P S I T A C I S M O S I
Advogo-me o direito
de iludir-me
perante poças de lama
e um sapato velho.
Interrompo o lazer de palavras,
quando se culmina
o pôr do sol
no lúbrico domingo.
O relógio biológico
bate-me horas perdidas,
faltam-me alguns minutos
para completar o futuro.
Na esquina do prédio do sindicato,
o eletricitário,
negro, baixo e solícito,
nem se assusta
com esta minha vã filosofia.
Agarra-se a seu escorraçado evangelho
de isopor.
Advogo-me o direito
de derramar-lhe toda minha
hipertensa fúria agnóstica.
O homem negro nem se toca...
ouve tudo, que nem mesmo ele
já houvera proferido,
ao longo de seu meio século de vida.
“No princípio era o verbo e habitou entre nós.”
O homem negro e baixo,
evangelicamente, sem pedir licença à noite e ao interlocutor,
se despede mansamente, à cata do barbeiro,
mas promete um diálogo muito em breve,
quando seu evangelho de aço me convencer
que não é de isopor esta monótona quarta-feira.
Recife,PE
Abril de 1978.
P S I T A C I S M O S II
Mais se arvora o poeta
mais a musa acontece.
Partem-se-lhe idéias
palavras, ações contidas.
Insone, o poeta
aporta novo sonho
desses de pedra e calcário.
Varar, quem dera, a noite,
ruminando esquinas e
esquadrinhando destinos
ignotos.
Quiçá o sonho do poeta o seja.
Teme porém o câmbio das marés:
quarto minguantes
se entranham n’alma
rangem-se dentes, rompem-se amarras
imperscrutáveis.
Inerme, a noite
assanha o silêncio.
Necessário se faz conter a musa
em seu tropel de escusas
e paixões.
Desbraga amiúde
caso a caso:
o violonista
e os minutos
a sorver no bar,
travestido de inconfessáveis
dores-de-corno.
O poeta expõe sua vergonha
através do copo de caipirosca.
À mostra, aforam-se alguns sentimentos
de desejo.
Tenta o incauto beijo
na solene e esquiva musa
soteropolitana.
E quanto mais o poeta se arvora,
mais úmida queda-lhe a boca
em chamas
de arder e sugar um tempo
que possa inexoravelmente
a ele se integrar.
Walter Silva
Abril de 1978.
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