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Artigos-->UM JOGO DE FUTEBOL -- 29/12/2004 - 21:24 (Vitor Gomes Pinto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
UM JOGO DE FUTEBOL

Vitor Gomes

Escritor. Analista Internacional

Vitor.gp@persocom.com.br



A trinta graus abaixo de zero é possível jogar futebol? Não se trata do futebol ao qual nós, brasileiros, estamos acostumados, e sim ao chamado futebol americano. O nosso, eles denominam de soccer. Qualquer esporte ou espetáculo, ai incluindo beisebol, basquete, rugby (o mais violento de todos), shows, espetáculos circenses, tem seu lugar no Sky Dome (cúpula do céu) de Toronto, no Canadá, onde fui assistir ao sensacional jogo de campeonato entre o Toronto Argonauts e o representante do estado vizinho, o Calgary Stampeders, ou seja, os argonautas contra os explosivos, o primeiro lutando pelos primeiros postos e o segundo quase na rabeira da tabela, tentando não cair, mais ou menos como o Bahia ou o Juventude. O estádio é uma maravilha da moderna tecnologia. Belíssimo, tem um teto totalmente retrátil, que em não mais de 20 minutos pode abrir-se deixando entrar o sol que então ilumina diretamente 90% dos assentos. Isto acontece somente durante dois ou três meses do ano, quando a neve ou o frio intenso dão uma folga.

Comprei entrada na geral, a 18 dólares canadenses, o que dá uns 45 reais: setor 109, fila 13 e a confortável cadeira 11 com braços de apoio e visão privilegiada do campo. Na entrada, a primeira grande diferença: recebi de graça um programa do jogo em fina cartolina, como se fosse uma sessão de teatro, com a foto do jogador mais famoso na capa e, dentro, dados sobre os 40 jogadores participantes do espetáculo, incluindo o número do uniforme, data de nascimento, nacionalidade, número médio de jardas corridas por jogo e recordes alcançados. Ou seja, está tudo previsto, sem surpresas ou armadilhas de última hora. O artista (ou jogador) mais velho tem 40 anos e o mais jovem 22. A cancha é impecável, forrada com um piso sintético no qual uma queda significa ralar os cotovelos e joelhos sem perdão, se não estiverem bem protegidos. A iluminação é perfeita, um telão imenso informa quase tudo, menos naturalmente o jogo ao vivo, pois este, afinal, está na cancha. Mas o replay da jogada, principalmente as duvidosas, é imediato. Nas arquibancadas e camarotes há uma televisão pequena para cada setor, como num vôo internacional de avião. Assim, quem não quiser olhar para o telão, tem a sua TV particular à disposição. Gente fina é outra coisa!

Começa o jogo. Onze de cada lado, mas há mais de cem pessoas em volta. Mais as animadoras, chacretes ou, no caso, torontetes, que em dois grupos, um de cada lado da cancha, estimulam com seus pompons a jogadores e torcida sob o comando do poderoso alto-falante que, tonitroante, não sossega um só segundo. Tento entender: é uma batalha na qual o objetivo é conquistar espaço ultrapassando a cerrada resistência adversária. A glória é quando um dos jogadores consegue correr até chegar ao fim do campo com a oval (é a forma da bola) nas mãos, marcando 6 pontos, um “touchdown”. Ai tem direito a um chute e se acertar o imenso espaço entre as barras verticais consegue um ponto mais. Há limites para os ataques. Quando não consegue avançar, a compensação é dar um chute na bola e, se tiver sucesso, marcar só três pontos. Então a bola retorna ao time oponente.

Mal tentava eu compreender o que se passava quando, aos três minutos de jogo, há uma interceptação da bola. Pára tudo e os dois times, para minha surpresa, retiram-se de campo. Entram 22 outros jogadores. O que se passa?. É que cada equipe possui onze jogadores de ataque e onze de defesa, mais os seus reservas. A cada vez que o jogo se inverte, ordeiramente são trocados os jogadores. “Arghhhh...”, aparece na tela, esperando que a torcida repita o grito de guerra dos Argonautas. Ninguém se manifesta. A torcida se comporta como se estivesse num espetáculo ao ar livre. Lembrei-me dos teatros Kabuki que vi em Tóquio, que podem durar 6 ou 7 horas e onde as pessoas entram e saem para assistir algumas partes, comer algo, enquanto os artistas se revezam sem preocupação maior com o comportamento do público. No Sky Dome há uma grande freqüência de familias. O cheiro de pipoca e de ketchup é insuportável para quem não é do ramo. À minha frente, uma família típica: o casal, dois filhos entretidos com sacos imensos de pipoca e refrigerantes em copos plásticos (há onde colocá-los, como nas cadeiras dos nossos cinemas) e o avô. O jogo tem quatro tempos de 20 minutos, mas como só o tempo real é contado, no total são mais de 3 horas de jogo. Antes do segundo intervalo a família já foi embora.

Só alguns acompanham, de fato, o que se passa no “gramado”. Nem precisa. Nos poucos momentos de alguma emoção, quando alguém consegue uma pequena corrida fugindo da marcação dos brutamontes inimigos, basta olhar para o telão para saber exatamente quantos metros ele avançou. O Calgary não consegue o touchdown e opta pelo chute, fazendo 3x0. Ninguém se manifesta, como se nada houvesse acontecido. Há um pedido de tempo, logo aproveitado pelas torontetes que, vindas dos dois lados, juntam-se no meio do campo para executar um bailado que também não entusiasma o público. Este só demonstra alguma emoção quando na beira da cancha propagandistas da cerveja Budweiser começam a jogar camisetas enroladas como brinde. Ou, no intervalo maior, quando é instalada uma mesa elástica e artistas de circo se põem a saltar e fazer acrobacias. Como o jogo é interrompido constantemente para que as equipes se reorganizem, o locutor e o telão fazem um festival de propaganda entremeado com estímulos à participação da massa. “Common Toronto, give some noise” (vamos lá, façam barulho) berra o alto-falante, para em seguida anunciar os aniversariantes do dia acompanhado pela tradicional musiquinha do “parabéns a você”. Lá em baixo já está 9x0 para os Stampeders que, no entanto, acabam de ser garfados pelos seis juízes (dois principais e dois auxiliares de cada lado) que anularam sua maior corrida.

Outro pedido de tempo e um burburinho inusitado na massa. É que no telão começa uma corrida de cavalinhos eletrônicos, como nos parques de diversão. As crianças e os adultos, sem ter mais o que fazer, tomam partido e torcem pelo bichinho azul, pelo furtacor, pelo encarnado. É rápido, o vencedor da carreira virtual é o verde. Surge um novo grupo e uma sorridente senhora recebe um cheque gigante, por ter sido premiada no sorteio mais recente das “Casas Bahia” de lá. Em seguida, de um lado a outro da cancha começa uma corrida de entregadores de pizza, cada qual equilibrando a sua colorida encomenda enquanto o indefectível telão informa: “Pizza Canadá, Melhor Não Há”. Quem ainda se lembra do jogo? Não sei como os Argonautas conseguem dois chutes e uma ultrapassagem do final do campo com direito ao ponto de bonificação e vencem por 13x12. Os remanescentes da torcida colocam seus casacos de frio, aprestando-se para sair dos 25 graus climatizados de dentro do estádio para a neve que cai lá fora. Pelos túneis, chega-se ao metrô e aos ônibus. A segurança é total. A vida segue, à espera da próxima e ainda mais emocionante partida.





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