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Teses_Monologos-->História da Amizade pelo afeto não-normativo -- 23/04/2007 - 16:28 (Paulo Milhomens) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Podemos ver em instituições um esforço considerável por diminuir ou minimizar as relações afetivas. Neste caso, em particular, nas escolas. Quando se inauguram as escolas secundárias que acolheram alguns jovens rapazes, um dos problemas foi o de saber como se podia não somente impedir as relações sexuais, claramente, mas também em impedir as amizades.
(Michel Foucault)

A representação da sexualidade dentro de um quadro normativo, significa entendê-la como mecanismo de perpetuação ao poder constituído através do tronco pátrio-cristão-ocidental. Pelo menos enquanto elemento inibidor, repressor e socialmente recomendável. É exatamente aí, que os vínculos de amizade transpostos através dos tempos, recriam libações complexas entre um sexo e outro – gerando para a moralidade uma série de recriminações óbvias.

O conceito de amizade nas culturas ocidentais contemporâneas, abrindo preceito para codificações estáveis, é:

“Sentimento fiel de afeição, simpatia, estima ou ternura entre pessoas que geralmente não são ligadas por laços de família ou por atração sexual”.

No dicionário a qual transcrevi essa definição normativa (Aurélio Buarque de Holanda), não encontramos o vínculo entre amizade e desejo afetivo (o que nos caberia dizer a necessidade humana de coexistência entre afeto sexual e estima por camaradagem). Este trabalho objetiva demonstrar e discutir conceitos estabelecidos ao longo da História pela perspectiva da amizade, levando-se em consideração os núcleos entre mulheres e homens (ambos identificados e instituídos por um pudor sexista). Mas a princípio, não deveria haver preocupação aparente se houver uma ligação afetiva sexual nos parâmetros de Amizade X ou Y. Então, nos cabe outra pergunta? Em que momento histórico a amizade tornou-se um elemento restritivo, quase inexistente ou seletivo? A relação amizade por si só, factual. No entanto, observaremos ao longo deste estudo, que a amizade normativa foi construída para inibir a relação de gêneros, embora essa discussão seja mais recente. O poder constituído (instituições sociais, o controle jurídico e familiar) tornou-se regulador e monolítico, à medida do refreamento de determinadas práticas sociais ligadas aos atributos da amizade. O discurso do poder científico (medicinal e clínico) serviu para designar e estabelecer critérios para normalização, efetivando uma restrição natural aos modelos conseqüentemente reformulatórios dessas mesmas práticas, desconsiderando a inatingibilidade do tempo. “Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. O conceito defendido pelo naturalista Lavousier não é menos pragmático. Ao passo que as mulheres desenvolveram estratégias criativas2 – por serem excluídas politicamente e socialmente por séculos – diferenciadas dos homens, isto requereu (e ainda requer) uma formulação de códigos puramente exclusivos no universo feminino, encontrando na relação da amizade um mecanismo de sobrevivência e contestação no século XIX. Ao passo classista da sociedade ocidental, largo nos sistemas de exclusão de um gênero sobre outro, verificamos o surgimento dos núcleos de favorecimento (locais freqüentados apenas por pessoas do sexo masculino e a subdivisão das mulheres em grupos específicos para inter-relações) fora do contexto, funcionalismos estruturados pelo padrão patriarcal, com as devidas repartições ideológicas preconizando os papéis sexuais. Neste caso, avaliamos círculos de amizade majoritariamente masculinos e femininos instituídos há pelo menos seis séculos dentro das mudanças da civilização. A particularização da amizade permitiu – do foco masculino que a criou – perfis comportamentais não discutíveis3 em certas épocas da humanidade, como o homoerotismo e o lesbianismo. Essa afirmação histórica não permitiu a relação entre os dois gêneros, menos ainda, a inversão dos papéis sexuais respectivos nestas sub- culturas.


Entre o meio termo (ameaça sub-histórica)

A sustentabilidade histórica da afeição recíproca, não deve ser pertinente ao poder político. Sua afirmação enquanto elemento simpático entre pessoas, deve ser limitado por regras, assegurando a legitimidade da supremacia sexual estabelecida. Neste caso, a identidade sexual figura como a co-relação entre liberdade e proibição. Essa definição científica vai de acordo aos princípios morais do cristianismo ocidental, levando-se em consideração o núcleo familiar construído nos arquétipos da união sexual oposta, apoiados na perspectiva exclusivista do sexismo masculino, onde as potencialidades femininas são largamente limitadas. Toda essa organização foi pensada de modo a assegurar o continuísmo institucional da força nas práticas de gênero. Essa estrutura de relações possibilitou o desenvolvimento do afeto não-normativo nos bastidores da vida privada. Se a amizade implica uma descoberta do prazer, este último deve ser evitado. Todas as características sociais relacionadas à amizade tradicional não podem correr o risco da mudança. Aliás, amizade não-normativa significa estabelecer círculos de relacionamento fora dos trâmites religiosos e cientificamente diagnosticáveis. Construiríamos desta forma, laços de estima mais próximos do que acreditamos ser a verdadeira felicidade?

