ASTROLÁBIO
Não sou teu
Não sou meu
Não sou de Deus
Nem do diabo.
Sou da terra,
Sou do chão
Aonde nasce a plantação,
Onde morro,
Onde nasço.
Não existe beijo sozinho,
A matemática do beijo
Exige carinho, gracejo,
E, também, de outros lábios.
E quando um de nós partir
Não dará para ver, para perseguir,
Os nossos beijos,
Pelos astrolábios.
Ficar para sempre
eternamente
Não pode ser
Tenho que ir simplesmente
Até mais ver
Um dia eu não volto
Inexplicavelmente,
E a lembrança morrerá
Naqueles que lembraram
Da gente.
A notícia não me comunicará
Ninguém saberá
Não interessará a ninguém
A palavra estará morta
E a poesia inútil
Depois da vida a morte é a rota
Torta e fútil.
Não me cabe explicar
Não te cabe entender
O que somos quando somados
E o que deixamos de ser
Quando estamos descopulados
E, subtraídos, de nós menos um,
Deixamos de acontecer.
A lição não está no livro
Não está escrito
O que devo
Nesse mundo
Não está fixo
O meu espaço
E no chão ficou o laço
Do presente que te dei.
Adeus: desafio à permanência.
Saudade: paciência.
Na nossa ausência
A ciência fará um clone
Para o nosso nome
Mas na carne que virá
Nela não estarei
E você, nela não estará.
Mas o beijo
Momento único,
Toque edificado,
Parcela magnífica
Da soma dos nossos lábios,
O beijo
De cromossomo indecifrável
O beijo anticlone
O beijo com o nosso sobrenome
Estará fincado,
Como bandeira,
Como pecado,
Na região indevassável
Do desejo que morreu.
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