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Artigos-->VIAGEM DE RUFINO TEOTÔNIO SEGURADO. -- 24/01/2005 - 01:28 (Mário Ribeiro Martins) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A VIAGEM DE RUFINO TEOTÔNIO SEGURADO

PELOS RIOS TOCANTINS E ARAGUAIA,

NOS ANOS DE 1847 e 1848.

(REPRODUÇÃO PERMITIDA, DESDE QUE CITADOS ESTE AUTOR E O TÍTULO).



Mário Ribeiro Martins*



(Ortografia original, conforme publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo X, volume X, páginas 178 a 212, em cuja capa se lê “REVISTA TRIMENSAL de HISTORIA E GEOGRAPHIA ou JORNAL DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO BRASILEIRO, FUNDADO NO RIO DE JANEIRO, EM 1838, DEBAIXO DA IMMEDIATA PROTECÇÃO DE S.M.I., O SENHOR DOM PEDRO II, 2º TRIMESTRE DE 1848”).





NOTA: Os números com as notas explicativas estavam no fim do texto. Com o passar do tempo, cheguei à conclusão de que os leitores ficam com preguiça de ir ao fim do texto ler as “notas explicativas” e depois retornarem ao texto original. Assim, decidi abrir uma exceção e colocar as “notas explicativas” entre parênteses no meio do texto. Aliás, muitos me disseram claramente: “Li o texto, mas fiquei com preguiça de descer para ler as notas explicativas”. Ora, em certas ocasiões a nota explicativa é mais importante do que o texto.





“VIAGEM DE GOYAZ AO PARÁ.



ROTEIRO ESCRIPTO PELO DR. RUFINO

THEOTONIO SEGURADO.



Escrevendo o presente roteiro, não é minha tenção fazer uma descripção completa do rio Araguaia, porque faltam-me as necessarias habilitações para descrever scientificamente tudo quanto este magestoso e importantissimo rio offerece aos olhos do observador; porem sim fazer um pequeno serviço aos que por elle houverem de navegar.



Achando-me na capital de Goyaz como deputado á assembléa legislativa provincial em meiados do anno de 1846, tratava o actual presidente da provincia o Exm. Sr. Dr. Joaquim Ignacio Ramalho(1), de fazer o ensaio da navegação do commercio entre esta e a provincia do Grão-Pará pelo rio Araguaia: e o mesmo Exm. Sr. consultou a minha opinião a respeito por haver em outro tempo navegado pelo rio Tocantins até o Pará, e d`est`arte ter alguma experiencia da navegação fluvial.



(Nota explicativa(1). Dr. Joaquim Ignácio Ramalho, o BARÃO DE RAMALHO, como passou a ser chamado, foi o 7º Presidente de Goiás, no periodo imperial, e governou de 14.10.1845 a 19.02.1848. Seu substituto, Antonio de Pádua Fleury criou uma Sociedade de Acionistas para fazer a navegação. A viagem de ida gastou 93 dias, chegando em Belém, no dia 28.07.1848. Na viagem de volta, vários barcos se perderam, inclusive o carregamento. A navegação só voltou a funcionar com José Vieira Couto de Magalhães, em 29.05.1868).



Expondo as minhas opiniões, fui ouvido com muita attenção e interesse, e foram ellas aceitas. Uma grande difficuldade se apresentava ao presidente, que era encontrar uma pessoa habilitada para dirigir semelhante empreza. Vendo que se me proporcionava occasião de prestar um serviço ao meu paiz, não tive duvida de aceitar a incumbencia, o que muito satisfez ao mesmo presidente.



Minha opinião era que seria mais conveniente e economico que a expedição se apromptasse na villa do Porto Imperial, por se encontrar ahi os vasos(2) e todo o indispensavel com mais facilidade, e até mesmo porque o tempo em que se tratava d`este negocio não permittia que houvesse a menor demora, afim de que descessem os vasos na estação propria.



(Nota explicativa(2). Vasos- barcos que eram construidos em Porto Imperial(Porto Nacional), antigo norte de Goiás, hoje Tocantins, capazes de transportar 1.200 arrobas(Dezoito Mil Quilos).



Havendo-se organisado uma sociedade para semelhante fim, dirigi-me com a possivel brevidade ao norte da provincia para o fim de promptificar tudo quanto era necessario para a empreza. Eu devo aqui notar que, se bem que os fundos a mim confiados para esse fim me não parecessem mui sufficientes, todavia não hesitei; em consequencia porem d`essa circumstancia não me foi possivel haver barcos novos, por serem estes de alto preço; o que como adiante se verá, causou-me tantos trabalhos, e á sociedade tantos prejuizos. Demais, havendo em geral uma repugnancia não pequena a semelhante viagem, vi-me na necessidade de contratar para o trabalho da navegação pessoas improprias e incapazes d`esse trabalho.



Tendo pois conseguido os vasos, remeiros e generos do paiz que me pareceram mais proprios para ensaiar o commercio, larguei da villa do Porto Imperial no dia 4 de Abril de 1847. Cheguei á villa de Carolina(3) no dia 8 do mesmo mez, onde me demorei tres dias para me refazer de mantimentos que precisava para deixal-os em deposito em São João de Araguaia, a fim de servir na mesma volta do Pará: feito o que larguei da villa de Carolina no dia 12 do mesmo mez.



(Nota explicativa(3). Nesta época(1847), Carolina ainda pertencia a Goiás. Só passou para o Maranhão, em 1854).



Omitto o que observei no rio Tocantins, por ser este rio mui conhecido e navegado.



No dia 3 de Maio de 1847, cheguei á capital da provincia do Grão-Pará(Belem), com feliz viagem, apezar de haver algum prejuizo no carregamento. Logo que saltei á praia, dirigi-me ao Exm. presidente d`aquella provincia, o Sr. Herculano Ferreira Penna(4), entregando-lhe o officio de recommendação que o Exm. presidente da minha provincia lhe havia dirigido.



(Nota explicativa(4). O Presidente do Pará, Dr. Herculano Ferreira Penna enviou um ofício ao navegador Antonio Ladislau Monteiro Baena sobre esta viagem, ao que ele respondeu com um longo estudo sobre a navegabilidade dos rios Tocantins e Araguaia. Estudo este que se encontra também na mesma revista do Instituto, acima mencionada).



Grande foi a satisfação que o Exm. Sr. Herculano manifestou á minha chegada, fazendo-me offerecimento de tudo quanto podia dispor em beneficio da navegação: eu tinha necessidade de mais algumas pessoas e de algumas providencias; de tudo fui soccorrido.



Immediatamente algumas pessoas notaveis da cidade me procuraram para se informarem do objecto de minha empreza, e tudo lhes havendo declarado, significaram os mais ardentes desejos de concorrerem para que se leve a effeito a navegação do rio Araguaia, não devendo aqui deixar em silencio o nome do Dr. João Lourenço Paes de Sousa.



Tendo feito emprego dos capitaes que levára disponiveis, larguei do porto da cidade do Pará(Belem), no dia 19 de Maio de 1847. Sendo muito conhecidas as cachoeiras que se encontram do Pará até São João d`Araguaia(5), e os perigos que ellas offerecem, eu apresentarei em resumo a minha derrota(viagem) n`essa extensão do Tocantins, ajuntando algumas reflexões que me parecem uteis a navegação.



(Nota explicativa(5). Tratava-se de um presidio às margens do Tocantins, na confluência com o Rio Araguaia, guarnecido pelo governo do Pará, no hoje Bico do Papagaio, onde Joaquim Teotônio Segurado tentou fundar a vila de São João das Duas Barras. Como não achou conveniente, optou pela Vila de Palma(hoje Paranã), quase nas nascentes do Rio Tocantins).



À primeira cachoeira denominada Guariba gastei dezoito dias: esta cachoeira passou-se sem risco, mas tive o trabalho de por novo leme em um dos barcos. D`esta cachoeira, ao sahir da cachoeira do Tocumanduba, gastei nove dias, entrando no dia 14 do mez de Junho na grande Itaipava(6) e secco do Conaná. N`esta itaipava, no dia 17, um dos barcos de negocio correu tão grande perigo, que quasi se perdeu totalmente; valeu porem o socorro prestado muito a tempo pela igarité(7) de descarreto, com a qual se pode salvar o barco e a maior parte da carga.



(Nota explicativa(6). Itaipava- corredeira por entre pedras, de difícil navegação).



(Nota explicativa(7). Igarité- pequeno barco que carrega até oitenta alqueires ou duzentas e sessenta arrobas ou ainda tres mil e novecentos quilos. 1(uma) arroba=15 quilos. 1 alqueire=48 quilos. Usava-se este barco para diminuir o peso dos barcos grandes, para que pudessem passar nos lugares rasos).



No dia 22 de junho de 1847 cheguei á grande e perigosissima cachoeira da Itaboca(8), gastando um mez e tres dias da cidade de Belem á essa cachoeira, vindo d`est`arte a gastar doze dias mais do que se as aguas fossem maiores, por isso que deixando de navegar sempre encostado na margem direita, subindo(9), que é por onde há boa navegação, fui obrigado a passar as cachoeiras que se encontram no canal da secca, que é o da esquerda.



(Nota explicativa(8). A cachoeira de Itaboca, no Rio Tocantins, no Pará, está hoje(2005), debaixo das águas da Represa da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará. Depois da passagem de Rufino Segurado por ela, em 1847, construiu-se uma estrada de rodagem às margens do Rio Tocantins, em 1925, de tal maneira que os caminhões pegavam as cargas que vinham nos barcos, no povoado de Jacundá, e percorriam 9 km, nesta estrada até Jacundazinho, onde colocavam novamente em outros barcos que levavam para Belém e vice-versa. Rufino gastou mais de 20 dias para ultrapassar esta cachoeira, porque tinha de descarregar os barcos, puxá-los com cordas e depois carregar. Relembre-se que ele estava subindo o rio. Mas em 1849, no Governo de Eduardo Olimpio Machado, 9º Presidente da Provincia de Goiás, a Cachoeira de Itaboca, que então pertencia a Goiás, ganhou uma Colônia Militar sobre a qual pouco se fala, sob a responsabilidade do Dr. Rufino Teotônio Segurado que tinha retornado de sua viagem pelos Rios Tocantins e Araguaia, nos anos de 1847 e 1848. Esta informação está contida em LUGARES E PESSOAS, do Cônego Trindade).



(Nota explicativa(9). Ele(Rufino) que tinha descido o Rio Tocantins, de Porto Nacional a Belém, estava agora subindo o Tocantins para alcançar o Rio Araguaia, em direção a Goiás Velho(Vila Boa).



Uma febre epidemica com inflammação dos intestinos atacou a tripolação, e essa circumstancia impediu que eu podesse sahir da Itaboca em menos de treze dias.



Chegando a occasião de tratar da cachoeira a mais perigosa da carreira do Pará pelo Tocantins, vejo-me obrigado a não passar em silencio algumas considerações.



Tratando dos meios de diminuir os riscos d`essa cachoeira, em uma memoria dirigida ao soberano sobre a mesma carreira do Pará, lembrou-se meu pai(10) da idéa de fazer-se profundar os canaes que se encontram ao lado esquerdo do canal da Itaboca, para desviarem-se os barcos das grandes quedas que n`elles se acham; tendo-se porem reconhecido a vantagem de levarem-se de salto os barcos debaixo de certas cautelas, posto que com muitissimo risco, e demais vendo eu que aquelle trabalho se torna nimiamente dispendioso, á vista de nossas circumstancias financeiras, julgo mais acertado um outro trabalho, que se reduz a quebrarem-se algumas pedras, as quaes eu passo a indicar.



