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cronicas-->A separação -- 02/11/2001 - 12:21 (Luís Augusto Marcelino) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Hoje é sexta-feira. Saberei, enfim, se sou capaz de sobreviver sem ele. Nos separamos há três dias e, desde então, ele habita meus sonhos. Sou forte, não sou dado a sentimentalismos baratos, sou um vencedor. Por isso mesmo acho que conseguirei passar por mais essa na vida. Toda separação é doída, isso eu sei. Mas o importante é saber absorver a dor. Todo mundo já sentiu dor. Dente, ouvido, cabeça, cotovelo. Só que essa dor que sinto é diferente. Ela começa na garganta, embaralhando minha voz toda vez que eu a solto. Depois percorre o peito, faz acelerar o coração, descontrola os membros. Perdi, nos últimos dias, o poder de controlar minhas mãos. Elas tremem, se enfraquecem, quase não têm força para segurar a xícara de café.

Nos conhecemos há quinze anos. Meus amigos estranharam que eu tivesse gostado dele. Recriminaram. Uns até se afastaram de mim. A sociedade ainda não está pronta para certos tipos de relacionamento. O que importa, entretanto, é que os verdadeiros amigos ficam do nosso lado. Apoiam, incentivam, nos defendem. É o caso do Cacá, com quem me encontrarei daqui a pouco. Marcamos para as oito horas. Falta pouco para ele chegar. Preciso desabafar com alguém. Tenho que contar o que estou sentido. É difícil reconhecer a falta que ele me faz. Como foi difícil também dizer-lhe que tudo estava terminado entre nós. Deixei-o sozinho no apartamento. Virei-lhe as costas pela primeira vez na vida. Ele permaneceu mudo. Não me disse uma só palavra. Não pediu para eu ficar. Talvez seja isso o que mais me incomoda. Porque dentro de mim, sinto que ele me chama de volta. Percebo que ele me quer. Meu orgulho, entretanto, não deixa espaço para arrependimentos. Sei que havia muitos anos que nossa convivência estava estremecida. Foi preciso que alguém dissesse que estava na hora de terminar. É sempre assim. Nossa mente sabe o que deve ser feito, mas é preciso que alguém dê o veredito. Foi o que aconteceu.

- Oi, amigo!

Era Cacá, batendo levemente em minhas costas e me estendendo a mão grossa e imensa. Sentou-se à minha frente e desembestou a falar como tinha sido seu dia de trabalho. O chefe o esfolara o dia inteiro. Estava pregado. Merecia um copo de cerveja bem gelada e muito repouso - segundo suas palavras. Notei a estratégia do meu amigo. O que ele queria era me distrair, evitar de tocar no assunto. Perguntou-me tantas coisas que parecia ter ensaiado cada uma das questões. Respondia-lhe monossilabicamente. Spock nos serviu. Há anos frequentávamos aquele bar. Spock era nosso garçon preferido. Sempre atencioso, prestativo, sorridente. E, o mais importante, nunca nos trouxe uma cerveja quente. Era a primeira cerveja desde que tudo tinha acontecido. "Um brinde amargo!" - propus a Cacá.

- Como está sendo?

- Foda.

- É. Quinze anos são quinze anos. Não dá pra esquecer de uma hora pra outra.

- Verdade.

- Mas tem que olhar pra frente. Vai ser melhor pra você.

- Melhor? - ironizei.

- Se acha então que não é, volte atrás.

- Não posso. O que está feito, está feito.

- Então não se torture. Não vai beber?

- Vou...

Tomei o primeiro gole. "Ah..." Geladíssima, como sempre. Pela primeira vez, sorri. Em seguida, olhei para a rua. O movimento ainda era intenso. Pessoas por todos os lados, carros, motos, caminhões, cachorros, pardais acinzentados pousando nos fios da rede elétrica, tudo se movimentando. Menos o meu olhar, que se fixou numa cena deprimente. Na parada de ónibus quase em frente ao bar, um rapaz de vinte e poucos anos, magricela, pouca barba, cabeludo, olhava para o relógio e para a esquina insistentemente. Parecia apreensivo. Provavelmente seu ónibus estava atrasado. Olhou pela última vez. Então tirou do bolso da camisa uma carteira de cigarros. Pegou um deles e colocou na boca graúda. Vasculhou os bolsos da calça, sem sucesso. Percebeu que o isqueiro estava no mesmo lugar que encontrara o cigarro. Era verde, o isqueiro. Uma, duas. Na terceira tentativa conseguiu acendê-lo. Foi aí que subiu uma fumaça rala, que a mim me pareceu formar um coração. A imagem do coração se desfez rapidamente. Voltei a mim.

- O que foi? - quis saber Cacá.

- Aquele rapaz, tá vendo? No ponto de ónibus...

- O que é que tem?

- Não consigo mais resistir, Cacá!

- Você tem que ser forte. Chegou até aqui, o que custa, o pior já passou!

- Mas ainda não tinha tomado cerveja, amigo!...

Não sou tão forte nem tão vencedor quanto imaginava. Pedi ao Spock que trouxesse um Marlboro. Fumei o primeiro. O segundo. A carteira toda. Meu sorriso reapareceu. Nunca mais vou me separar.
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