PROSOPAGNOSIA
Francisco Miguel de Moura*
Antes, conhecer pessoas, guardar-lhes as feições era o meu castigo. Encontrar pessoas que pensava reconhecer e não lembrar onde e quando teria visto. E aí começava meu martírio. Hoje não me atrapalho, entro direto no problema:
– Diga logo o nome...
Aí eu fico “babatando”, caçando na memória de quem é aquele rosto. Quem é? trabalha onde? aonde foi que nos vimos pela última vez? faz quanto tempo?
Nem assim consigo localizá-lo rapidamente. Apuro o ouvido e digo:
– Ah, é o...
– Honório!
– Isto mesmo.
A partir de então a conversa desfia plácida. Graças a Deus.
Mas tudo se vai repetir com o próximo. Há aspectos do nosso íntimo que relutamos em revelar. Até mesmo a aceitar. Quem já se imaginou na pele de um adolescente apelidado de “feio” pelos seus colegas, mesmo que não seja totalmente feio, tenha apenas orelhas de abano, nariz adunco (que para nós, brasileiros, não tem nada de bonito), a cara cheia de espinhas? Ser feio é natural, não é excepcionalidade nenhuma. É materialidade, vem de fora. Mas há algo que seja apenas corpo, matéria, ou que seja apenas espírito? É possível acreditar-se que haja ação, sinal, movimento oriundo apenas da alma, especialmente se da vontade, da emoção ou do pensamento.
Li uma reportagem na revista Veja, edição de 15.12.2004, título: “Pesquisas desvendam os mecanismos usados pelo cérebro para identificar rostos”. Pequena mas esclarecedora. A mim me consolou, porque há gradações, os que são muito afetados e os que apenas possuem pequena deficiência.
Nunca confessei minha dificuldade em reconhecer as pessoas, exceto aquelas de minhas relações mais íntimas. Quando o reconhecimento é mais demorado, peço à pessoa que fale. A voz humana, meus ouvidos gravam bem, o riso, os gestos. Minha mulher sabia perfeitamente, não adiantava tentar esconder. Algumas vezes se impacientou comigo. Aí eu lhe dizia: – “Você é minha secretária, ajude-me”.No meu caso, o fenômeno se estende a marcas de carro, cores, paisagens, quadros, sem falar em artistas de cinema, tevê, e daí uma certa dificuldade em entender filmes e novelas, só superada por algum mecanismo para driblá-lo, que só a necessidade cria.
É uma deficiência em alguma parte do cérebro e tem o nome cientifico de prosopagnosia. Mas pode ser amenizada. Segundo a referida revista, “a inglesa Jane Goodal, portadora de tal disfunção, é talvez a maior especialista viva no estudo de chimpanzés e em suas pesquisas na floresta da Tanzânia, ela aprendeu a diferenciar um macaco de outro, no entanto é incapaz de distinguir rostos humanos”.
As pesquisas avançam, pode ser que dentro em breve o mal seja curável. É uma esperança, não para mim, para os que estão começando hoje, pois não são poucos os que padecem de prosopagnosia.
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*Francisco Miguel de Moura é escritor brasileiro, mora em Teresina.
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