(Nota explicativa(10). O pai referido era Joaquim Teotônio Segurado que fizera a mesma viagem de Porto Nacional a Belém, em 1810, quando ainda faltavam 10 anos para o Rufino nascer, tentando encontrar o local para fundar a Vila de São João das Duas Barras, o que, de fato não encontrou e sugeriu a Vila de Palma, na hoje Paranã, Tocantins).



A primeira é um alto rochedo que se acha abaixo do grande rebojo do Bacuri: n`este rochedo tem-se muitos barcos feito em pedaços, por isso que perdendo elles a carreira e direcção por causa do rebojo, e indo ao som d`agua, é só por uma grande ventura que não se perdem alli todos os barcos que se arriscam a esse medonho rebojo, cujo diametro não é menos de seis braças(13 metros), tendo uma de profundidade.



A Segunda é uma pedra que está por baixo da pancada da cachoeira grande, encostada a um grande paredão do lado esquerdo: esta pedra impede que se possa levar o barco mais encostado ao paredão, o que dá lugar a muito risco do lado direito, para onde as aguas levam com impeto os barcos com muita força.



Abaixo do salto de José Correa está um montão de grandes pedras, para onde correndo as aguas com indizivel impetuosidade, muitos negociantes de barcos têm achado n`ellas a sua perdição. Só o emprego de muitas forças unidas, sem dependencia de outro algum artificio, é capaz de remover a maior parte dos perigos que ahi se encontram.



Ao sahir do salto denominado Tortinho, atravessando o canal acha-se um grande rochedo igualmente perigoso: o emprego de algumas libras de polvora pode franquear esta passagem.



Tendo exposto em resumo o que julgo de maior perigo a respeito da cachoeira de Itaboca, devo chamar sobre este lugar da carreira do Pará pelo Tocantins a attenção do governo do nosso paiz. Alguns contos de réis serão bastantes para que se evite as perdas que actualmente sofrem os particulares, e com elles a nossa provincia.



Da Itaboca ao Presidio de São João de Araguaia(11) não pude gastar menos de um mez, por isso que em todo o canal do Tauiri(12), que é muito perigoso e demanda muito trabalho, achei-me com a maior parte da tripolação atacada de febres catarrhaes, cujas curas muito se difficultavam em razão da natureza do trabalho, falta de commodidades e conhecimentos profissionaes.



(Nota explicativa(11). O presidio de São João do Araguaia é hoje a cidade do mesmo nome, no Pará, no chamado BICO DO PAPAGAIO, onde se encontram os dois rios: Tocantins e Araguaia).



(Nota explicativa (12) Tauirí- Parte do rio com muita pedra, de difícil passagem. Neste local tinha 12 léguas(72 quilômetros).



Durante este tempo tive de por tres rombos(remendos) nos barcos para poder continuar a viagem; e ao chegar ao presidio de São João de Araguaia, de grande risco salvou-se um dos barcos, ficando o leme em pedaços.



Havendo embarcado noventa e duas sacas de farinha pertencentes á sociedade, e que se achavam reservadas para a minha viagem do Araguaia, no dia 6 de agosto me dispuz para entrar por este rio, para mim desconhecido, tendo d`elle apenas as noções dadas pelo marechal Cunha Mattos em seu ITINERARIO, e trazendo comigo só tres individuos, que eram dois militares que haviam descido por elle com o conde de Castelnau, e um outro; os quaes, alem de muito poucos conhecimentos de navegação, não conservavam de memoria cousa alguma do que tinham visto, e por isso em nada me podiam orientar.



Dia 6 de Agosto de 1847. – A`s onze horas da manhã, deixei as pedras da itaipava de São João de Araguaia, e navegando sem perigo algum cheguei ao pontal da ilha de Cima às duas da tarde, acompanhado do barco de um negociante, que tinha de entrar pelo Tocantins.



Não me é possivel descrever o estado de abatimento em que parecia acharem-se os animos de todas as pessoas que ahi se achavam; na physionomia de uns via-se pintado um profundo pezar, e na de outros uma grande compaixão: as salvas de armas de fogo annunciavam a despedida e tendo descançado duas horas, segui a minha derrota, e naveguei até uma praia fronteira á bocca de um lago.



A falta de correnteza do rio fez-me ver que elle se achava represado, e por consequencia, comparativamente mais secco do que o Tocantins.



Dia 7. A`s cinco e meia da manhã larguei e fiz pouso defronte da ilha dos Mutuns, assim chamada pela grande quantidade d`estas aves que ahi se encontram no braço da direita. A viagem d`este dia foi pequena por se ter demorado em terra um camarada, e não por encontrar obstaculo no rio. A navegação encostada a ponta da ilha é má, porque ahi se acha um baixio de pedras.



Dia 8. N`este dia naveguei em rio de pouca profundidade por offerecer transito facil; comtudo não foi necessario descarregar, e entrando pelo braço da esquerda, cheguei ainda cedo à itaipava de São Bento, ficando à direita a grande ilha do mesmo nome. N`este lugar encontrei grande abundancia de peixes de varias qualidades e alguma caça.



Dia 9. Havia chegado no dia antecedente à itaipava de São Bento; n`este tratei de transportar-me para cima da mesma. O commandante do destacamento de São João de Araguaia havia-me dito não ser possivel vencer este obstaculo, por ser esta itaipava muito falta de agua; não desanimando com essa informação puz-me na espectativa da direcção do trabalho pelo piloto, como era de costume, e este examinando a itaipava, assentou de fazer passar os barcos encostados à terra firme da esquerda, e mandando por os barcos à meia carga, subiu-se sem o menor perigo, falhando d`est`arte o vaticinio d`aquelle commandante. Este facto bem prova que muitos homens temem o que desconhecem. N`este mesmo dia se começou a passar a carga para cima da itaipava na igarité de descarreto.



Dia 10. Continuou-se o descarreto até á noite. N`este lugar conheci que deveria ter trazido mais do que uma igarité de descarreto, por ver que o rio Araguaia é em geral mais raso e espraiado que o Tocantins. O descarreto d`esta itaipava é pessimo, por isso que os bancos de pedra obrigam a levar os igarités ao canal grande, que é muito forte e de pedras escorregadiças.



Dia 11. Carregados os barcos continuou-se a viagem, passando-se por uma ponta forte(13) que se acha na terra firme da esquerda, único lugar transitavel, onde foi indispensavel alliviarem-se todos os barcos, fazendo pouso pouco acima.



(Nota explicativa(13). Ponta forte- lugar de correnteza, com muitas pedras e onde é preciso descarregar os barcos).



Dia 12. Ao meio dia cheguei a itaipava do Carmo, e para passal-a mandei tirar todo o sal dos barcos(14), por ser o genero de maior peso; comtudo isso não foi bastante, e fui obrigado a mandal-o descarregar quasi totalmente. Tendo o rio mais cinco palmos de agua, tanto esta como a itaipava de São Bento deve ser boa passagem, pois entendo que então ellas se passarão à vara, sem ser necessario tirar-se carga dos barcos, e por isso parece-me que os navegantes que entrarem no Araguaia por todo o mez de Junho, havendo chuvas regulares, não encontrarão ahi embaraço algum.



(Nota explicativa(14). Quando vinham de Belém, os barcos carregavam, especialmente sal, que não era facilmente encontrado em Goiás Velho e que, pequena quantidade, pesava muito. Quando iam para Belém, os barcos carregavam peles de animais, inclusive de bois).



Dia 13. Tendo n`este dia concluido a passagem da itaipava, conduziram-se as cargas até o meio dia, sendo o resto d`este empregado no concerto da igarité.



Dia 14. Continuou-se a conduzir a carga até a noite. Note-se que os barcos devem receber a carga em uma ilha grande, que está logo por cima da itaipava.



Dia 15. Despedi quatro indios Apinagés(15), que até ahi fizeram parte da tripolação, e que tendo recebido seus salarios seguiram para as suas aldeas do Tocantins. N`este dia fiz pouso defronte da ponta debaixo da Ilha Grande dos Apinagés.



(Nota explicativa(15). Indios perigosos que viviam no antigo norte de Goiás, entre os rios Tocantins e Araguaia. Conforme Lidia Barroso, no livro OS POVOS INDIGENAS DO TOCANTINS(1999), os Apinagés(Apinayé) estão hoje reduzidos a 7 aldeias, nos municipios de Tocantinópolis, Maurilândia e Cachoeirinha, com 1.014 habitantes, 10 professores bilingues, numa área demarcada de 141.904 hectares. São destas aldeias as crianças índias que estão morrendo de diarréia, conforme os jornais de 2005 e 2006).



Dia 16. Tomei pelo canal da direita da Ilha Grande e de outras, passando por um pequeno travessão de pedras, em que foi necessario descarregar: pousei defronte de um ribeirão, que entra á esquerda. Note-se que o canal da esquerda da ilha não é intransitável, comtudo preferi o da direita, por não dar o rio tão grande volta.



Dia 17. Largando ás seis horas da manhã, ás dez passei pelo porto dos Apinagés do Araguaya, e cheguei ao meio dia ao lugar que denominei- Ponta dos Campos-, e ahi permaneci até ás doze horas do dia seguinte, por me haver faltado um camarada, que sahindo á caça perdeu a altura em que estavam as canoas.



Dia 18. Partindo aquella hora, naveguei até ás seis da tarde, chegando á ilha que denominei dos Tres Fugidos, porque n`esse lugar se evadiram tres camaradas, levando comsigo a montaria(16) de caçar, tres remos, tres armas da nação e outros objetos de menos valor; vindo d`este lugar para cima a haver falta de nove pessoas, que deviam compor a tripolação, notando-se entre estas a do caçador, que substituia um dos pilotos, o qual tinha falecido; acontecendo que achei-me com falta de dois objectos tão essenciaes na navegação actual, a saber, o caçador e a montaria de caçar.



(Nota explicativa(16). Montaria era uma pequena canoa, de uma só madeira, aberta com fogo, usada para pequenas cargas de até 600 quilos, inclusive caçadas e pescarias).



Dia 19. Fiz pequena viagem, e nada occorreu de notavel. N`este dia a consternação foi geral ao vermo-nos sem a montaria e com falta de tres camaradas, entre estes notei que alguns conceberam esperanças de que eu, em vista de tal acontecimento, não duvidaria desistir da viagem pelo Araguaya, e retroceder: para desvial-os de semelhantes pensamentos, eu asseverei com toda a firmeza e em alta voz- que em quanto me restasse uma canoa e quatro camaradas eu não desistiria da viagem.



Dia 20. Sahindo ás cinco horas da manhã naveguei até á uma hora da tarde, e não continuei a viagem n’este dia por ter deixado a igarité em diligencia de alguma caça. Havia grande quantidade de peixes, especialmente de pirarucús, em um lago que fica em uma praia ao lado esquerdo. Já n’este lugar senti a falta que me fazia a montaria.



Dia 21. Passei o travessão do Jacaré com muito trabalho, por se querer passar encostado á terra firme da direita, não dando esse canal franca passagem, senão quando o rio tem maior quantidade de agua; alias, a passagem deve ser pelo canal grande do mesmo lado.



Dia 22. Cheguei ao meio dia á entrada da Cachoeira Grande, a qual é a maior que existe no Araguaya: ella terá duas leguas e meia de extensão, e em toda esta extensão o rio corre por entre rochedos, que quasi em toda ella, com pequenas excepções, formam um canal muito estreito e muito arrebatado. Chegando pois á entrada d’esta cachoeira, reconheci que a navegação pelo lado direito era muito dificil e perigosa, e por essa razão fiz travessia para o lado esquerdo: toda a tarde se passou transportando-se a maior parte das cargas e os barcos para cima de uma forte corredeira.



Dia 23. Carregaram-se os barcos, e naveguei á vara(17) encontrando o rio com grande correnteza. Fiz pouso abaixo da primeira pancada forte.



