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Artigos-->MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS -- 02/02/2005 - 13:55 (Carlos Higgie) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


“MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS”,

MARCO INICIAL DO REALISMO NO BRASIL



Machado de Assis, descendente da raça negra, pobre, sem freqüentar normalmente o ensino formal, transformou-se no maior escritor brasileiro, abrindo com sua obra o caminho para a renovação das letras nacionais, trazendo, na segunda fase da sua produção literária, as marcas fortes do Realismo. É o exemplo de um homem que cresce, partindo do nada para a glória, contrariando alguns dos preceitos realistas, que colocavam o ser humano sob o jugo esmagador do determinismo.

No Brasil, o Realismo imprime sua marca com intensidade na Literatura, principalmente no romance, e no teatro. A prosa é a forma de expressão literária que critica as instituições, a sociedade burguesa, a escravidão, os preconceitos, a hipocrisia social, trabalhando todos os assuntos com uma linguagem direta, clara, facilitando a leitura e chegando diretamente ao leitor. Há uma abordagem objetiva da realidade, numa clara reação ao subjetivismo do Romantismo. É nítida a predominância dos personagens sobre o enredo, da caracterização desses personagens sobre os fatos, interessando mais o detalhe das reflexões, o aprofundamento psicológico, que as ações; trabalhando o presente, retratando o cotidiano, o pensamento, emoções, desejos de homens e mulheres próximas e perfeitamente identificáveis na sociedade.

“Memórias Póstumas de Brás Cubas” é o primeiro romance realista, iniciando a segunda fase, a da maturidade, de Machado de Assis. Relata a história de um homem rico, Brás Cubas, de uma duvidosa descendência nobre, um tanto forjada pelos ascendentes, que passa pelo mundo de maneira superficial, despreocupada e egoísta. Nasce rico, é mimado pelo pai, tem uma mãe que não parece muito forte, um tio ( João ) que aparece como um devasso, outro tio cônego e outros parentes que, de uma ou outra maneira, influenciam na formação moral do menino terrível que ele foi. Aos dezessete anos apaixona-se por Marcela, uma mulher frívola, interessada muito mais no ouro, na riqueza, na ascensão social, que no amor. Ela brinca com o amor do garoto, dosando seus carinhos de acordo com o presente que Brás Cubas trazia. Endividado, descartado pela amante, perdoado e protegido pelo pai, é enviado para a Europa, estudando e vivendo superficialmente. Retorna para ver sua mãe morrer. O pai deseja que ele case com Virgília, mas ele mostra interesse por Eugênia que, como perfeita personagem realista, é coxa. Isso diminui, e muito, o amor de Brás Cubas por ela. Virgília acaba casando com Lobo Neves, visualizando um título de marquesa. Além da noiva, Lobo Neves, rouba-lhe a candidatura de deputado, prometida pelo pai da moça. Virgília parte com o marido, mas quando retorna, acaba transformando-se em amante de Brás Cubas. É o amor que marca nosso personagem. Acobertados por dona Plácida, os amantes vivem seus dias de glória, que acabam quando Lobo Neves parte para mais um cargo no governo. Brás Cubas reencontra um amigo da infância, Quincas Borba. Esse amigo, que já tinha sido mendigo, doutrina-o no Humanitismo, uma filosofia desenvolvida por ele e apoiada no Positivismo e no Evolucionismo. Brás Cubas chega a deputado, perde a chance de ser ministro e passa para a oposição. Pouco a pouco vê parentes, amigos e conhecidos enlouquecer, morrer, desaparecer. No final da vida quer inventar um emplasto, que aliviaria a melancólica humanidade, curando todos seus males. É a primeira e última tentativa de deixar sua marca no mundo, de redimir-se de uma vida vazia e sem propósito. Não alcança seu objetivo, morrendo aos sessenta e quatro anos, depois de rever sua antiga amante, sozinho, sem deixar filhos e sem encontrar seu lugar no mundo.

Esse é, num rápido esboço, o enredo de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Nesta obra, o que menos interessa é justamente a sucessão dos acontecimentos. Machado inova, deixando de lado as descrições pormenorizadas, a lógica do enredo, a cronologia, partindo para um mergulho na intimidade dos personagens, principalmente de Brás Cubas. Há uma profunda crítica à sociedade, expressa pelo narrador nas suas reflexões.

