COISAS DA PAIXÃO

(Por Domingos Oliveira Meeiros)



Não é segredo: a paixão enlouquece; nos tornamos cegos e ousados. Capazes dos gestos mais inusitados. Visto pelo ângulo de terceiros, que não sejam parceiros desta trama, de quem ama, somos, simplesmente, ridículos. E o exemplo está por todos os lados. Basta prestar um pouco de atenção. Até mesmo, quem diria, na própria eleição; que, a rigor, não deixa de ser um grande exemplo de paixão. De obsessão. Com todos os seus condimentos: sedução, interesses disfarçados, namoros forçados, infidelidade, traições. Gestos e atitudes inusitados. Casamentos nunca dantes sonhados.



Mãos que se afagam e que se apedrejam, com a mesma naturalidade. Tudo em nome do amor maior: o Poder, com letra maiúscula. O maior de todos. O fura bolo. O cata-piolho. Todos de olho nas mãos do novo rei: que indica, que nomeia, que esconde e protege. Que faz promessas, que lembra ou que esquece. Vai depender do tempo que durar o casamento. Do tempo que suportar a união, feita pela via da coligação. A nova Pasárgada em gestação. Bom para os amigos do rei.



Onde o amor será negociado. O amor do interior. Do coronel e do fazendeiro. Que oferece os filhos por dinheiro: o casamento interesseiro. Não importa a vontade do eleitor. As razões são de ordem prática; não necessariamente, e raramente, por amor.



Assim acontece no país do Carnaval. Da fantasia bem feita. Dos carros alegóricos. Que ilude e diverte a todos na passarela das avenidas e dos palanques. Lá de cima, os destaques mostram sua força. Seu canto é belo e atraente. Como os seus corpos nus, brilhantes e coloridos; pregados de serpentinas e de adereços. Estrelas azuis e vermelhas...de todas as cores. O corpo. É sedutor e enlouquece. Distrai e apetece o eleitor.



Porém, felizmente ou infelizmente, para uns e outros, não dura a vida interira. Apenas o suficiente até a próxima quarta-feira. Quando a tristeza bota o seu bloco na rua. A alma ainda arrota de felicidade. O bloco do bacalhau e da batata reaparece. A realidade surge com o sol da manhã. Já não se tem tanta fartura; já não se tem tanta certeza do alimento na mesa. A passarela está em silêncio. Quem te viu e quem te vê. Hora de guardar a fantasia. Hora de relembrar na memória.



Hora de trocar de fantasia. O carnaval fora de época que se inicia. O carnaval do segundo turno das eleições. O povo, mais uma vez, é endeusado. Conclamado a participar do desfile. E escolher a melhor escola, a melhor fantasia, o melhor enredo. A melhor comissão de frente. A melhor bateria. A melhor composição e a mais bela harmonia. O povo vai de arquibancada. Passistas e destaques, na galeria. Como diz a canção. Ou dizia. Hoje o samba saiu, procurando você. Quem te viu, quem te vê.



O PT e o PP. PTB e PMDB. E tanto lá, sei mais o quê! O José, que foi presidente, apedrejado freqüente, tornou-se o namorado e amigo daqui pra frente. O Paulo, da prefeitura, do santo do mesmo nome, abandonado no passado, (que assustava criancinha) tão querido no presente! Venham todos os foliões. Todos no mesmo refrão. Pierrôs estão chorando pelo amor da Colombina, no meio da multidão.



Mais de mil palhaços no salão. A mesma máscara negra que encobre nossos rostos, não nos deixa olhar direito para o que acontece à nossa esquerda. A mão da noiva está sendo oferecida. Ao centro-esquerdo. Sem qualquer constrangimento. Esqueçamos nossas diferenças. Nosso ideal contraditório, diferente. Cantemos a mesma canção.



Hoje, tudo é provisório. A medida é permanente. A casa está em festa. Ninguém pode ser barrado. Todos juntos, do mesmo lado. Na mesma estrada. Você, meu amigo de fé, meu irmão camarada. Pra frente, Brasil! Salve a seleção! E o mico-leão dourado! A ética e a moral que se danem. Mais vale uma eleição na mão, do que um povo ignorado. Em processo de extinção. Abaixo a realidade. O faz-de-conta é quem embala e adormece. A grande maioria da população.







07 de outubro de 2004