(Nota explicativa(17). Navegar à vara significa empurrar o barco com a vara e não apenas remar com os remos normais).



Dia 24. Descarregaram-se e puxaram-se os barcos, havendo sempre o cuidado de prendel-os com uma pequena sirga(18), além do cabo ou corda grande, para o fim de abrigal-os para terra, visto que sem essa cautela poderiam correr grandes riscos.



(Nota explicativa(18). Sirga- corda reforçada que serve para puxar as embarcações).



Dia 25. Tendo-se feito pouso no dia antecedente acima da primeira pancada grande, n’este seguiu-se á meia carga, andando-se pouco n’esse dia por ser a outra parte da carga conduzida na igarité.



Dia 26. Todo este dia se passou em fazer transportar os barcos e cargas para cima de uma ponta mui forte, abaixo da qual se havia pousado.



Dia 27. Por ser o canal muito arrebatado e forte não se pôde subir senão á corda(19), navegando-se assim até ao meio dia, e vindo-se a descansar em uma ponta forte, onde se descarregou.



(Nota explicativa(19). Os barcos eram puxados com cordas muito fortes. A vantagem das cordas é que elas eram leves, enquanto os cabos-de-aço eram muito pesados).



Dia 28. Carregados os barcos com pouco trabalho encostei no lugar do descarreto do Salto Grande. Toda a viagem, desde o dia 25, fiz por um canal parallelo a outro que fica á direita, tendo este pouca agua em baixo, por despejar no da esquerda por muitas boccas ou pequenos canaes, que são outros tantos saltos; por um d’estes saltos deve se fazer a passagem para o canal da direita: o que achei melhor é aquelle mesmo por onde passei, que é o terceiro contado de cima para baixo, o qual não obstante ser mais estreito, offerece todavia melhor passagem, por isso que sendo mais extenso tem uma queda mais suave. Observe-se que tendo-se passado o salto, deve-se atravessar os barcos para o lado direito do canal, afim de se evitar a força das aguas dos diversos canaes que despejam para o lado esquerdo.



Dia 29. N’este dia somente se pôde conduzir as cargas para cima do Salto Grande.



Dia 30. Calafetaram-se alguma pequenas fendas das canoas, e pousei acima de uma ponta forte, em que descarreguei. O rio n’este lugar é muito estreito e corre por entre rochedos muito altos, o que difficulta o puxar-se os barcos á corda, único meio de conduzil-os, em consequencia da grande correnteza e muitos rebôjos(20) que se encontram, com muito perigo dos barcos.



(Nota explicativa(20). Rebojos eram redemoinhos de água que levavam tudo e todos para o fundo do rio).



Dia 31. Continuou-se a descarregar e puxar a carga por causa de muitas pontas fortes.



Dias 1º até 9 de Setembro de 1847 inclusive. Foi continuação dos trabalhos do dia 31 do mez antecedente, encontrando-se entretanto um descarreto de meia legua(3 km) por terra; quatro noites dormi na ilha de Ubá Velha(21), primeiro que as cargas podessem ahi chegar.



(Nota explicativa(21). Nome dado a esta ilha, onde existiam várias ubás abandonadas pelos indios. Eram canoas estreitas de uma única madeira).





Dias 10 a 12 inclusive. N’estes tres dias foi preciso fazer descarreto por terra e por agua, em razão de alguns braços do rio que entram pelo lado esquerdo. A sahida da Cachoeira Grande pelo lado direito offerece melhor navegação do que pelo lado esquerdo, por isso que este é mais secco e mais forte: advirto porem que a travessia pelo lado direito deve ser feita com muita cautela, e antes de approximar muito ao salto.



N. B. Tendo o rio mais cinco palmos de agua, é provavel que n’esta cachoeira os barcos de mil arrobas(quinze mil quilos) não gastem mais de oito a dez dias; por quanto tendo o canal apenas uma oitava parte da largura ordinaria do rio, elle se achará então com dez ou doze palmos mais de fundo, e por consequencia não será necessario ir ao canal grande; tanto mais que ao lado esquerdo d’este achei canaes por onde havia bem poucos dias nos mostrava ter corrido agua sufficiente para sustentar uma montaria.



Além d’isto, estabelecendo uma comparação entre a Cachoeira Grande e o Tauiri, com o qual muito se parece, vemos que se no Tauiri, na secca gasta-se doze ou quinze dias, e com agua se passa em quatro ou cinco, na Cachoeira Grande, onde gastei vinte e dois na secca, não se gastará mais do que sete ou oito havendo aguas.



O que acabo de dizer é a respeito da subida; quanto porem á descida, devo notar que o canal grande deve ser perigosissimo pelos rebôjos que então terá, formados pela opposição que os enormes rochedos devem fazer ás aguas; e os canaes do Saranzal(22) serão tambem mui perigosos por causa das grandes pedreiras que a cada passo obstruem os mesmos canaes.



(Nota explicativa(22). Saranzal- parte do rio cheia de mato, misturando com as águas e que dificultava a navegação).



Em summa na descida nada de entrar sem examinar mui escrupulosamente a cachoeira desde a entrada até a sahida. N’esta cachoeira há grande abundancia de caças e peixes: mas devo notar que por causa das qualidades das pedras da Cachoeira Grande e de quasi todo o rio Araguaya, e da grande quantidade de piranhas, é mister uma boa provisão de anzóes e linha. No dia 12 sahi da cachoeira e pousei na margem direita, avistando as pedreiras e praias dos Martyrios.



Dia 13. Falhei para concertar um dos barcos e tirar varas: houve aqui muita caça, como veados, pacas, mutuns, etc: viram-se no mato picadas antigas e alguns velhos ouriços de castanhas, o que faz acreditar na existencia de castanheiros, onde vão ter alguns gentios.



Dia 14. Passei os Martyrios(23) e pousei na entrada da Carreira Comprida. Antes de fallar da minha passagem por esta cachoeira, direi alguma cousa sobre este lugar que tem dado causa a alguns contos fabulosos.



(Nota explicativa(23). A cachoeira dos Martyrios é o lugar onde o Rio Araguaia passa apertado entre duas serras e tem sido motivo de muitas viagens, estudos e livros, por se afirmar que existem esculturas feitas por povos antigos. Veja-se EXPEDIÇÃO CIENTIFICA AOS MARTYRIOS, de Manoel Rodrigues Ferreira. Pela Lei 5.982, de 25.7.1996, foi transformada em Área de Preservação Ambiental, com o nome de Parque Estadual da Serra dos Martyrios, no Pará, no Municipio de São Geraldo do Araguaia, ficando do outro lado do rio, o Municipio de Xambioá, no Tocantins, onde também se deu a famosa “Guerrilha do Araguaia”).



Tendo lembrança do que escreveu em seu ITINERARIO o marechal Cunha Mattos ácerca dos Martyrios, desembarquei n’este sitio e observei tudo quanto alli existe. Nenhum trabalho de escultura encontrei n’esse lugar, não duvidando todavia que elle exista em algum ponto mais retirado ou oculto.



O que observei é obra da natureza, em que a arte nada tem alterado; e como os rochedos não se parecem com quantos tenho visto, quer no Tocantins, quer em toda extensão do Araguaya que naveguei, julgo acertado dar uma idéa d’elles.



O rio n’este lugar é consideravelmente estreito, bem como na Cachoeira Grande, porem corre lentamente por entre duas pedreiras, mais ou menos escarpadas, que terão altura de trinta a quarenta palmos pouco mais ou menos. Ao entrar pela embocadura d’este canal, parece que se está no extremo de uma rua de mais de trezentas braças.



Apezar de ser esta pedreira muito solida, comtudo apresenta muitas cavidades de formas variadas e irregulares, que parece serem formadas pelas aguas nas occasiões que o rio enche. A parte superior d’elles representa ao longe diversas formas, umas semelhantes a uma pequena ermida, outras a uma guarida, etc. Approximando-se porem mais perto, desapparece a illusão, e não se vê outra cousa mais do que rochedos informes. Talvez que algum navegante por aquella illusão tenha referido a existencia de obras de escultura n’estes lugares, não observando com a individuação que merece um facto semelhante.



Ao sahir d’este canal se encontra grande quantidade de pedras, de que nossos lavradores se servem para fazer fornos de torrar farinha.



Dia 15. Descarreguei á esquerda no travessão da entrada da Carreira Comprida, e passei os barcos á direita.



Dia 16. Trabalhou-se no travessão passando a carga para cima, e pousei na ilha formada pelos dois principaes canaes. Subi pelo canal da esquerda; porem o melhor é o da direita. Á esquerda entra um grande ribeirão.



Dia 17. Até o meio dia se trabalhou em puxar os barcos á sirga, independente de descarregal-os, e por este modo foram conduzidos até á pancada grande, onde se descarregaram.



Dia 18. Puxaram-se as canoas, carregaram-se em parte e foram receber o resto da carga no Poção. Em toda a cachoeira denominada Carreira Comprida a melhor passagem é pela maneira seguinte: entrar pelo lado esquerdo, atravessar antes de chegar ao canal forte, e entrar pelo pequeno canal da direita, aonde se acham duas pontas, em que será necessario descarregar.



Dia 19. Carregaram-se as canoas no Poção e descansei por cima da volta, que bem se pode chamar do Cotovello: pondo-me de viagem ás quatro horas e meia da tarde, uma inesperada perspectiva, alias scena, se apresenta aos nossos olhos: objectos como creaturas humanas parecem ao longo andar e correr em uma grande praia, na qual vinhamos com esperanças de achar uma grande quantidade de ovos de tartaruga: as vistas fitaram-se na praia, e em poucos momentos viemos a conhecer que um grande número de indios pareciam agitados com a presença de barcos desconhecidos n’aquelle rio.



Eu então tornei-me o objecto de uma tacita consulta, voltando para mim os camaradas os olhos, como que me interrogando o que fariamos. O medo pareceu-me ter grande parte n’esta consulta, mas eu sem dissimular disse que não tivessem medo, que além dos cartuxos que estavam distribuidos havia de haver munição, com que se podesse facilmente fazer um fogo que produzisse bom resultado.



Mandei então dois camaradas aprompar as armas, preparei buchas, puz á mão uma boa quantidade de polvora e chumbo, e apresentei-me com resolução em cima da tolda, entretanto que o piloto dirigia o meu barco para o lado opposto áquele em que estavam os indios, tendo-lhe eu ordenado que esperasse os outros barcos logo que fronteasse o ponto de que podiamos receiar algum ataque.



Antes porem de chegar a esse lugar os indios salvaram os botes com duas salvas de armas de fogo. Eu respondi ás salvas, e entendendo que nada devia receiar, assentei que me não era necessario esperar pelos outros barcos, e logo que se fallou ouviu-se as palavras: - Adeus camarada- replicando-se- As canoas encostam lá? Responderam-sim, aqui está bom, tem bom fundo.



Então mandei fazer travessia, e aportando no lugar onde se achavam os indios, procurei o capitão José, cacique dos Carajás da aldea de baixo: apresentando-se este, eu disse-lhe que embarcasse; então elle desarmado, e com uma confiança que me fez admirar, dirigiu-se para o meu barco, subiu á proa, e veio ter á porta da tolda da popa.



Ahi eu recebi-o entre os meus braços, e tratei de obsequial-o com ferramentas, missangas(enfeites), fumos e muitas outras cousas. Elle de sua parte pagou-me com seus carás, bananas, ananazes, etc. e fitando os olhos em minha mulher(24), perguntou se ella era minha mulher, e respondendo eu affirmativamente mostrou muito satisfação, e disse que na praia estava a mulher de um seu filho, a qual immediatamente elle fez embarcar para fazer os cumprimentos á sua nova hospede.