A própria idéia da felicidade (amizade + organização social + desenvolvimento do afeto ao longo da vida) também sofreu apropriações, mitificando e reforçando os papéis sexuais através de crenças e valores históricos, na qual chamamos tradicionalidade.

Desta forma, as relações de reciprocidade normativa impossibilitadas durante séculos, dificultaram a formação de ambientes sociais onde os dois sexos (enquanto identidade institucional) pudessem estabelecer vínculos afetivos capazes de aproximar pessoas interessadas em manifestar a real necessidade de seus desejos (já prontamente formulados) a uma prática de amizade diferenciada, ampla e complexa. Com a segmentação destes círculos, o microcosmo da História da Amizade Feminina absorveu qualidades patriarcais, tratando de criar a disputa afirmativa no poder político entre mulheres. Ou seja, como resultado direto deste aspecto cultural, as mulheres passaram a competir entre si nos contextos onde houve uma intervenção maior do feminismo ocidental. Ao passo que a personalidade feminina ganha corpo em vários campos da sociedade (ciências, artes, política, etc.), com vigor na década de 19704, essa dignificação sofreu divisões internas no próprio gênero, desestabilizando até certo ponto, sua permanência enquanto mulheres e a reaproximação – ou repetição – práticas sociais masculinas detentivas, impostas por estes através da força física ao longo dos séculos.

Entendemos que a história da amizade é o laço preponderante na construção de saberes sensíveis, experiências e convivência entre as pessoas. Esse breve texto permite uma constatação assemelhada com trabalhos de outros estudiosos: existe uma relação entre o poder e a amizade aquém dos nossos credos empíricos sobre o tema. A política de favorecimento entre gênero, grupo social, valores religiosos, ainda está por ser discutida em dimensões apropriadas através de outros temas históricos.



1. Paulo Milhomens é Licenciado em História pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).

2. Verificamos o percurso homoerótico entre mulheres como sustentação das práticas afetivas de prazer inexistentes no universo masculino ao longo da História. A prisão feminina, permitiu a superação do sexo nas entrelinhas, posteriormente ocupando espaço político decisivo nos movimentos emancipatórios das mulheres nas décadas subseqüentes. Este estudo está bem representado na obra de Manuela Ivone P. da Cunha.

3. Conforme estudos do filósofo Foucault, a amizade tornou-se um problema social a partir do século XVIII. Não havia nenhuma implicação social na amizade entre dois homens, independentemente de relação sexual. Como o desaparecimento da amizade enquanto relação culturalmente aceita, a questão foi colocada: “o que fazem dois homens juntos?”. O problema aparece enquanto instrumento regulador do poder institucional e permanece, influenciando inúmeros campos da ciência a esse respeito. Ver:. Michel Foucault, an Interview: Sex, Power and the Politics of Identity; entrevista com B. Gallagher e A. Wilson, Toronto, junho de 1982, traduzido em português por Wanderson Flor do Nascimento.Ver:. http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/.

4. A década de 1970 é o resultado de ações políticas da chamada contra-cultura durante a Guerra Fria, com o fortalecimento dos Movimentos Sociais em todo o mundo, como resposta às iniciativas bélicas e classistas mantidas durante o pós-Guerra.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARIÈS, Philipe; DUBY, Georges. História da vida privada: da Revolução à Primeira Guerra. São Paulo: Cia das Letras, 1991.
CUNHA, Manuela Ivone P. da. A prisão feminina como ‘Ilha de Lesbos’ e escola do crime’: discursos, representações, práticas. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 1991.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1970.
FOUCAULT, Michel. An Interview: Sex, power na the politics of identity; por B. Gallagher e A. Wilson, Toronto, junho de 1982.
FOUCAULT, Michel. An Interview with Stephen Riggins. Toronto, 22 de junho de 1982. Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994.
STOESSINGER, John G. O poder das nações. São Paulo: Cultrix, 1978.
TOYNBEE, A.J. Helenismo, história de uma civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1960.

Fonte virtual:
http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/

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