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Infantil-->Anjinho da roça -- 14/02/2007 - 18:50 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Anjinho da roça

Os alunos do grupo escolar da Vila de Água Doce já sabíamos do que se tratava. Quando um homem pobre chegava e ficava na porta da escola segurando o chapéu, olhando para dentro da sala com olhos pidões, na certa um filhinho seu, um anjinho recém-nascido, tinha morrido de tétano na roça. Os ignorantes colocavam picumã para secar o umbigo do bebê e, sem querer, levavam o tétano junto. Diziam que a causa mortis fora o “mal de sete dias”. A professora também já sabia e nos liberava para buscar o anjinho que nos esperava calmamente, mortinho da silva, repousando seus pezinhos amarelos sobre cadeiras rústicas nalgum cômodo da casa. Os casebres não tinham luz elétrica, eram sempre muito escuros e o piso era de terra batida. Os pais dos anjinhos não eram exigentes, só pediam apenas uma coisa, —e disso faziam questão: os alunos que fossem buscar o seu defuntinho querido deveriam usar o uniforme oficial da escola. Eles achavam que isso era chique, um sinal de respeito, uma grandeza sem tamanho.
Alguns alunos, que se julgavam ricos, não gostavam de ir buscar anjos na roça, não sabiam colaborar com os pobres. Havia alguns, mais orgulhosos ainda, cujos pais não permitiam de “jeito maneira”. Nem pensar em coisas bobas como aquelas. Eu, da minha parte, sempre estava disposto a ir, a dona Francisca, minha bondosa mãe, já tinha dado autorização prévia para a professora e eu até gostava daqueles “passeios”. Para mim era uma festa carregar anjinhos mortos, eu gostava de caminhar nas trilhas de mato molhado e “matava” a aula ao mesmo tempo. Buscar anjinhos era uma “boa” para mim. Enquanto eles morriam, feito passarinho, eu aproveitava para me livrar da escola chata. O pai pidão vinha para a cidade arrumar "torcida" para acompanhar o seu filho com honras de herói e coneguia. Isso era comum na Vila de Água Doce, uma coisa triste, porém caridosa de se fazer. Nessas minhas jornadas de caridade eu ainda me lembro de que vi muitos pais chorões ensaiando um leve sorriso na hora decisiva e dolorida da despedida. Quando viam o seu filhinho morto indo embora para sempre, para a terra do nunca mais, choravam e sorriam ao mesmo tempo. Acho que eles ficavam até um pouco contentes porque ele estava sendo levado por meninos alegres, sem nenhum preconceito. O seu filhinho dorminhoco, com os pezinhos mais do que amarelos, agora seria um pouco igual a eles e teria por últimos amigos uma turminha legal que viera da escola exclusivamente para buscá-lo. Uma honra, quase uma glória. Acredito que os pais "pidões" ficavam felizes naquela hora, já que o seu anjinho estava bem acompanhado na última viajem.
Os meninos da cidade éramos considerados filhos de gente boa, coisa solene, quase oficial. No caminho, de volta para o cemitério da Vila de Água Doce, carregando aquele corpo levinho, quase um cisco, eu "transferia" para ele uma tarefa difícil. Alguns meninos tinham me revelado, em confidência, que os “mortinhos” aceitavam levar com eles para o Céu o “medo de defunto” que os meninos bobos como eu tínhamos da morte. Eu tinha muito medo dos mortos, fossem grandes ou pequenos. Era um desses medrosos incorrigíveis e era porisso, por ser interesseiro, que ia buscar os anjinhos na roça. Durante o longo trajeto, vinha pedindo para que o anjinho do dia levasse o meu medo junto com ele para o Céu.
Acho que deu certo e me ouviram. Hoje eu não tenho mais nenhum medo dos mortos —o que tenho é uma grande nostalgia daquele tempo e sinto um pouco de remorso. O meu remorso é ter explorado a boa fé dos pobrezinhos ao lhes fazer pedidos indevidos, sobrecarregando a sua já penosa missão de morrer tão jovens, tão pequeninos. Agora não sei se lhes peço desculpa ou se lhes peço perdão.




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