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Infantil-->Canjiquinha -- 24/03/2007 - 11:09 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Canjiquinha

A minha infância foi uma grande pobreza, eu diria que foi uma merda de “fazer gosto”. Só calcei o meu primeiro sapato quando tinha onze anos e assim mesmo era um sapato emprestado por um primo mais velho. O sapato era de duas cores, tipo pé de pombo, rachado e bem maior do que o meu número. Isso foi na minha festa de colação de grau do curso primário. O sapato foi um fracasso, melhor teria agido se não o tivesse usado ou não comparecido àquela maldita festa. Foi uma das maiores vergonhas que passei na vida.
De outra feita, lembro que o Juca tinha brigado com as padarias da Vila de Água Doce e me mandou ir até à cidade de Mantena buscar pão para revender no nosso bar. Quando cheguei na rodoviária, ainda dentro do ônibus, vi o meu melhor amigo Astrogildo na plataforma. Acenou-me todo feliz, mas fiquei com vergonha de descer descalço e inventei uma desculpa para o motorista e segui com ele até à garagem, onde desci. O meu amigo, que era um riquinho e sempre estava de sapato novo, definitivamente não podia me ver numa outra cidade com os pés descalços e empoeirados. Vida de menino pobre é muito triste, pode acreditar. Mas isto é outra história.
Na fase mais dura da nossa vida, a dona Francisca, minha mãe, nos oferecia apenas canjiquinha com feijão para almoçar. À noite, na hora do jantar, ela repetia, morta de vergonha, o mesmo cardápio da manhã que nós detestávamos. Nesses momentos de mágoa, xingávamos mentalmente o Juca. “Que grande pai bundão e pobre nós tínhamos!” Os outros meninos da Vila comiam bem melhor, tinham carne todos os dias e tomavam guaraná junto com as refeições. Vai ver que eles comiam até pedaços de marmelada na sobremesa... Definitivamente, não tivemos sorte ao nascer, o nosso pai era um perdedor nato e hereditário.
Certo dia, quando eu recolhia esterco no pasto do fazendeiro Marcelo, vi uma cena que me fez ficar com pena do Juca. Ele disfarçava para que eu não percebesse, mas vi que ia recolhendo punhados de sal grosso que sobrara nos cantos do cocho dos bois e das vacas. Meu pai recolhia aquelas sobras de sal lambido e colocava cuidadosamente nos bolsos da calça. Aquele sal, que até o gado recusara, seria usado mais tarde para temperar a nossa canjiquinha com feijão. Depois daquela cena triste, em que vi o Juca pegando restos de sal grosso no cocho dos bois, nunca mais reclamei de ter que comer a canjiquinha da minha mãe, nem fazia mais parte do coro com os outros meus irmãos na “xingação” contra a pobreza dele. A vergonha de ser tão pobre, de precisar pegar sal grosso no cocho dos bois, haveria de ser bem mais doída para eles, os meus velhos pais, do que para nós, um bando de meninos irresponsáveis e sonhadores. Depois disso fiz uma promessa severa que cumpro até hoje: “Não aceito convite de ninguém pra comer canjiquinha!... Nem mesmo se for um convite do meu melhor amigo, nem que seja “de grátis” —exceto se for acompanhada de costelinha de porco, porque nesse caso eu topo...”

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