Já no inicio do romance somos surpreendidos pela dedicatória: “ Ao verme/ que / primeiro roeu as frias carnes/ do meu cadáver/ dedico/ como saudosa lembrança/ estas/ memórias póstumas”. Estamos na presença de um defunto autor, alguém que morreu e, desde da eternidade, decide contar sua vida, partindo do seu enterro, acompanhado por onze amigos.

Silvio Romero, contemporâneo de Machado de Assis, critica o que ele chama de “espiritismo literário”. Acredita que falta profundidade, originalidade e imaginação. Mas Silvio Romero é, hoje mais que nunca, uma voz solitária, que não atinge, em nada, a grandeza e o gênio de Machado de Assis. Silvio Romero não percebeu, talvez por falta de perspectiva, a novidade da obra de Machado, a força renovadora do romance, dissecando a sociedade, abrindo portas e janelas, deixando entrar a luz forte, dolorosa às vezes, da verdade, da realidade, mostrando o verdadeiro rosto das pessoas, deixando de lado as máscaras, os disfarces que eram usados para viver socialmente.

Brás Cubas é, então, um narrador que, por meios não explicados, consegue narrar sua vida desde as sombras do túmulo, depois de enterrado e devorado pelos vermes. È um narrador frio, distante, sincero, totalmente independente, analisando com agudeza sua existência terrena e aquelas pessoas que fizeram parte do seu dia-a-dia. A partir das suas reflexões, podemos observar seus pais, seus parentes, seus escravos, suas amadas, sua amante, as personagens que, com maior ou menor destaque, desfilam pela história. Escreve ele, referindo-se ao seu primeiro grande amor: “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis...” Nada tem de romântico esse amor, sustentado com presentes caros, alimentado com muito dinheiro, medido pelas riquezas que o pobre jovem Brás Cubas podia depositar no colo de Marcela.

Sem resquícios de piedade, o narrador descreve e reflexiona. Assistimos a um espetáculo de puro egoísmo. Brás Cubas é um ser humano egoísta, que usa sua inteligência para alcançar seus objetivos vazios e mundanos. Em vários momentos somos surpreendidos pela sua ação egoísta e despreocupada com o sofrimento humano. Quando encontra seu amigo Quincas Borba, que estava mendigando na rua, escolhe a nota de menor valor e mais suja. Corrompe, conscientemente, dona Plácida, dando-lhe o dinheiro que encontrou na rua e, sem remorsos, escondeu até achar um fim para as notas, cinicamente dúvida dos sentimentos de Virgília, principalmente quando ela chora a morte do marido. Inicialmente sente interesse por Eugênia, que ele chama de “a flor da moita”, mas logo foge dela, por ser pobre e coxa. Com certeza, as outras personagens não são o cúmulo da nobreza nem o melhor exemplo de humanidade.

Quincas Borba, quando estava na sua fase de mendigo, não hesita e rouba o relógio de Brás; Marcela, que teve um triste fim, usa seus encantos para extorquir jóias caríssimas do jovem Brás Cubas; Virgília não tem um comportamento muito ético: quer ficar com seu marido e com a posição social, mas quer, também, desfrutar do amor proibido de Brás Cubas, não hesitando diante dos perigos e das vozes que se levantam, murmuram e mancham o nome do seu marido e o próprio. Não se detém, fica furiosa quando surgem obstáculos ou desencontros. Termina viúva e respeitada, como uma verdadeira dama.

Tudo, na obra, leva à reflexão. Como um hábil cirurgião, Machado de Assis, abre o corpo inquieto da sociedade, passando por diferentes partes, chegando ao âmago, à alma, ao mais profundo, revelando na maioria das personagens um vazio imenso, existências sem propósitos, vidas movidas pelo simples desejo de ter, de aparentar ser, de dominar ao próximo. É muito significativo o exemplo do antigo escravo da família Cubas que, uma vez liberto, consegue um escravo que é castigado, sem piedade, do mesmo jeito que ele tinha sido no passado. Parece não existir limites para a crueldade, o egoísmo, os interesses obscuros, os desejos ignóbeis, o agir unicamente visando seus interesses pessoais, sem importar-se com o próximo.