(Nota explicativa(24). A esposa de Rufino Teotônio Segurado se chamava Mariana Francisca de Azevedo e era sobrinha do primeiro Bispo de Goiás, o Bispo cego Dom Francisco Ferreira de Azevedo que tinha sido pregador régio e confessor da Família Real, no Rio de Janeiro, ao tempo de Dom João VI e Dom Pedro I. O Bispo nasceu em Salvador, Bahia, em 15.01.1766 e morreu em Goiás Velho, no dia 12.8.1854. Tinha ficado cego, com 56 anos de idade, em 1821).



Em summa, deixando de referir muitas circumstancias, que provam a boa disposição d’estes indios para comnosco, basta dizer que a gente da minha comitiva passou demasiadamente farta esta noite, em que houve dansas de parte a parte, e que os mesmos indios não duvidaram dansar promiscuamente com os christãos.



O capitão José falla alguma cousa a nossa lingua, e disse que queria um padre para sua aldea, assim como ferreiro, carapina, etc. e que se queria baptizar: eu disse-lhe que tudo se havia de fazer, estando elle sempre em paz comnosco. Tal foi o primeiro encontro que tive com os indios Carajás(25), que tão temiveis parecem aos habitantes da provincia de Goyaz.



(Nota explicativa(25). Conforme Lidia Barroso, no livro OS POVOS INDIGENAS DO TOCANTINS(1999), os Carajás(Karajá) estão hoje reduzidos a 8 aldeias, na Ilha do Bananal, com uma população de 1.600 habitantes, 25 professores bilingues, ao que parece, sem área demarcada).



Devo notar que desde então me esforcei por encobrir que tinha d’elles o menor receio, pois que elles em todas as suas acções mostravam ter em nós uma illimitada confiança. O cacique mostrava ter grande satisfação, e mesmo animava a que cada christão tivesse seu camarada indio, e os indios acompanhavam tanto o desejo de seu chefe que cada um queria parecer mais obsequioso a seu amigo.



Eu devo mais notar que estes indios não se achavam em sua aldea, mas desciam em numero de trinta e oito para as aldeas dos Apinagés, em companhia de um Apinagé que tinha vindo resgatar um irmão que havia muitos annos estava prisioneiro entre os Carajás.



Dia 20. O capitão José, desistindo da viagem em que ia, embarcou-se comigo e mais quatro indios para voltar para a sua aldea, confiando a seu filho Erirê a direcção e governo das tres ubás, que desciam em companhia da do Apinagé.



Os indios despedindo-se largaram para baixo, e não deixou de ser algum tanto interessante a scena que se nos apresentou: com uma velocidade immensa seguiram as quatro ubás carregadas de gente, que, ao mesmo tempo que com muita destreza manejavam os remos, faziam ouvir o som monotono de suas cantorias, servindo de compasso as pancadas dos remos nas canoas.



Entretanto puz-me de viagem, e ao meio dia descarregou-se á direita no travessão do meio, tendo-se feito travessia por baixo. Os indios prestaram-se voluntariamente, e juntamente com os camaradas carregaram as cargas, e puxaram os barcos para cima do travessão.



Dia 21. Voltaram os indios que desciam por falta de mantimento, por nos haveram dado na occasião do nosso encontro quasi todo o que levavam. Descarregaram-se os barcos para passar o secco da entrada da cachoeira de São Miguel(26), e aqui tive auxílio dos indios, que ajudaram a conduzir as cargas em suas ubás, dormindo em minha companhia na entrada do estreito canal do meio, que é a melhor passagem na secca.



(Nota explicativa(26). A cachoeira de São Miguel também fica na região de Xambioá, no Estado do Tocantins).



Dia 22. Todo este dia trabalhou-se puxando as canoas á sirga: ainda na noite d’este dia dormiram os indios em minha companhia.



Dia 23. Descarreguei antes de chegar á Pancada Grande. A navegação d’este dia se fez encostando as canoas ao lado esquerdo, mas seguindo sempre pelo canal grande.



Dia 24. Navegando sempre á sirga, cheguei ainda cedo á Pancada Grande.



Dia 25. Passou-se a carga para cima de duas pancadas, podendo-se apenas conseguir passar as barcas á primeira pancada.



Dia 26. Carregou-se a carga em montarias e nas ubás dos Carajás, que m’as cederam para esse fim, pousando acima da cachoeira com os barcos carregados. Em todos estes dias estiveram os indios em minha companhia, e muito me ajudaram em todo o serviço da navegação, no que são mui habeis. Eu brindei-os n’esta occasião com trinta e tres peças de ferramenta de roça, facões, fumo, missangas, etc.



Então vi o quanto são exageradas as ideas que ordinariamente temos da obediencia dos indios a seus chefes, pois que a partilha das ferramentas não pôde ter lugar, lançando cada um, que foi mais destro, mão em duas e mesmo em tres peças de ferramenta, o que me fez receiar alguma scena bem triste entre elles, conservando-se entretanto o chefe em perfeita inacção, depois de ter procurado obstar semelhante acontecimento.



N’este lugar se despediram os indios promettendo ir pescar para negociarem comigo.



Dia 27. Sahi da cachoeira de São Miguel, e encontrei-me com o Carô, principal chefe de todas as aldeas dos Chambioás(27), ramo dos Carajás, e pai do capitão José. O Carô, distinguindo-se dos outros que remavam a ubá apenas por um chapéo de palha velho, e umas calças que trazia aos hombros, mandou salvar com dois tiros de arma de fogo, em signal de cortejo, e approximando-se mandou atracar ao meu barco, para onde se passou com toda a confiança, mostrando muita satisfação pelo encontro.



(Nota explicativa(27). Conforme Lidia Barroso, no livro OS POVOS INDIGENAS DO TOCANTINS(1999), os Chambioás(Xambioá) foram perdendo o uso da lingua Karajá e estão hoje reduzidos a 2 aldeias, nas regiões de Santa Fé e Xambioá, com uma população de 182 habitantes, com 4 professores bilingues, numa área demarcada de 3.537 hectares).





Eu fiz-lhe as mesmas honras que tinha feito ao capitão José, mas observei que a ubá d’este indio vinha carregada de armas e informando-me de semelhante circumstancia, soube que elle havia descido por aviso que teve do capitão José, que lhe havia mandado dizer que subiam tres barcos grandes carregados de christãos todos armados.



Logo no primeiro encontro que tive com este indio conheci que elle não ignorava totalmente os nossos costumes, e que conhecia bem de perto algumas cousas dos nossos usos. Vendo tirar um pouco de assucar de uma lata, disse logo o que era, mas devo notar que como quem se arrependeu disse que era sal. Estes e alguns outros factos semelhantes, pelos quaes ao mesmo tempo elle mostrava conhecer bem os nossos costumes, e procurava dissimular esse conhecimento. Estes factos digo, me fizeram crer que elle é, segundo se diz, um desertor do Pará.



Entre outras muitas perguntas que me fez, quis saber como se chamava o general de Goyaz e do Pará, e se no Pará havia guerra. Este indio terá de sessenta a setenta annos de idade. N’este mesmo dia cheguei ao lugar em que a gente do capitão José me esperava com grande quantidade de peixes.



O capitão José seguiu com todas as suas ubás, ficando comigo o capitão Carô. Depois do meio dia, trabalhou-se na extensa itaipava dos Carajás, que ao principio é de boa navegação, porem depois torna-se muito trabalhosa por ser muito falta d’agua. Pousei em uma das ilhas, que se acha no meio da itaipava.



Dia 28. Trabalhou-se ainda na itaipava, e pousei em uma praia, em que o rio não é pedregoso. D’este dia em diante o Carô me fez companhia até chegar á sua aldea.



Dia 29. Encontrei o rio sem obstaculo algum, e pousei junto á Ilha Grande dos Carajás. D’este ponto para cima não se encontra mais a palmeira chamada Indaiá, e só da ilha que chamei São José para cima é que me disseram os indios haver com abundancia. E por essa razão os navegantes que houverem de concertar as cobertas dos seus barcos, devem fazel-o n’esta ilha ou nas suas vizinhanças.



Dia 30. Continua ainda o rio sem obstaculo, e navegando todo este dia pousei abaixo da outra itaipava dos Carajás.



N. B. Desejando eu saber quaes as disposições d’estes indios sobre estabelecimentos nossos nas vizinhanças de suas aldeas, perguntei ao Carô se queria estabelecer-se nas proximidades do Araguaya por aquellas paragens, respondeu-me que sim, que isso era muito bom. Então eu lhe disse que trariam bois, cavallos, etc. Respondeu que estava bom. Disse-lhe mais que havia de vir um missionario, respondeu a mesma cousa.



Estando porem, por algum tempo, como quem pensava profundamente, levantou de repente a cabeça e disse: Presidio não. Entendendo eu que elle me interrogava, respondi: Presidio tambem. Então elle com vivacidade e voz forte me disse: Presidio não, não quero. Eu repliquei: Presidio não? Elle respondeu: Não quero. Padre não, turi(christão) não, boi não, cavallo não.



É facil ver porque esta repentiva mudança, que se nota nos pensamentos d’este indio, que elle se não tem esquecido das crueldades contra elles praticadas por um imprudente commandante(28) do extincto destacamento de Santa Maria, e que não será facil o estabelecimento de presidio na vizinhança d’essas aldeas.



(Nota explicativa(28). Refere-se ao comandante do Presidio de Santa Maria, em Couto Velho ou Couto de Magalhães, no antigo norte de Goiás(hoje Tocantins), fundado em 1812, Tenente Francisco Xavier de Barros que, diante do ataque dos indios, fugiu junto com 38 pessoas, quase todas afogadas nas aguas do Rio Araguaia. Sobre o assunto José Martins Pereira de Alencastre, em seu livro ANAIS DA PROVINCIA DE GOIÁS(1863), fez uma descrição notável. Também ele tinha sido o 16º Presidente da Provincia de Goiás de 22.04.1861 a 26.06.1862. A ele coube também restaurar o Presidio de Santa Maria, na hoje Araguacema, Tocantins, em 1861. Modernamente, Couto Magalhães sofreu tanto com a enchente de 1980, do Rio Araguaia, que teve de ser transferida para o distrito de Cruzaltina, fora das margens do rio).



Quanto ás relações que pode haver na descida e subida de barcos, mostrou elle muita satisfação em todas as occasiões que se fallou a respeito. Pedindo-me com muita instancia que fallasse ao general de Goyaz para lhe enviar farda, ferramentas, espingardas, baetas, etc. e que eu tomasse lembrança d’isso nos meus apontamentos da viagem.



Asseverando que os barcos na descida e subida achariam grande abundancia de todos os seus generos de roça.



Dia 1º de Outubro de 1847. Entrei na itaipava, que é muito secca no principio, e seus canaes muito tortos. Ao meio dia encontrei seis ubás muito carregadas de mandiocas mansas e bravas, carás, batatas, bananas, ananaxes optimos, favas, canna e muitos outros generos, como redes, fio de algodão, cera, etc, enviado pelo capitão José. Aportei cedo em consequencia de se ter arrombado um dos barcos.



Dia 2. Larguei tarde, e puxando-se os barcos á sirga pelo canal da esquerda, pousei, antes de sahir da itaipava, na margem direita.



Dia 3. Tendo feito travessia para a margem esquerda, sahi da itaipava, e pousei á vista d’ella em umas ilhas. N’este dia veio ao meu encontro o capitão José com o seu enteado Joanabedô, trazendo muitos generos de roça. A satisfação d’elles pareceu completa, e o mesmo Joanabedô. Naturalmente mal encarado, e que a principio esteve muito fechado, tornou-se alegre e jovial á vista de ferramentas que lhe dei.



Enfim, todos elles não cessavam de repetir a cada momento- capitão(assim me tratavam) muito bom camarada, muito bom. Capitão Carajá manso, amigo muito, Carajá bom muito, Carajá tudo sua, - e outras muitas expressões, que me faziam ver que elles nos queriam certificar de que nada deviamos receias da sua parte.



