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Artigos-->Certo olhar -- 02/01/2002 - 14:14 (maria da graça almeida) |
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Certo olhar
maria da graça almeida
Os afazeres eu deixava de lado.
Se não contássemos com
cotovelos curiosos,
parapeitos seriam dispensáveis!
Já conhecia o toque-toque da bengala,
que lhe aumentava as pernas.
Corria à janela.
Às vezes o recato
impedia-me de escancarar a cortina
e mesmo quando aberta
não me desnudava a figura tímida,
que esgueirada garantia-me a discrição.
Na cabeça envelhecida
bem que eu lhe vislumbrava
ilhas rosadas, entre pálidos fiapos.
A idade comprometera-lhe o andar,
não o olhar.
Através dele, percebia-se um universo
muito maior do que o espaço
onde seus trôpegos passos
poderiam caminhar.
Era o olhar que penetrante
adentrava as pessoas.
Um olhar de raio x.
Muitas vezes desviei meus olhos,
temendo ser conferida.
Ele percebia. Sorria.
Um dia perguntei-lhe,
apontando meu peito:
- O que tanto procura aqui dentro?
- Aquilo que seus olhos e riso
não me querem dizer.
- E por que precisa saber?-insisti-.
- Para não amar demais!
- Amar é assim tão ruim?
- Quando se ama mais do que
o objeto do amor solicita, é ruim, sim!
- Por quê?
- Enfada o amado, fere o amante.
Desse dia em diante,
descerrei de vez as cortinas,
passei a olhá-lo de frente.
Permiti-lhe que me perscrutasse
e conferisse-me as necessidades.
Aí ele pôde amar-me de verdade,
cada vez mais.
E à vontade...
Maria da Graça Almeida
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