Sei que um dia irei morrer
Não quero choro nem riso
Será meu dia de glória
Quero entrar no paraíso
Tenho feito caridade
Minha vida é só bondade
E sempre agindo com siso...
Ao chegar no Campo Santo
Quero uma urna fresquinha
Cheia de fotos e flores
E um prato só de farinha
As fotos só dos amigos
Novos e até dos antigos
Pra comer com farofinha...
Mas antes de sepultada
Por inteiro e em cordel
Quero o discurso de todos
Pode ser lido em papel
E quero rima certinha
Que vou ler na entrelinha
O beijo do menestrel...
Fiúza leva Manoel
Cabrita de estimação
Coadinho pega o cabresto
Pra segurar o garanhão
Lumonê ajoelhado
Curvado ri um bocado
Finge que faz oração...
Domingos foi se chegando
Com esperança no rosto
De ser nosso candidato
Porque o Lula foi deposto
Por não ter lhe dado ouvido
Fazer o povo sofrido
Ter pelo menos um gosto...
Zé Limeira satisfeito
Esperava eu desligar
Daquele corpo tão roxo
Que eu não queria deixar
Piolho-Chato fez despacho
Mas a sua reza eu acho
Só serviu pra eu levitar...
E lá de cima do teto
Olhava a todos faceira
E vendo que alguém chorava
Pensei numa brincadeira
Beliscar puxar cabelo
Pra arrepiar todo pêlo
E acabar com a choradeira...
Mas quando Rubenio fala
Vêm lágrimas a granel
Ninguém controla seu choro
Ele me fez um cordel
Compenetrado na viola
A doce canção engrola
Solta a voz de menestrel
Egídio trouxe a coroa
De pedrinha colorida
E contornou o meu rosto
Com uma trança florida
Com uma fita formosa
Jorge Sales trouxe a rosa
Flor que eu adorava em vida
Na hora de me fechar
Naquela lápide escura
Todo mundo disfarçou
Tudo se encheu de frescura
Foi preciso ter presteza
Só podia com certeza
Ser Fernando Tanajura...
Depois ouviu-se um trovão
Que se arremessou do alto
Era um forte temporal
Que provocou sobressalto
E Tanajura assustado
Me deixou cair de lado
Sobrando lá no asfalto...
Com a queda que levei
Do caixão rumo ao chão
Eu levantei tão ligeira
Não tinha morrido não
Foi só desmaio profundo
Quase me levou do mundo
E fez tanta confusão...