Dia 4. Com auxilio de uma ubá dos indios, ás dez horas do dia, matou-se um veado que atravessava o rio. O capitão Carô mandou-se entregar o veado, dizendo que a minha gente era muita, e que era obrigada a fazer muita força em consequencia do peso dos barcos. O capitão José tornou a adiantar-se. Ás seis horas aportei em uma ilhota de pedra e area defronte da aldea.



O capitão José salvou-me com tres salvas de armas de fogo, e a seu pedido sahi a terra com minha mulher, acompanhados tão somente de tres camaradas. Pondo o pé em terra, fomos rodeados de immensa multidão de homens, mulheres e meninos, circumstancia esta que me fez ver que suas palavras eram sinceras.



Todavia não deixava de causar grande terror,(o qual eu muito me esforçava por encobrir) o ver-me d’est’arte entregue á discripção de semelhante gente, da qual muitos tinham os corpos tintos de encarnado ou de preto ou de uma e outra cor juntamente, apresentando pinturas mui variadas, como quadros, circulos, meio circulos, xadrez, listas que figuravam algumas roupas nossas, como collete, camisa, etc, accrescendo a isto seus grandes cabellos, as armas de que muitos não largaram, e as altas vozerias e amiudadas risadas com que applaudiam ou escarneciam as nossas acções e palavras.



O capitão José dirigiu-nos á sua cabana, onde assentados em uma grande esteira se achavam, para nos fazer a honra da hospedagem, algumas pessoas da familia do capitão, preparadas em grande gala, tendo borlas no cabello, e outras cahidas até os peitos, algumas nas pernas, brincos de pennas variadas nas orelhas, pedaços de louça e muita missanga no pescoço, etc, sem comtudo haver entre elles vestuario algum, excepto uma especie de tanga, de que se servem as mulheres.



Fui muito obsequiado pelo capitão José, seus parentes e alguns mais. Muito sentiram porem que não houvesse em grande quantidade para receberem, a troco de seus generos, facas, tesouras, navalhas, ferros de carpinteiros, pentes, anzóes, arpões, espelhos e outras muitas miudezas, que muito apreciam.



Achando-se n’esta um desertor da companhia de pedestres de Goyaz, e querendo subir comigo, facilmente o consiguiu, custando porem o seu resgate dois machados. Estes indios nas aguas têm seus domicilios na terra firme do lado esquerdo, e na secca nas praias, onde fabricam suas cabanas, que são de uma construção muito fragil. O número d’estes na aldea do capitão José excede a duzentos e cincoenta, e os guerreiros que appareceram, pouco excederão a duzentos.



Dia 5. Partindo ás oito horas do dia, pousei defronte da barra do ribeirão dos Gradaús. Esta nação, segundo me disse o capitão Carô, tem suas aldeas distantes do Araguaya para o occidente tres dias de viagem, em umas grandes mattas. Estes indios são temiveis para os Carajás, e por essa razão pouco frequentam a margem esquerda do Araguaya.



Dia 6. Naveguei com algum incommodo, por ser aqui o rio falto de agua, e pousei avistando um grande travessão de pedra.



Dia 7. Cheguei cedo ao travessão de São Marcos, descarregou-se todo o sal, passaram-se os barcos para cima, e dormi na ilha que existe proxima. Havendo mais aguas, o canal encostado a terra firme do lado esquerdo deve offerecer melhor passagem.



Dia 8. Ao meio dia cheguei á aldea do meio ou Tauámerim. Esta aldea contem setenta cabanas, e está abaixo do governo immediato do capitão Carô. Acham-se aqui em grande abundancia os mais deliciosos ananazes, e os indios d’esta aldea applicam-se muito ao fabrico de redes. Tendo brindado os indios, e partindo ás duas, fiz pequena viagem por achar o rio com pouco fundo, e ser necessario descarregar um dos barcos.



Dia 9. N’este dia fiz mui pequena viagem por encontrar um travessão, em que me foi preciso descarregar em uma praia, e pousei na ilha das Pombas.



N. B. O Araguaya n’estas paragens é muito largo, e por isso muito falto de aguas para offerecer franca passagem aos barcos de negocio. O canal por onde passei é o da esquerda, todavia não duvido que exista um canal encostado á terra firme do lado direito.



Dia 10. Viajei pouco, por ser necessario descarregar um dos barcos por falta de aguas e pousei acima do travessão de São Luiz.



Dia 11. Foi necessario descarregar um dos barcos por falta de agua, e descansei ao meio dia quasi defronte de um campo, que na margem esquerda chega ao barranco do rio. A vista de um campo havia tanto tempo almejada não deixou de produzir alguns effeitos, pois que com ella reviveram esperanças que estavam quasi extinctas na mente da grande parte da gente da tripolação, e d’ahi em diante já se ouviam conversações sobre a chegada e nova viagem para o Pará.



Ás cinco horas da tarde cheguei á aldea denominada Tauá-Grande, na qual o capitão Carô tem a sua residencia. Esta aldea conterá umas duzentas e oitenta cabanas, e trezentos guerreiros mais ou menos. Eu brindei os indios da melhor maneira que me pareceu, esforçando-me por destruir a má satisfação que mostrava o capitão Carô por ter sido a aldea do capitão José muito bem aquinhoada de brindes. Achei portanto acertado deixar n’esta aldea maior numero de ferramentas do que a principio tinha tenção de dar.



Por desconfiar da sinceridade do Carô, tratei-o seccamente. Elle percebeu a minha má satisfação, e mostrou-se sentido. Mas com o offerecimento de mais ferramentas tornou-se ás boas.



Os indios d’esta aldea pareceram-me desconfiados, e menos fartos por não terem talvez tantas ferramentas como os da aldea do capitão José, que há tempos as podem obter por via dos indios Apinagés.



Dia 12. Vim pousar no travessão do Pilão, cujo canal offerece melhor passagem do lado esquerdo, por ter puxador muito direito, apezar de muito alto. Alguns indios com suas mulheres, que passavam para suas roças, mostravam-se receiosos de vir em pequeno numero ao lugar em que eu estava. Animando-se porem, a exemplo de um primeiro, ao qual fiz muitos agrados, não duvidaram vir receber a parte que lhes tocava, e em poucos momentos toda a pedreira ficou coberta de indios.



Dia 13. Passaram-se as cargas e os barcos para cima do travessão. Tres indios ajudaram no trabalho da cachoeira e voltaram mui satisfeitos com a recompensa que tiveram.



Dia 14. Ao meio dia aportei em uma ilha para concertar a igarité de descarreto. Durante o tempo necessario para esse fim tive occasião de observar que os indios d’essa ultima aldea tinham-se convencido de que não era nossa tenção fazer-lhes mal algum, pois que apresentando-se ahi em muito maior numero, e com mui poucas armas e sem cautela alguma, com suas mulheres e crianças espalharam-se por entre a tripolação, onde alguns se entregaram a um profundo somno e deram mostras de estarem saudosos com a nossa partida. N’este dia pousei no travessão da Chuva de Manga.



Dia 15. Descarregaram-se e puxaram-se os barcos sem muito trabalho. Doze indios desarmados apresentaram-se para ajudar-me a passar este travesão. Como porem eu não julgasse necessario, não se mostraram muito satisfeitos, mas não foi porque deixassem de trabalhar, porem sim porque viram frustradas suas esperanças de levar cada um sua ferramenta. Pousei em uma praia que denominei Santa Thereza.



Dia 16. Cheguei ao meio dia ao travessão do Páo d’Arco(29). Descarregaram-se os barcos, e fiz pouso com as canoas carregadas por cima. N’este travessão passou para cima o capitão Carô, para o fim de tirar buriti na cachoeira de Santa Maria.



(Nota explicativa(29). Pau d’Arco é hoje uma pequena cidade, entre Garimpinho e Conceição do Araguaia, no Pará).



Dia 17. Passei um travessão fundo, e fiz pouso por baixo do travessão do Joncam.



Dia 18. Descarregaram-se os barcos nas pedras á direita, e passaram-se em um dos canaes do lado esquerdo. Descansei logo acima na margem direita, em um lugar em que o mato é muito estreito, e o campo offerece uma agradavel distracção. Naveguei a tarde em rio bom e pousei em uma bella praia.



Dia 19. A navegação d’este dia foi variada, pois que encontrou-se pedras, baixios, poços, etc. Pousei em uma pequena praia no meio do rio.



Dia 20. Avistou-se á direita uma linda serra, e duas ilhas que chamarei de São José pela semelhança que tem com uma do Tocantins que traz o mesmo nome. Consta-me haver n’ellas grande quantidade de indaiá(30). Fiz pouso na entrada do canal do lado esquerdo. Na margem d’esse mesmo lado entram tres ribeirões, e há um morro coberto de capim.



(Nota explicativa(30). Indaiá- Palmeira de fruto comestível).



Dia 21. Naveguei sem novidade todo o dia, e fiz pouso em outras ilhas grandes. O canal do lado esquerdo é muito falto d’aguas, porem o da direita é intransitável. Estando de pouso ás oito horas da noite, chegou de cima o capitão Carô. Mostrou-se muito agastado contra os indios Chavantes(31) que, segundo elle dizia, lhe haviam armado emboscadas e, queixando-se que trazia muita fome, mandei-lhe dar que comer, com o que ficou muito satisfeito.



(Nota explicativa(31). Embora os Chavantes(Xavantes) não sejam estudados por Lidia Barroso, em seu livro OS POVOS INDIGENAS DO TOCANTINS(1999), eles viviam nas margens do Rio Araguaia, sempre do lado do Pará, nas regiões de Santa Isabel e São Felix do Araguaia).



Instou para que lhe desse uma sacca de sal, a qual com effeito dei, e algumas miudezas mais. E assim despediu-se muito contente e satisfeito, dizendo que ficava esperando nas aguas as canoas grandes, que lhe haviam de conduzir espingardas, baetas, ferramentas e fardas que o general lhe havia de mandar.



Dia 22. Passei um secco e travessão fundo, e passei por baixo do travessão das Tres Portas(32), defronte do aprazivel lugar em que esteve collocado o presidio de Santa Maria(33), avistando a campina e linda pequena serra que se vê ao nascente.



(Nota explicativa(32). Travessão das Tres Portas é hoje Conceição do Araguaia, no Pará. Em seu roteiro, Rufino não menciona Conceição porque estava passando na região em 1847 e o povoado de Conceição só passou a existir a partir de 14.04.1897, fundado por Frei Gil Vila Nova, após sugestão do naturalista francês Henri Coudreau e, nesta época, Conceição pertencia ao Estado de Goiás. Do outro lado do rio, chegou a existir um povoado chamado Porto Franco, que hoje(2005) se chama Couto Velho).



(Nota explicativa(33). O Presidio de Santa Maria foi instalado primeiro na hoje Couto Velho, antigo norte de Goiás(hoje Tocantins) em 1812, por ordem do Principe Regente Dom João VI. O presidio de Santa Maria foi fundado entre a atual Aruanã(Leopoldina) e a atual Marabá(outrora São João das Duas Barras), já que a distância entre um e outro é de 1.500 km. Couto Velho fica no antigo norte de Goiás(Tocantins), no lado oposto a Conceição do Araguaia(Pará). Este presidio foi destruido pelos indios Karajás, Xavantes, Xerentes e Kaiapós, no dia 11.02.1813. Embora estes indios se considerassem inimigos, terminaram se juntando para destruir o Presidio. Nesta época, era Comandante do Presidio, o Tenente Francisco Xavier de Barros que fugiu com 38 pessoas, depois do ataque dos indios, morrendo quase todas nas aguas do Rio Araguaia. O presidio foi reconstruido muito mais tarde, em 1850, em outro lugar ou seja na hoje Araguacema, no Estado do Tocantins, 288 km depois, subindo o Rio Araguaia. Reconstruido no governo do 9º Presidente de Goiás, Eduardo Olimpio Machado, mas desativado em 1852. Foi novamente reconstruido em 1859. Este novo Presidio foi comandado pelo Capitão José Manoel da Silva Martins, acompanhado de 40 soldados. Sobre o assunto José Martins Pereira de Alencastre, em seu livro ANAIS DA PROVINCIA DE GOIÁS(1863), fez uma descrição notável. Também ele tinha sido o 16º Presidente da Provincia de Goiás de 22.04.1861 a 26.06.1862. A ele coube também restaurar o Presidio de Santa Maria, na hoje Araguacema, Tocantins, em 1861).