Um mundo regido pelas forças mais obscuras da natureza, carregado de determinismo, com os destinos marcados, preestabelecidos. Um universo inçado de forças alheias aos sentimentos humanos, com um ambiente que determina quem será e quem não será, com um entorno que faz as pessoas agirem egoisticamente, buscando a satisfação plena de seus desejos, sem preocupar-se com os meios usados para atingir os fins. Isso nos revela “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Amparado na morte, o narrador defunto, não hesita em destruir tudo e todos. Não tem piedade, não se sensibiliza com a dor alheia, analisa friamente as ações e reações das pessoas que o rodearam em vida.

Quando Quincas Borba reaparece, totalmente impregnado da filosofia positivista do Humanitismo, Brás Cubas parece descobrir o sentido da sua vida. Uma vida que tinha sido construída com dinheiro e caprichos, mas que, uma vez desaparecido o amor de Virgília, parecia cair num tremendo vazio. A nova filosofia, desenvolvida por Quincas Borba, parece explicar toda a loucura humana, que joga vidas na lixeira, pretendendo construir um mundo melhor. Pelo Humanitismo tudo tinha explicação: as guerras, ceifando estupidamente vidas, as doenças, as epidemias, tudo acontecia para a sobrevivência dos melhores, dos mais fortes, dos mais preparados para enfrentar o desafio e os mistérios da existência humana. Mas Quincas Borba queima os manuscritos que registravam a doutrina do Humanitismo. Queima os manuscritos e enlouquece, morrendo depois e deixando Brás Cubas mais perdido que nunca, tentando justificar sua vida. A morte o surpreende quando tentava inventar um emplasto, algo maravilhoso que o deixaria famoso e mais rico. Algo que justificaria sua passagem pela Terra. Brás Cubas encerra seu relato de maneira melancólica. Num capitulo chamado “Das negativas”, e ainda imbuído do cinismo que caracterizou sua vida, o narrador faz um balanço: “Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”

Termina assim a história, encerra-se assim o romance. Resta uma sensação de desalento perante um homem que, ainda depois da morte, ou talvez por isso, não encontra na humanidade motivos para acreditar na vida. A vida de Brás Cubas teve o falso brilho que a riqueza pode dar, mas foi inútil desde o ponto de vista humano. Passou como um meteorito, brilhando por um instante e perdendo-se no espaço infinito. Não deixou marcas, não semeou, todas as possibilidades que nasceram com ele, morreram e foram enterradas no mesmo caixão que viu seus ossos apodrecerem.

Como obra literária, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, é um livro surpreendente. Machado de Assis está sempre chamando ao leitor para participar da história, levando-o a mergulhar diretamente no psicológico das personagens, principalmente do narrador. Com determinação, o autor, ousa introduzir elementos novos na narrativa, utiliza a metalinguagem, inova na estrutura, na temática e na parte gráfica da obra. Deixa capítulos em branco quando considera necessário para a narrativa, ou cheio de reticências quando quer mexer com a imaginação do leitor, quando quer descrever um diálogo romântico, sem cair no romantismo.

“Memórias Póstumas de Brás Cubas” marca o início do Realismo no Brasil, inicia a segunda fase de Machado de Assis, e é a primeira explosão da genialidade do autor, que seria considerado o maior escritor brasileiro, sendo reconhecido no mundo inteiro pelo seu valor literário.

Machado de Assis consegue, nesta obra, não só dissecar à sociedade do seu tempo, mas também mexer conosco, levando-nos a profundas reflexões sobre atos que praticamos quase naturalmente no nosso dia-a-dia. Alcança, então, uma das principais razões da existência da literatura: além de retratar, mostrar, divertir, distrair, fazer com que os leitores pensem, refletiam e de alguma maneira cresçam como pessoas, como seres humanos.











































BIBLIOGRAFIA



Memórias Póstumas de Brás Cubas. Assis, Machado. O Estado de São Paulo/ Klick Editora, Indiana, 1997.



Memórias Póstumas de Brás Cubas. Assis, Machado. Sociedad Comercial y Editorial Santiago LDA y Publicaciones. Chile, 1988.



Estética Literária. Silva, Maurício. Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1973.



www.literatura.pro.br



www.folha.uol.com.br



www.academia.org.br



www.planetaterra.com.br



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