O BODE
(Ricardo França)
Só podia dar bode.
A culpa não é da cabra, da vaca,
do homem de bigode
e de fraque.
O culpado é o bode.
O safado é o bode.
O bode expiatório, de cavanhaque,
mal cheiroso.
Quem acredita no bode ?
Logo se vê a culpa, a única culpa,
a culpa completa,
a superculpa do bode pateta.
Não é necessário ter prova,
basta o indício, a acusação, a fofoca.
Foi o bode mesmo,
ele tem cara de meliante.
A culpa do bode
escondeu a minha culpa, a tua culpa.
Vamos ficar calados,
pois o mundo aceita e incentiva
a culpa do ruminante cavicórneo.
Não merece pena, já fora julgado.
A sentença é o escracho, o esculacho.
Agora resta achar o cúmplice do bode.
Vamos acusar outro bode,
o expiatório do expiatório.
Vamos arrumar um bando de bodes,
e levantar a suspeita de formação de quadrilha.
Vamos execrar a mulher do bode,
e a sua filha.
O bode é culpado e pronto.
O bode-mordomo, bicho do diabo.
Deus, o homem é inocente,
satanás e seus demônios são inocentes.
O bode está incriminado até o pescoço
e vamos arquivar todos os inquéritos,
processos.
Vamos esquecer do bode
mas vamos lembrar do bode
sempre que houver
o próximo delito.
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