Não obstante os muitos incommodos de espirito que então me agitavam, e a grande quantidade de mosquitos que me obrigaram a embrenhar-me no mato para poder passar a noite, todavia veio-me ao pensamento a idea de que, se não fora a grande imprudência e crueldade de um militar, poderia talvez estar existindo n’aquelle lugar uma linda povoação, podendo ter-lhe dado incremento aquelles mesmos indios que se tinham visto na dura necessidade de destruil-a ainda em seu principio.



Olhe-se pois para tão terrivel exemplo, e ver-se-há que se deve proceder de uma maneira bem diferente, se não se quizer ver reproduzidas scenas semelhantes, e se se quizer continuar a navegação pelo Araguaya.



Dia 23. Puxou-se no travessão das Tres Portas, e descarregou-se na primeira pancada forte da cachoeira de Santa Maria. N’esta pancada esteve para perder-se por duas vezes o barco maior. Para evitar-se semelhante risco é acertado pôrem-se ahi os barcos de meia carga. Pousei por baixo da Segunda pancada grande.



Dia 24. Procurei o meio do rio para passar sem maior incommodo um travessão que está por baixo da segunda pancada, passado o qual tomei para a margem direita, onde vim descarregar. O puxador é na pedreira do meio, para onde se faz travessia com bastante trabalho.



Dia 25. Naveguei encostado á margem do lado esquerdo e descansei meio dia em um aprazivel campo, onde havia grande quantidade de veados e pousei em uma extensa praia no meio do rio.



Dia 26. Falhei para caçar.



Dia 27. Naveguei pouco por não haver o que comer e pousei no pequeno travessão do lago.



Dia 28. Naveguei pouco por se demorarem alguns camaradas no campo e fiz pouso em uma ilha abaixo da itaipava dos Campos.



Dia 29. Passei parte d’aquella itaipava e pousei por cima de um forte gorgulho antes de chegar á sahida.



Dia 30. Por volta de dez horas foi necessario descarregar um dos barcos por falta d’agua, e ás onze horas encostei na Ilha de Sant`Anna, falhando-se a tarde por motivo de caçar.



Entretanto achou-se uma taboa de canoa, na qual se viam gravadas as seguintes palavras: “Dia 31 de Outubro voltou o soccorro”. É inexplicavel a alegria que causou um semelhante achado. Todavia eu no primeiro momento duvidei do que lia, pois que estavamos ainda a 30 de Outubro.



Examinando porem as letras, vi que era nova a gravura e que havia falta de verdade n’aquela inscripção. Fui ao lugar em que se havia achado a taboa, e procedendo ás mais escrupulosas averiguações, conheci que havia uma differença de seis a oito dias entre aquelle em que se tinha alli deixado a taboa e aquelle em que nos achavamos.



Todavia tratei de despedir a ubá que eu havia comprado para servir de montaria para o fim de ir ao alcance do socorro, e com effeito partiram de madrugada tres camaradas e um dos pilotos com as informações necessarias para evitarem qualquer engano na entrada do furo do Bananal ou dentro do mesmo furo. Não valeram porem nem as minhas informações e nem a presteza que tanto recommendei. Foi irremediavel a falta em que chiu o conductor do soccorro por se ter retirado antes da minha chegada.



Dia 31. Descarregou-se e passou-se pelo canal da direita encostado á ilha, e fiz pouso defronte da bocca de um grande lago(34).



(Nota explicativa(34). Hoje cidade de Lago do Coco, no Rio do Coco, perto de Caseara, no Estado do Tocantins).



N. B. N’este travessão acabam-se as pedras do rio Araguaya na navegação para a cidade de Goyaz e se alguns pequenos travessões se encontram, não há n’elles perigo algum. Em geral, d’ahi para cima o rio é muito espraiado, porem nunca me foi necessario descarregar. Tendo pois vencido uma extensão do Araguaya, em que tinha trabalhado quasi constantemente em um rio empedrado, no qual se acharam trinta e quatro descarretos, assentei que bem pouco era o que me restava para vencer. Porem, enganei-me, muitos trabalhos me estavam ainda reservados.



Devo notar finalmente que, com quanto d’este travessão para cima se encontrem lindissimas praias que quasi constantemente se tocam, apraziveis barreiras(35) nas quaes o campo chega á borda d’agua, um sem numero de lagos em que existe uma immensa quantidade de peixe, e o rio seja ahi de boa navegação, todavia apezar de tudo isto, uma estranha monotonia torna a navegação muitas vezes enfadonha.



(Nota explicativa(35). Barreira é o lugar escarpado na margem do rio, com extensão de cerca de meia legua(3 km), onde não há mato).



Dias 1 a 4 de Novembro de 1847. A navegação d’estes dias foi sem novidade. No ultimo porem teve lugar um facto que havia dias eu esperava, mas que eu não podia evitar.



Na contingencia de acabar-se a farinha continuando a dal-a em rações ordinarias, ou de tel-a em pequenas rações por mais tempo, preferi o segundo expediente. Isto porem dava causa a repetidas e rancorosas murmurações, das quaes pareceu-me quererem passar a vias de facto. Suspeitando pois algum trama, chamei a um camarada que me parecia cabeça, e entendendo-me com elle procurei fazel-o entrar na razão, e com effeito pareceu-me havel-o conseguido.



Por outra parte, ao mesmo tempo que isto se passava com os camaradas, os soldados que me tinham sido dados pelo governo da provincia para me auxiliarem n’esta viagem queixavam-se affrontosamente de haver o piloto pousado depois de Ave-Maria(36), chegando ao ponto de ameaçar que não poriam muita duvida em tirar-lhe a vida. Servi-me para com estes das mesmas armas de que me tinha servido para com os camaradas, e os espiritos pareceram-me acalmarem-se. Todavia eu bem pouco pude tranquillisar-me durante toda esta noite.



(Nota explicativa(36). É que os militares queriam que o piloto parasse o barco exatamente ás seis horas da tarde, horário da Ave Maria, para que eles pudessem fazer as suas preces, em terra).



Dia 5. Desde que se largou do pouso entretiveram-se os principaes remeiros em continuadas murmurações, mostrando contra mim a maior indisposição, até que ás dez horas do dia, não podendo soffrer mais os seus desaforos, e quasi em um estado de desesperação, lhes disse que podiam livrar-se de todos os incommodos que lhes causava dando-me elles uma morte inevitavel com uma das armas de fogo, que tinham carregadas na prôa.



A murmuração cessou, e mudando eu a medida da ração de farinha, pude conseguir seguir a minha viagem com menos receios de perigos da parte da tripolação.



Taes foram as circumstancias em que me achei, sem que tivesse recursos contra os autores de semelhantes procedimentos, pois que os militares em muitas occasiões mostravam-se peiores. Á vista d’isto aconselho aos navegantes que devem embarcar sempre tão grande quantidade de farinha, e dar tão acertadas providencias sobre soccorros, que nunca lhes seja necessario lançar mão de medidas demasiadamente economicas.



Dias 6, 7 e 8. Navegando sempre, no dia 8 ás onze horas e meia cheguei á barra do furo do Bananal(37). Ao mesmo tempo que a tripolação e todas as pessoas de minha comitiva se entregavam a uma indiscreta alegria, o meu coração se contristava pela pouca quantidade de agua que então tinha o furo do Bananal.



(Nota explicativa(37). Como se vê, Rufino chegou à Ilha do Bananal, sem ter feito referência à região de Araguacema, onde foi reconstruido o Presidio de Santa Maria. É que o presidio só foi reconstruido em 1857, dez anos depois que Rufino passou pela região. Relembre-se que Rufino passou por aí em 1847. Assim, furo do Bananal é o lugar em que o Rio Araguaia se bifurca para formar a Ilha. De um lado está o Araguaia e do outro lado, está o seu afluente o Rio Javaés, também chamado de Braço Morto ou Braço Falso. Como Rufino estava subindo o rio, alcançou primeiro a parte Norte da Ilha).



Arrastou-se muito os barcos ás costas, e pousei a pouca distancia da entrada.



Dia 9 de novembro de 1847. Descarregaram-se e arrastaram-se os barcos. N’este dia começaram as chuvas de inverno.



Dia 10. Arrastaram-se os barcos, descarregaram-se e carregaram-se, e mudou-se de pouso. As chuvas continuam.



Dia 11. Cheguei a um areão ou banco de arêa, que tinha uma extensão de mais ou menos trinta braças(60 metros), em que quasi totalmente se descarregaram os barcos, não admittindo porem o canal encosto senão em uma distancia de meio quarto de legua(750 metros), foi necessario carregar a carga ás costas em toda esta extensão.



Vendo porem que por semelhante maneira era-me absolutamente impossivel vencer as difficuldades que de dia a dia se augmentavam, propuz a volta para fora do furo, e a viagem pelo braço grande. Mas não pude vencer a repugnancia que encontrei da parte do sargento de caçadores Antonio José de Azevedo, que havia descido o rio com o Conde de Castelnau(38), do piloto e quasi todos os camaradas e soldados, dos quaes uns me apresentavam uma morte certa entre as mãos dos Carajás, chegando o sargento a dizer que se eu me resolvesse a entrar pelo braço grande, elle com um ou dois soldados, seguiria por terra para São Joaquim de Jamimbú(39). O piloto e outros argumentavam com a esperança que tinham d’agua sufficiente, visto que nos achavamos quasi em meiados de Novembro(40). Cedendo pois, assentei de arrostar os trabalhos que eu antevia.



(Nota explicativa(38). O Conde Francis Castelnau, que escreveu o livro RETRATOS DO PARAUPAVA, nome antigo do Araguaia, esteve na região dos Martyrios e fez alguns desenhos, no dia 09.07.1844. Essas cachoeiras tinham sido descobertas em 1673, pela bandeira de Bartolomeu Bueno da Silva, pai do Anhanguera e revisitadas pela bandeira de Manuel de Campos Bicudo).



(Nota explicativa(39). O presidio de São Joaquim de Jamimbú estava localizado na hoje região de Luis Alves, Estado de Goiás).



(Nota explicativa(40). O mês de Novembro é considerado como o mês do inicio das chuvas de inverno).





Dia 12. Carregaram-se os barcos, e tornou-se a descarregar logo acima.



Dia 13. Carregou-se a carga na igarité de descarreto, e arrastaram-se os barcos.



Dia 14. Trabalhou-se todo o dia da mesma maneira que nos antecedentes, mas nada se adiantou. E continuando as chuvas com muita força, houve um grande prejuizo no sal, por isso que faltavam n’estes lugares as folhas de palmeiras com que elle se podesse cobrir.



Eis pois as tristes circumstancias em que me via. Ou havia de ver anniquilar-se parte do carregamento dos barcos, que tantos sacrificios me havia custado para pôr n’aquellas alturas, ou havia de expor-me aos maiores padecimentos e desgraças, consumindo sem dar um passo, a pouca farinha que me restava!



