, se praticado com isenção. Esses revisionistas ocupam-se, de maneira irresponsável e inconseqüente, em reescrever e manipular a História, sob um viés reducionista, por apenas materialista, numa verdadeira inversão de valores.

Destarte, as comemorações dos duzentos anos da vinda da Corte lusitana para o Brasil afiguram-se como uma oportunidade ímpar de reabilitação da imagem de um Rei injustiçado. Ele normalmente é visto de forma folclórica, como um homem fraco, vacilante, glutão, despreparado, de parcos dotes intelectuais, que abandonou Portugal à sanha de invasores, fugindo para o Brasil, onde passou a ter uma vida descansada, totalmente alheio ao múnus de Monarca de um vasto Império. Tal versão, porém, não resiste a uma percuciente análise histórica.

VO - O sr acha, então, que D. João VI foi um Estadista?

Cel Soriano - Não tenho dúvidas quanto a isso. D. João não era o bobo que mal intencionados (cujo perfil traçamos, de escantilhão, na resposta anterior) insistem em propalar, como no filme “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil” que, diga-se, teve o patrocínio do Banco do Brasil, criado por ele... Longe de querermos fazer do Rei, um grande herói, de coragem, intrepidez e caráter adamantino, ou uma pessoa de aguda inteligência, é inconcebível, que o aceitemos da forma grotesca, como “malditos-sejam” o retratam. Ele possuía uma mente assaz lúcida e, o principal, era senhor de excepcional visão prospectiva, digna dos melhores Estadistas. E sabia, com coragem e determinação, tomar decisões.

VO - E como o sr interpreta a decisão de abandonar Portugal, que é tida, por muitos, como uma covardia de D.João?

Cel Soriano - Passados duzentos anos, a interpretação do fato se torna muito mais fácil. Quando Napoleão Bonaparte decretou o bloqueio continental, Portugal, aliado da Inglaterra, não dispunha de meios suficientes para enfrentar o poderio bélico francês. D. João seria feito prisioneiro pelas tropas franco-espanholas e perderia o Trono, como ocorrera com o seu cunhado, Fernando VII, príncipe de Espanha. Então, para preservar a Coroa, a dinastia dos Bragança e o próprio reino português, o Príncipe Regente decidiu não se submeter à invasão do Gen Junot, embarcando para o Brasil, a sua principal Colônia. O Oceano Atlântico, dominado pela Marinha inglesa, seria a natural proteção da Corte em terras brasileiras. Os portugueses permaneceriam resistindo, junto com o Exército inglês, até à retirada dos invasores. Napoleão diria, ao depois, que fôra enganado por D. João... Portanto, a transmigração da Corte lusitana foi uma alternativa, bastante lógica, para a sobrevivência de Portugal. Ademais, tal alternativa, longe de ter sido uma “fuga covarde”, como se apregoa, alhures, foi preparada com bastante antecedência, sem improvisação. Grandes vultos da história-lusa, como o Marquês de Pombal e o Conde de Linhares, a haviam aconselhado (diga-se que ela foi vaticinada pelo Padre Antônio Vieira), caso Portugal, um País pequeno e pouco populoso, fosse ameaçado em sua integridade territorial. Lorde Strangford, à época, embaixador inglês em Portugal, nos dá conta de um acordo secreto, celebrado com a Inglaterra, que previa a fundação de um Reino no Brasil, com a anexação da Cisplatina (diga-se, que tal viria a acontecer, além da invasão da Guiana Francesa). Convém lembrar, finalmente, que uma trasladação do porte da ocorrida, não se faz de afogadilho. Aproximadamente 15.000 pessoas embarcaram em 36 naus e fragatas, com valiosíssimo acervo, preciosos bens públicos e privados, suprimentos de toda ordem, etc. Não houve, pois, uma deserção e, sim, uma magistral manobra geopolítica, muito bem planejada.

VO - Quais os principais atos de D. João, na esfera da administração civil, que trouxeram benefícios para o nosso País?

Cel Soriano - O notável historiador Pedro Calmon afirmou que “não se mudara apenas a Corte, mas o Estado”, após a vinda de D. João. E as providências tomadas, para que a organização político-administrativa funcionasse a contento, foram inúmeras e redundaram em incalculáveis benefícios para o Brasil, a ponto de a Colônia ultrapassar a Metrópole e, anos depois, proclamar a Independência. Isto é assinalado por historiadores e cientistas sociais de nomeada. O ilustre ensaísta Sílvio Romero disse que o período joanino, de treze anos, ensejou a “reversão brasileira”, ou seja, “Portugal passou a ser Colônia da Colônia”...

