Minha palavra pouca
maria da graça almeida
I
Tudo tão tolo,
tão pouco, tão parco,
tão frouxo. Opaco.
Menor a palavra,
maior o buraco.
Ínfima a lavra,
supremo o caco.
II
o vento
que me dói
eu côo
nas asas
do último vôo
III
estrela cadente
ou lascas da íris
caindo na lente?
IV
silêncio mudo
ando cheia dos
graves e agudos
V
ao encalço,
não alcanço
minha sombra
no asfalto
VI
arrisco e faço
a colagem da alma
parida em pedaços
VII
que acha? o que acha?
coaxa o sapo
enchendo o vácuo
que tem no papo
VIII
a aranha,
da teia,
cheia
engole
o grito,
cospe
o mosquito
IX
Água abundante, vasta,
cristalina cabeleira:
catarata.
Olhos que já não bastam,
candidatos à cegueira:
catarata.
X
Vez ou outra,
vem-me a inspiração.
Nem todo dia
é domingo,
nem todo domingo
é vão.
XI
cerca mais alta
mais curta a visão
só vi pelo vão.
XII
Cravo no caminho
não é sempre que se encontra
flores sem espinho
-----------------------------------
maria da graça almeida
do livro
Contracanto a contragosto
|