Não sabendo porem o que era feito da ubá que eu havia mandado ao alcance do socorro, e achando-me cento e quarenta e tantas leguas distante do lugar onde podia achar algum recurso, restando apenas nove alqueires(41) de farinha para cincoenta e quatro pessoas, inclusive minha mulher, cuja resolução de acompanhar-me muito tinha contribuido para achar gente para a tripolação, e que eu vi então em circumstancias de perecer á fome, eu tinha razão de considerar-me nas mais tristes circumstancias!



(Nota explicativa(41). Embora não seja uma medida muito conhecida, nove alqueires de farinha correspondia a 435 litros. Como a comitiva de Rufino era de 54 pessoas, havia apenas 8 litros de farinha para cada pessoa. A farinha era o alimento básico nestas viagens e sempre se fazia acompanhar de peixe e caças).



Então ventilou-se a idea de deixar-se as cargas dos barcos em ranchos, para o fim de evitar-se os perigos que nos aguardavam. Chegando-me isto aos ouvidos, não me achei então com a força moral que tinha tido no dia 19 de Agosto. Todavia animei a gente, dizendo-lhe que o soccorro e as aguas(42) não deveriam tardar, e tratei de pensar no que faria.



(Nota explicativa(42). Com as chuvas, aumentavam as aguas e o rio se tornava mais navegável).



Em uma tal conjunctura resolvi subir para o Presidio de São Joaquim de Jamimbú(43), na igarité do descarreto, afim de procurar soccorros para evitar ao menos uma parte da desgraça a que estavamos expostos.



(Nota explicativa(43). Se este presidio já existia em novembro de 1847, quando Rufino passou pela região, não poderia ter sido fundado na década de 1870, como dizem alguns. Este presidio ficava perto da atual Luis Alves, no Estado de Goiás).



Tendo feito pois todas as recommendações que julguei convenientes, deixei os barcos entregues ao piloto e ao meu cunhado Hermenegildo Francisco de Azevedo(43a), que expontaneamente quis acompanhar-me n’esta viagem e no dia 15 larguei para cima. No dia 18 tendo quasi constantemente arrastado a igarité, apezar de vasia, encontrei o socorro que havia sido alcançado pelos meus enviados.



(Nota explicativa(43a). Hermenegildo Francisco de Azevedo era filho de Manoel Francisco de Azevedo e Lúcia de França. Era irmão, portanto, de Mariana Francisco de Azevedo Segurado, esposa de Rufino. Foi ordenado padre em 08.04.1848, pelo Bispo cego de Goiás, Dom Francisco Ferreira de Azevedo, logo depois de ter voltado desta viagem feita com Rufino Teotônio Segurado. Esta informação é dada pelo Cônego Trindade, em seu livro LUGARES E PESSOAS, página 190).



Então soube que a causa de tão grande demora havia sido o terem-se estes enganado na entrada do furo, e terem tomado pelo braço grande, onde reconheceram o seu erro depois de chegarem ás aldêas dos indios Carajás, os quaes os informaram da descida do soccorro, dizendo alem d’isto os mesmos indios que por alli não tinham elles voltado.



Soube além d’isto que, em consequencia d’essa informação, haviam os meus enviados regressado para entrar pelo furo, perdendo d’est’arte quatro dias de viagem.



Quanto ao soccorro, pode-se fazer idea do embaraço em que se viram os conductores d’elle, cujo encarregado foi um cabo de tropa de linha, de nome Joaquim Marques de Arruda, á vista da falta de verdade em que estavam comprehendidos, e dos trabalhos e despezas a que dava lugar sua anticipada retirada.



Sem que consultasse o que devia fazer, conheci que era occasião de por em pratica o meu pensamento de subir pelo braço grande, e assim no dia 19 cheguei aos barcos, onde achei tudo em paz.



A minha volta foi realmente um dia de festa. A minha presença, que não pouca confiança inspirava á tripolação, á vista de pessoas, das quaes muitas eram conhecidas, e em fim o socorro, apezar de pequeno, pois que chegou apenas sete saccas de farinha e algumas bagatellas mais, não devia produzir menos effeito. As esperanças renasceram e eu dei ordem para o regresso do furo.



Eu julgo dever notar que ao cabo foram entregues vinte e seis saccas de farinha, etc, mas o fado(a canseira) não permitiu que me chegassem mais do que sete.



Dias 20, 21 e 22. Gastaram-se estes dias em descer pelo furo, e ás onze horas do dia 22 tomei pelo braço grande.



Dia 23. Despedi o cabo para buscar soccorro no presidio de São Joaquim de Jamimbú.



Dias 24, 25, 26 e 27. Naveguei sem novidade, e no dia 27 pousei na primeira aldea dos indios Carajás, cujo numero não passava de cinco cabanas. Estes indios estavam bem medrosos, tanto assim que tinham-se occultado, ficando apenas dois na aldea. Estes a muito custo consentiram que se aportasse na praia em que estavam. Mas afinal houve obsequios de parte a parte, e a noite passou-se sem susto.



Dia 28. Passei por uma aldea de Carajás e pousei em outra situada em uma praia abaixo de um estreito.



Dias 29 e 30. Encontrei uma ubá em que desciam tres Carajás, que foram com dois pilotos pescar em um lago sem pôr n’isso duvida alguma.



Dia 1 de Dezembro de 1847. Continuando a navegar pousei em uma aldea de indios da mesma nação, cujo capitão me fez presente de um delicioso pedaço de peixe.



Dia 2. Pousei em outra aldea, cujo capitão há pouco havia fallecido, mordido de uma cobra.



Dia 3. Descansei meio dia defronte de uma aldea no lugar em que há um pequeno travessão, e fiz pouso acima.



Dia 4. Passei o meio dia defronte de uma aldea, onde se acha um lago notavel pela sua grandeza, e pousei em uma praia do lado direito.



Dia 5. Continuei a navegar junto á margem direita, ficando-me muitas ilhas á esquerda, nas quaes é provavel que existisse alguma aldea. Fiz pouso na ponta de cima de uma grande ilha.



Dia 6. Depois de jantar cheguei a um lugar elevado na margem da direita, onde os Carajás têm um cemiterio. Eu quis ocularmente observar esse lugar e nada achei de notavel. As sepulturas são mui pouco profundas, e sobre ellas vi alguns páos ou varas, que sustentam uma esteira que cobre a terra. Pareceu-me que a terra que lançam na sepultura não é batida(socada). Pousei pouco acima d’esse cemiterio.



Dia 7 de Dezembro de 1847. Ás seis horas da tarde, cheguei á barra do Rio das Mortes(44). Este rio é o maior confluente do rio Araguaya, desde sua confluencia(encontro) com o rio Tocantins até este ponto. Devo porem notar que elle é muito menor que o mesmo Araguaya. N’essa noite avistaram-se fogos dos indios á pequena distancia.



(Nota explicativa(44). O Rio das Mortes é o maior afluente do Araguaia e desagua na região de Santa Isabel ou mais precisamente nas imediações da cidade de São Felix do Araguaia, no Pará).



Dia 8. Almocei na aldea, cujo capitão tomou o nome de João Leite de um meu cunhado que elle tinha visto na povoação de Salinas. N’essa aldea entregou-me um indio um bilhete, que me tinha deixado o sargento Azevedo, que havia subido em companhia do cabo Arruda.



Dias 9, 10, 11 e 12. N’estes dias foi copiosissimo o inverno, e o rio encheu consideravelmente, obrigando-se a servir dos ganchos e forquilhas(45) para poder navegar. No dia 12, fiz pouso, avistando a aldea do capitão Antonio.



(Nota explicativa(45). Instrumentos feitos de pau que, com pequenas diferenças, servem para movimentar os barcos nas épocas em que os rios estão cheios).



Dia 13. Passei por essa aldea, a qual me ficou na terra firme do lado direito, onde se avistou a roça. À praia, vieram apenas quatro indios. Ao meio dia chegou-me um soccorro de cinco saccas e meia de farinha, e seguindo viagem ás horas do costume, fiz pouso em uma praia da esquerda por baixo de umas barreiras, que estão d’esse mesmo lado.



O capitão Antonio, que havia acompanhado o cabo Arruda, desceu n’esta occasião a encontrar-se comigo, a fim de receber alguns brindes. A montaria que havia conduzido o soccorro voltou para cima.



Dia 14. N’este dia não pude fazer viagem por se terem perdido dois camaradas no campo.



Dia 15. Deixei gente com a igarité de descarreto para procurarem os camaradas que se haviam perdido. Almocei em uma praia onde se achava o capitão Antonio, que com algumas familias regressava para a sua aldea.



Dias 16, 17 e 18. Naveguei sem que houvess nada de notavel, á excepção de achar o rio muito corrente, e ser-me necessario navegar sempre á gancho e forquilha.



Dia 19. Falhei á tarde por não terem apparecido os camaradas que tinham sahido a caçar.



Dia 20. Não apparecendo aquelles camaradas, e não me restando mais do que uma única sacca de farinha, ordenei que descessem tres camaradas em uma ubá de uns indios que ahi appareceram afim de ver o que era feito dos camaradas que haviam ficado perdidos no campo e subi na igarité a encontrar-me com um dos conductores do soccorro, que segundo me informaram os indios, achava-se na pesca dos pirarucús, perto do encontro dos dois braços da ilha do Bananal(46).



(Nota explicativa(46). Como Rufino subia o Rio Araguaia, conseguiu chegar na parte final da Ilha do Bananal ou seja, onde se dá a bifurcação, na parte Sul da Ilha. O Rio Araguaia aí se divide em dois, formando o Javaés, também chamado Braço Morto ou Braço Falso. Furo do Bananal lembra parte furada da ilha, onde nascem rios e córregos. A ilha tem cerca de 500 km de comprimento. Tanto que Rufino gastou 30 dias para sair do norte da ilha e chegar ao sul).



Dia 21. Voltei para o lugar em que se achavam os dois braços do rio, e ahi achei os camaradas que tinham apparecido. Mandei tres camaradas buscar soccorro na ubá, descansei no lago grande, e fiz pouso pouco acima.



Dia 22. Descansei defronte da ponta da ilha do Bananal, e pousei na entrada do canal que tem o nome de Braço Falso.



N. B. Tendo encontrado o braço grande(norte da ilha), no dia 22 de novembro, trinta dias se passaram primeiro que eu podesse alcançar a ponta de cima da ilha do Bananal(sul da ilha). Se não fossem as muitas falhas que tive, e a enchente que com tive de lutar, é provavel que esta viagem se podesse fazer em vinte dias.



Devo notar que este braço não é menos abundante de caça e de peixe do que o furo. N’elle se encontram muitos lagos, em que há grande quantidade de pirarucús, e muitos campos, onde pastam muitos rebanhos de veados. O mesmo rio offerece abundante pesca de muitas espécies de peixes grandes e pequenos.



As aldeas dos Carajás por onde passei constam em geral de oito a dez cabanas, contendo de vinte a trinta indios, todos muito miseraveis e preguiçosos. Eu brindei a cada uma d’essas aldeas com uma ou duas peças de ferramenta, e alguns objectos de menor valor. Todos elles me pareceram mui bem dispostos a nosso respeito, e mostram desejar que continue a navegação(47).



(Nota explicativa(47). É claro que os indios queriam a navegação dos barcos oficiais(do governo), porque estes, quando passavam, ofereciam presentes aos indios. Mas os barcos de comércio particular não poderiam fazer gentilezas para os indios, sob pena de não terem lucros).



Julgo dever fazer algumas observações sobre a grande ilha de Santa Anna. Esta ilha, cuja largura o conde de Castelnau avalia de vinte e cinco a trinta leguas, não tem de certo menos de cem leguas de comprimento(48).



(Nota explicativa(48). A Ilha do Bananal tem cerca de 500 km de comprimento e 30 léguas de largura ou seja 180 km de largura. É considerada a maior ilha fluvial do mundo. Dentro dela nascem vários rios, alguns com cerca de 300 km de extensão. Mas, infelizmente, está sendo destruída por pastagens para criação de gado, sem que nenhum governo tome providências).



