POEMA ANDARILHO
Eu, andarilho em palavras
tropeçando ensimesmadas
já não mais as sei domar
se me tornam conjuradas
Quando as conhecí um dia
reconquistei-as em verso
dei-lhes um nome: poesia
cravei-lhe um aval decerto
Aceitaram silenciosas
compenetradas pueris
despidas sem-cerimônia
embaixo do meu nariz
Reverenciaram meu corpo
ao modo da criadagem
vasculharam-me o magro rol
do verso-matriz mensagem
Inculcaram um pesadelo
na noite do meu falar
mas solerte acordei crasso,
recusei-me em aceitar
Irrequieto, probo, ansioso
pesquisei anais da história
donde houvesse vã palavra
embebida em luxo e glória
Pois submeter um poeta
ao cadafalso verbal
por certo subtrairia
ao tempo sua tez local
História nenhuma dá conta,
desses rebeldes suspeitos
seres padrões assexuados
em todos os seus aspectos
Andejo, pisei mais adiante,
só vestígios sepulcrais.
motes e apologias
num rasto de nunca mais
Consultei um vate, sábio
persistente caminheiro...
se ele nada revelou,
tampouco foi conselheiro
Profetas pelo caminho
Indiferente, quejando
cavalos de água e vento
me atropelam levando
Desconfiados indagam
para meu terrível gáudio
se suserana palavra
rende-me honra, ouro e bens
Não! respondí peremptório
enquanto a noite desmaia
de vergonha, dor e pena
sob seu véu de cambraia
Fiz-me gentil, bebí vinho
cantei loas, versos pósteros
exibí meu ombro arminho
de proferir palavrões
Mais pesadas se evadem
dentre pruridos e sons
sobre íngremes períodos
transitórias orações
Mesóclises, metonímias
na víscera academia
raízes, fontes, insígnias
propedêutica harmonia
Medo, o tenho e arrenego
aos dedos contam-se veraz
poetas deuses desfeitos
mas o infinito os refaz
Nada e o oposto de tudo
com estrondo no jardim,
fonemas se decompondo
desalfabetizando-me
O poeta persiste, vaga
sob intempéries e furnas
ruelas, chãs, logradouros
paragens, plagas soturnas
Luas inúteis, sóis delidos
pontos finais, reticência,
ferida extensa profunda
escondida na regência
Enfim jaz exausto e inserto
no escrínio vocabular
o poeta oculta incerto
um segredo protocolar
Se não sucumbe... se instala
no cuspe, na fala, no lume
mas de repente se cala
no charco, dentro do estrume.
ALDEIA, sexta-feira, 4 de maio de 2001.
Walter da Silva
|