Muito cedo ainda
aberta a estreita porta de pinho
a menina
coloca os pés no país,
e sem perceber seus passos
cavam uma estrada,
de pisadas malacachetas
sobre capim e barro úmido.
De hora em hora
passa um ônibus mágico
cheio de faces indespertas.
São lavradores, balconistas, lavadeiras.
São pedreiros, são domésticas.
São muito mais malabaristas do tempo.
São olhos e outros olhos
guardando como podem o sol,
e nada é estranho à menina
que acordou cedo e viu que o rio era real,
entre o orvalho
a descer sobre telhados, muros, recantos de chão.
A menina
viu que cedo não era cedo
para coisa alguma.
E indagou em voz baixa,
se ivo viu a uva,
se o rato roeu a roupa do rei.
Em sua pasta de pano puído
um apontador,
um pedaço de borracha,
e alguns cadernos se abrindo
como indissolúveis flores de março.
Todo principiar
de dia
é ainda imaturo,
passa por ruas
que podem ser pintadas
à lapis de cor,
ruas que são poucas
no conhecimento da menina
onde o sol pode ser pintado
num caderno de desenhos.
Todo lugar de brinquedos é frágil,
como bicicletas de operários
rodando rodas tortas nos primeiros
ruídos da manhã.
A chamíné
a fumaça, o corpo da usina
é um grande braço no horizonte.
Há um apito das seis horas,
e a menina ainda não conhece o medo.
A menina
conquista a penumbra, vence as sombras,
feche os olhos de uma boneca
para que ela durma mais um ano.
Solta a coleção de gafanhotos vivos.
Levanta fios de cabelos a escorrer na testa.
Enxuga com o uniforme escolar
o canto da boca,
e rompe a porta do dia sem nada dizer
sobre a fuligem que cai com o sereno,
sem nada dizer por não saber
que vai descobrir o país
na aula de geografia.
A menina
nem diz do seu poder
de ter uma página em branco
dentro de uma manhã de luz.
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