Dentre tantas, eis algumas dessas providências, julgadas de suma importância: 1) a “Abertura dos Portos”, proporcionando o livre comércio com as nações amigas, concomitantemente com o Alvará que permitiu a liberdade de indústria no Brasil, além da posterior elevação da Colônia - um Vice-Reinado - a “Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves”; 2) a implantação da Imprensa Régia, fazendo surgir os primeiros periódicos brasileiros; 3) a criação do Conselho de Estado, do Banco do Brasil, da Casa da Moeda, da Biblioteca Real, do Museu Real, etc; 4) o início das atividades das indústrias naval (em especial para fins militares) no Rio de Janeiro e na Bahia, e siderúrgica, com fábricas em Minas Gerais e São Paulo, a par da instalação das Juntas de Comércio e de Agricultura, Fábricas e Navegação; 5) a fundação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, depois Academia de Belas Artes, da Academia Real de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, de duas Escolas de Medicina, no Rio de Janeiro e na Bahia, quebrando-se a proibição da existência de ensino superior no Brasil; 6) a contratação de uma Missão Francesa e de outras, de cunho científico e artístico, integradas por nomes consagrados como os naturalistas von Spix, von Martius e Langsdorf, o geólogo von Eschwege, o escritor Lebreton, o arquiteto Montigny, os pintores Debret, Rugendas e Saint Hilaire, e tantos outros; 7) a criação do Horto Real, hoje Jardim Botânico, para a aclimatação de cana-caiana, café, chá e outras plantas, entre elas, mudas de “palmeira imperial”, trazidas por D. João, tudo propiciando grande incentivo à agricultura (aduza-se, por ilustração, que após a conquista da Guiana Francesa, de lá vieram árvores frutíferas, aqui desconhecidas, como o abacateiro, a mangueira, a fruta-pão, a moscadeira, a nogueira, a canforeira, o cravo-da-índia e outras).

VO - E na área militar, o que de importante ocorreu?

Cel Soriano - D. João, ao chegar ao Brasil, já sabia da fragilidade militar da Colônia, tanto que trouxe a Brigada Real da Marinha, elemento formador do futuro Corpo de Fuzileiros Navais. O Príncipe sentiu a necessidade de fortalecer, militarmente, o Vice-Reino. E, para isso, tomou uma série de medidas. De início, em 10 Mar 1808, criou os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (separados pelo Decreto de 22 Abr 1821) e o da Marinha e Ultramar, entregues, respectivamente, aos Condes de Linhares e de Anadia; instalou a Academia de Marinha; reaparelhou os arsenais e fortalezas; criou as Fábricas de Pólvora e de Armas e instituiu o Conselho Supremo Militar e de Justiça. Em 1810, foi criada a Academia Real Militar, inaugurada em 23 Abr 1811, na famosa “Casa do Trem”, tendo como primeiro Comandante, o Tenente-General Carlos Napion, posteriormente alçado pelo Exército à honorificência de Patrono do Quadro de Material Bélico. E mais: foi organizado o Real Arquivo Militar (atualmente, Arquivo Histórico do Exército) e criados o Arsenal Real (atual “Arsenal de Guerra D. João VI”), a Repartição do Cirurgião-Mor (que deu origem à Diretoria de Saúde do Exército) e o Hospital Real Militar (hoje, Hospital Central do Exército), no qual foram instaladas a Botica Real Militar (atual Laboratório Químico Farmacêutico do Exército) e uma Escola Médica. Registre-se, por relevante, que o ensino médico e farmacêutico e a indústria farmacêutica, no Brasil, originaram-se dessas beneméritas Organizações Militares.

As Forças Terrestres Brasileiras (FTB) eram constituídas por tropas de 1ª, 2ª e 3ª Linhas. As de 1ª Linha eram as permanentes, integradas por portugueses e brasileiros; as de 2ª e 3ª Linhas denominavam-se “Milícias” e “Ordenanças”, respectivamente, e eram compostas, em sua quase totalidade, por brasileiros. D. João extinguiu as “Ordenanças” e reorganizou as outras tropas, proporcionando-lhes melhores equipamentos e instrução, inclusive estabelecendo uniformes padronizados para elas, contando, para tal, com o inexcedível labor de seu primeiro Ministro da Guerra, o Conde de Linhares (o venerando nome deste Ministro é a denominação histórica do Museu Militar, de São Cristóvão, no Rio de Janeiro); determinou a vinda da Divisão de Voluntários Reais e, outrossim, criou a “Divisão Auxiliadora”, empregando-as na Cisplatina e para debelar a Revolução Pernambucana de 1817. Na reorganização empreendida, foram criadas, extintas e transformadas várias Organizações Militares em todo o País, ressaltando-se a criação, em 13 Mai 1808, data natalícia de D. João, do 1° Regimento de Cavalaria (hoje, 1° Regimento de Cavalaria de Guardas - “Dragões da Independência”), por transformação do Esquadrão que compunha a Guarda Real do Príncipe. Por final, consigne-se, com muito orgulho: essas FTB (cujas raízes se encontram fincadas nos montes Guararapes!), quando convocadas pelo Príncipe D. Pedro, foram as principais protagonistas de nossa emancipação política, em 1822...

VO - O sr gostaria de acrescentar algo mais a respeito do assunto?

Cel Soriano - Sim. Impende lembrar, por derradeiro, que o maior legado do período joanino foi a garantia de nossa unidade territorial e lingüística e a consolidação da nacionalidade brasileira, que é de extração, frise-se, essencialmente lusitana. Ela não provém das tabas indígenas, nem das cubatas africanas ou de outras etnias, que, inegavelmente, também contribuíram para tal. Somos, sim, fruto do “luso-tropicalismo”, na afirmação do saudoso Gilberto Freyre e, no dizer dele mesmo, “o Exército é a mais lidima e representativa das Instituições nacionais: é o verdadeiro índice do povo brasileiro”. É disto que devemos nos recordar, com ufania, nas celebrações do bicentenário da vinda para o Brasil, da Corte de D.João, um dos pró-homens de nossa História.


(*) O coronel do Exército Manoel Soriano Neto é Historiador Militar.


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