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Discursos-->A Tradição do Gaúcho Maula -- 11/05/2008 - 20:05 (Academia Passo-Fundense de Letras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(Texto que serviu de base para discurso proferido, de improviso, no dia 15 de setembro de 2007, na abertura da Ronda Crioula do CTG Amigos da Tradição, no distrito de Bela Vista, município de Passo Fundo)


Patrão Adonis Félix Dal`Maso e Patroa Professora Vânia Lúcia Dal`Maso, em cujas pessoas saúdo todos os presentes:

Quero, de início, agradecer pela honraria que o Centro de Tradições Gaúchas Amigos da Tradição me conferiu ao convidar para ser o Orador Oficial desta solenidade. Dediquei a maior parte dos meus quase 52 anos de vida a estudar a história de Passo Fundo e do Rio Grande do Sul. É quase uma fixação. E aqui, nesta Bela Vista, volto no tempo, e imagino como seria o local onde estamos, há quatrocentos anos atrás, para ser mais preciso, em 15 de setembro de 1607. Com certeza, estaríamos em plena floresta. Pelos altos destas colinas, de vez em quando, passariam grupos de caingangues e tapes, à procura de caça, pinhões e outros frutos nativos.
Enquanto isso, lá para o Sul, na Campanha, na Pampa, charruas e minuanos, já mantinham relações e cruzavam-se com os brancos, originando, pela mestiçagem, os primeiros gaúchos. Estes, eram homens rudes, analfabetos, como quase todos os nascidos em território americano daqueles tempos.
Por essa época, já cresciam, soltos pelos campos, cavalhadas e boiadas, crias de matrizes introduzidas há pouco mais de meio século. Dentro em breve, essas manadas somariam centenas de milhares de cabeças. Naturalmente, burros e éguas foram cruzando entre si, dando origem às primeiras mulas.
Pouco tempo depois, mouriscos e marranos – muçulmanos e judeus, perseguidos na Espanha e Portugal –, somavam-se a outros escorraçados pelos poderosos buscando refúgio nos cafundós da Pampa. Logo, passaram a estimular o aproveitamento econômico da gadaria e contribuir para a melhoria dos rebanhos.
Para carnear o gado selvagem, nada melhor do que os mestiços de índios pampeanos e brancos. Uns, em grupos, vagavam pelos campos, à época de gado gordo, aproveitando o couro, o sebo e o chifre; outros fizeram-se tropeiros e domadores, amansando e conduzindo tropas de mulas para as minas de Potosí, na Cordilheira dos Andes. Logo a seguir, pelo Litoral, as muladas chegavam ao Planalto Paulista e, dali, eram negociadas em Minas Gerais, para transportarem ouro em seus lombos.
Aqueles homens, então chamados de changadores e gaudérios, foram os primitivos gaúchos. Homens sem rei e sem lei, senhores de um código pessoal, baseado na força física do indivíduo, os registros históricos dizem que resolviam a menor questão a ponta de faca.
A riqueza da Pampa estimulou a disputa entre os interesses de Portugal, Espanha e, naturalmente, da Inglaterra. Os senhores da guerra entraram em ação. Coronéis e generais, “a serviço de suas majestades sereníssimas”, à frente de milhares de soldados, invadiram a Pampa. Requisitaram, muitas vezes a maneador, os préstimos dos gaudérios que, aí, sim, passaram a ser chamados de gaúchos, com um sentido claramente ofensivo à dignidade de suas mães e avós nativas.
Com cartas régias, coronéis e generais começaram a cercar largos espaços da Pampa. Nos momentos de paz, voltando à faina antiga de courear gado selvagem, os gaúchos, que a exemplo dos seus avós índios não conheciam a propriedade privada, encontravam a reação daqueles que se adonaram dos pagos. E os gaúchos receberam outro epíteto infamante: “ladrões do campo”. Ladrões do quê? Ladrões do gado que crescera à solta na terra livre que herdaram dos seus avós, quando os verdadeiros ladrões escondiam-se atrás de cartas régias?