Ella parece ser em geral baixa, tendo apenas algumas pequenas elevações cobertas de hervas pouco próprias de pastagens, e por essa razão ella é quasi sempre coberta d’um carrasco de mistura com um capim de altas dimensões, formando um denso capinal quasi impenetravel. E em outros lugares, que se assemelham mais a mato do que a campo. O caçador encontra tantos embaraços para penetrar no interior da ilha, que antes quer voltar do que seguir.



Todavia acham-se alli alguns campos, onde bem como na terra firme se encontram muitos veados. O cervo porem é a caça mais commum n’aquella ilha.



Dia 23. Cheguei ao largo do Zeferino, lugar em que haviam estado os indios Chavantes esperando os barcos afim de negociarem, segundo me havia informado um dos conductores do socorro.



Dia 24 de Dezembro de 1847. Posto que até este dia me não tivesse faltado farinha, todavia muitas murmurações iam apparecendo, e trabalhava-se já com pouca cautela e algum risco dos barcos. Por isso não duvidei consentir que fossem ver se encontravam com os indios Chavantes(49), entre os quaes esperavam achar algum recurso de mantimento.



(Nota explicativa(49). Embora considerados perigosos, os indios Xavantes gostavam de comercializar, do que dá prova Rufino Segurado, em sua viagem de 1847).





Dia 25. Andei até meio-dia, falhando por falta de farinha.



Dia 26. Ao meio-dia chegaram a tal ponto as murmurações, que minha mulher não querendo estar presente e retirando-se para terra, um camarada que notou este passo de prudencia com incrivel arrogancia disse: - quem não gostar do que estou dizendo metta algodão nos ouvidos.



Então julguei que me não convinha expôr-me por mais tempo a estes e outros semelhantes insultos, e embarquei-me na igarité de descarreto, tendo assentado de esperar os barcos no destacamento do Presídio de Jamimbú. Encontrando o soccorro mandei que seguisse para baixo ao encontro dos barcos, e eu continuei minha derrota para o destacamento, onde cheguei no dia 29 de Dezembro.



Dia 27. Os barcos estiveram amarrados, chegando na tarde d’esse dia o soccorro com o mantimento sufficiente para chegarem a São Joaquim de Jamimbú.



Dias 28, 29, 30 e 31. A navegação d’estes dias foi summamente penosa e arriscada em razão de se achar o rio com grande enchente.



Dia 1º de Janeiro de 1848. Chegaram os barcos ao Presidio de Jamimbú. Achando-me falto de viveres para continuar a viagem, entendi-me com o commandante militar sobre as providencias que se deviam dar a respeito e lisongeei-me de que em oito dias poderia seguir a minha derrota(viagem).



Mas não aconteceu assim. A falta de utensís necessários não permitiu que se me podesse apromptar vinte e tres alqueires(50) de farinha em menos de dezesseis dias. Accrescendo que as diligencias do commandante não obstavam a que grande parte da farinha que os roceiros iam fazendo não fosse distrahida nas vendas, que elles faziam aos camaradas e soldados. Bem extensos me pareciam estes dias em razão da grande quantidade de praga que ahi há!



(Nota explicativa(50). Vinte e tres alqueires de farinha correspondia a 1.104 litros).



Dias 16, 17 e 18. Naveguei com muito trabalho por causa da cheia do rio, mas este começou a mostrar vasante. Appareceram então fortes ataques de febres intermittentes.



Dias 19 a 26. Posto que o rio tornou-se melhor por ter vasado consideravelmente, todavia a viagem continuou vagarosa em razão de se achar a maior parte da tripolação atacada das febres. No dia 26 pousei defronte da capoeira de Manoel Pinto(51), pouco abaixo da barra do Rio Vermelho.



(Nota explicativa(51). A capoeira de Manoel Pinto, em 1847, refere-se ao que se chamou de Presidio de Leopoldina, depois Porto de Leopoldina, hoje Aruanã, no Estado de Goiás. A partir daí, Rufino Segurado deixou de subir o Rio Araguaia e passou a subir um de seus afluentes, o Rio Vermelho que corta ao meio a cidade de Goiás, antiga capital do Estado).



Dia 27. Ás oito horas da manhã entrei n’aquella barra. O rio ia um tanto cheio, e por isso naveguei sem incommodo, posto que o rio seja muito pequeno.



Dias 28, 29, 30 e 31. A navegação d’estes dias foi trabalhosa, por ser o rio de muita correnteza. No dia 31 ficou-me á direita a bocca do Lago dos Tigres(52).



(Nota explicativa(52). O Lago dos Tigres está hoje localizado na cidade de Britânia, Estado de Goiás).



Dias 1º e 2 de Fevereiro de 1848. Continuaram as correntezas e por isso foi necessario grandes trabalhos para vencel-as.



Dia 3. Foi necessário arrastar os barcos, e o mesmo aconteceu por muitas vezes no dia seguinte.



Dias 4, 5 e 6. Continuou-se a arrastar os barcos, até que finalmete no dia 6 ás oito horas da manhã aportei no porto de Thomaz de Sousa(53).



(Nota explicativa(53). O Porto de Thomaz de Sousa está localizado na região da hoje cidade de São José, no Rio Vermelho, perto da velha capital Vila Boa, hoje cidade de Goiás. Neste porto, Rufino deu por encerrada a sua viagem no dia 06.02.1848, com a chegada dos dois barcos principais, NATIVIDADE e SANTO ANTONIO. Gastou, portanto, 10 meses e 2 dias, saindo de Porto Nacional. Como na volta saiu de Belém, no dia 19 de maio de 1847, gastou 8 meses e 6 dias. Para fazer a mesma viagem, de Goiás Velho a Belém, em 1935, de barco motorizado, no chamado “Expresso do Araguaya”, com motor de 25 HP que desenvolvia 4 leguas(24 km) por hora, o Rotariano Engenheiro Civil e Ex-Prefeito de São Paulo Armando de Arruda Pereira, gastou 21(vinte e um) dias(29.09.1935 a 20.10.1935), conforme seu livro DIÁRIO DE VIAGEM-DE SÃO PAULO A BELEM-DESCENDO O ARAGUAYA).



Devo notar que eu tinha então farinha sufficiente, e facil me era haver a carne necessaria para continuar a minha viagem até o arraial da Barra, lugar em que eu tencionava findar a minha navegação.



Porem a falta d’agua no Rio Vermelho, o máo estado dos barcos, a grande quantidade de pedras e páos que se encontra n’aquelle rio, forçaram-me a fazer ponto n’aquelle porto, dando-me ainda por muito feliz de ter concluido a minha viagem, se bem que menos feliz do que eu esperava.



Desejando ainda dizer alguma cousa que possa ser util á navegação, eu apresentarei o meu modo de pensar sobre a maneira de fazer chegar á capital de Goyaz os carregamentos que subirem do Pará. O Rio Vermelho é incapaz de navegação de barcos de negocio, salvas algumas occasiões em tempo d’aguas, e por isso assento que deve haver um novo systema de navegação por esse rio.



Os barcos proprios são igarités, que deverão ser de um talho particular, isto é, razas, largas e de um comprimento proporcionado á largura.



Julgo que não me engano dando-lhes trinta e seis palmos de comprimento(7 metros), doze de largura, e dois e meio de fundo.



Estas igarités, cujo numero deverá ser o triplo dos barcos, deverão receber os carregamentos na barra do Rio Vermelho, no porto de Thomaz de Sousa ou na barra do Itapirapuã, conforme a agua que tiver o Rio Vermelho, e descarregar-se no arraial da Barra. Evitando-se d’est’arte as grandes despezas que se deve fazer nas conducções por terra de cada um d’aquelles portos ou de outros para esta cidade.



Recapitulando o que tenho feito ver da minha viagem, é claro que da confluencia do Araguaya ás primeiras aldêas vim em cincoenta e nove dias, d’estas á ponta debaixo da ilha do Bananal em trinta e quatro, e d’esta viagem seguida a São Joaquim de Jamimbú quarenta, e d’ahi ao porto de Thomaz de Sousa vinte e um, não contando a falha.



Sommando cento e cincoenta e quatro. Tantos foram os dias que gastei da barra do Araguaya ao porto de Thomaz de Sousa. Mas isto foi em consequencia de entrar muito tarde n ’ste rio.



Devo pois notar que descendo-se no tempo proprio, o que se deverá ter sempre em vista, da barra á Cachoeira Grande não se gastará mais de oito dias, e n’esta dez. D’esta ao sahir da cachoeira de São Miguel nove. D’esta ás aldeas seis. D’esta á cachoeira de Santa Maria treze. D’ahi á cachoeira de Santa Anna cinco. D’esta cachoeira á ilha do Bananal oito.



Da ponta de baixo da ilha do Bananal á ponta de cima vinte e quatro. D’ahi ao destacamento seis. Chegando a cento e nove os dias gastos dentro do Araguaya e Rio Vermelho. E sendo certo que se pode fazer viagem para o Pará em trinta dias, que se pode aviar o negocio em dezesseis, e gastar-se na volta até a barra sessenta, segue-se que toda a viagem poderá effectuar-se em sete meses e meio, isto é, o mesmo tempo que se gasta nas viagens da villa da Palma para o Pará pelo rio Tocantins em barcos de porte de mil arrobas.



Pela exposição que acabo de fazer é claro que, se por um lado é possivel a navegação pelo rio Araguaya, por outro é evidente que é necessario muito cuidadosamente evitar aquellas circumstancias que podem tornar desgraçada uma viagem por este rio.



Devo pois advertir que a descida deve ser cedo, isto é, no mez de Fevereiro, e no mais tardar por todo o mez de Março. Cada barco de negocio deve ter a sua igarité de descarreto e montaria de caçar. A farinha que ficar reservada para a volta em São João d’Araguaya não deve ser menos de dois alqueires por cada individuo.



Os navegantes devem ter em vista a sua posição entre os indios, e agradal-os o mais possível, evitando qualquer desavença por pequena ou particular que seja.



Resta-me enfim dizer que achando-se para mim reservada em parte a gloria de realisar um pensamento, que há tempo occupava os espiritos dos verdadeiros amigos da prosperidade da nossa provincia, eu me terei por muito feliz se a minha viagem produzir os fructos que d’ella se deve esperar.



Goyaz, 27 de Março de 1848.

Rufino Theotonio Segurado”.





NOTA FINAL:



Terminada a viagem em 06.02.1848(a viagem foi iniciada em 04.04.1847), RUFINO TEOTÔNIO SEGURADO voltou a sua condição de Juiz de Direito. Era Juiz da Comarca de Palma(hoje Paranã), quando faleceu na Fazenda Engenho, de sua propriedade, em Conceição do Norte(Tocantins), sepultado na Igreja Matriz, em 29.08.1868, com 48 anos de idade, na presença do Vigário João de Deus Gusmão que assinou a certidão, com os seguintes termos:

“Aos 29 de agosto de 1868, nesta vila e freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Norte do Bispado de Goyaz, sepultamos nesta Matriz do Arco para sima, com todos os sacramentos, o Doutor Juiz de Direito desta Comarca de Palma, Rofino Theotonio Segurado, pardo, casado com Dona Mariana Francisca de Azevedo e foi encomendado e acompanhado por mim, do que para constar, fiz este termo que assignei. Vigr. João de Deus Gusmão”





*Mário Ribeiro Martins

é Procurador de Justiça e escritor

(mariormartins@hotmail.com)

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Fones: (063) 3215 44 96. Celular: (063) 99779311.

Caixa Postal, 90,

Palmas, Tocantins, 77001-970.

Site: www.mariomartins.com.br











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