Alguns desses homens livres dos campos, fizeram uso da lei que conheciam: a charqueadeira. Gaucho malo, definiu-os Domingo Faustino Sarmiento, em obra clássica. E Jayme Caetano Braun, em versos famosos, cantou-lhes sob o título de maula. Ao fim e ao cabo, lhes restou a única alternativa: submeterem-se à condição de empregados – peão – numa dessas estâncias. Melhoravam de situação quando, caindo nas graças do patrão – fosse este coronel ou general –, eram elevados à dignidade de posteiro. Aqueles que não se submeteram ao novo modo de vida foram caçados, como se fossem bestas feras, o que está retratado no mais famoso poema da literatura gauchesca, o Martin Fierro, de José Hernández. Um daqueles generais, que chegou à presidência da República Argentina, costumava afirmar que era preciso acabar com os gaúchos, pois só tinham uma coisa de humano, o sangue.
É exatamente com a consolidação da propriedade privada na Campanha que começa a imigração européia. Aí – e é difícil para os historiadores, herdeiros do racionalismo em suas duas formas mais radicais e siamesas: o positivismo enrustido e o marxismo vulgar, entenderem que aconteceu o que tantas vezes se vê ao longo da História – a vitória dos vencidos.
Os deserdados das campinas européias encontraram-se com os deserdados da Pampa. E os primeiros, que eram impedidos até de andar a cavalo, portar armas e caçar, entre tantas outras proibições, aqui se sentiram livres. Quando viram os despossuídos da Pampa montados, usando um “44” e dando tiros a torto e à direita, apressaram-se; arranjaram pilchas; agaucharam-se. O mesmo aconteceu nas cidades americanas, que cresciam. Seus descamisados, também, agaucharam-se. A nascente classe média, embretada entre os cumes do capital e as profundezas do proletariado, agarrou-se ao paraíso perdido da Pampa “que ficou pra trás”, de que nos fala uma canção bastante conhecida.
Assim, estavam dadas a premissas para que surgisse um grande movimento social, o tradicionalismo gaúcho e sua gigantesca institucionalização, dos quais o Centro de Tradições Gaúchas Amigos da Tradição é uma célula atuante. Várias foram as tentativas anteriores, desde o Grêmio Gaúcho, fundado por Cezimbra Jacques, no dia 22 de maio de 1898. Pode até ser mais do que mera coincidência o fato de que quase cinqüenta anos depois, a 5 de setembro de 1947, alguns jovens estudantes do Colégio Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, ao recepcionarem, pilchados, os restos mortais de David Canabarro, o último comandante militar da República Rio-Grandense, tenham lançado as sementes do atual Movimento Tradicionalista Gaúcho. Movimento que, a exemplo de todos os seus congêneres nativistas, aqui e alhures, acabaria preso à teia de aranha da modernização conservadora.
Para concluir, senhores e senhoras, há sessenta anos, através do tradicionalismo gaúcho, os vencidos pelas cartas régias dos coronéis e generais, a serviço dos reis da Península Ibérica, venceram. Pode até considerar-se uma vitória de Pirro.
João Neves da Fontoura afirmou certa vez que “As fronteiras do Rio Grande foram traçadas a ponta de lança e pata de cavalo”. Para isso contribuíram desentendes dos primitivos gaúchos e dos imigrantes europeus que aqui chegaram depois. Changadores, gaudérios e gaúchos foram os primeiros a regar o solo rio-grandense com o suor dos seus rostos. E a riqueza do Rio Grande, continua sendo feita pelos gaúchos de hoje, herdeiros do sangue dos primitivos gaúchos e dos imigrantes europeus, seja nesta Bela Vista ou em todas as outras vistas belas de nosso Estado.
Entretanto, não posso encerrar esta alocução sem recordar as palavras de um dos mais influentes pensadores de todos os tempos: “A tradição é uma força frenadora da história”. Lembremo-nos, pois, nós, que nos consideramos herdeiros de tamanha ancestralidade, que os tempos mudaram. Se não mais cortamos as distâncias em lombo de cavalos e burros, continuamos iguais aos primitivos gaúchos: sentimos sede e fome, embretados por novas cartas régias.
Quem presta atenção às notícias diárias saberá o caminho que deve trilhar. Para ser verdadeiramente gaúcho e tradicionalista, honrando as mais caras tradições dos verdadeiros gaúchos que nos precederam, muitas vezes, é indispensável ser maula.
Muito Obrigado!
Paulo Monteiro, autor de centenas de artigos e ensaios sobre história e literatura, pertence a diversas entidades culturais do Brasil e do exterior. Endereço para correspondência e envio de livros para leitura e análise: Paulo Monteiro – Caixa Postal 462 – CEP 99.001-970 – Passo Fundo - RS)
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