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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->51. RECONCILIAÇÃO -- 13/07/2002 - 04:36 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Fernando trouxe Dolores para casa, antes de ir à loja. Não conversaram durante o trajeto. Enquanto Dolores se calava para não dar oportunidade ao marido a comentários desairosos, este queria reaver as mensagens, peças fundamentais, conforme julgava, para o convencimento de Maria a respeito da vida e do interesse do plano espiritual pelos encarnados.

— Por favor, querida, você pode mostrar onde estão os papéis?

Sem responder, Dolores foi ao escritório, apanhou o livro e entregou as folhas. Desejava lembrar-lhe as promessas do abandono daquela superstição e de voltar a freqüentar a Igreja. Mas não queria correr riscos de reprimendas. Apenas fechou o cenho.

— Muito obrigado! Você verá que foi por puro amor que se escreveram estas comunicações.

— Você vem para o jantar, não vem?

— Claro! Ou está pensando que pretendo ir ao Centro? Só voltarei para lá com seu consentimento expresso. Para mim, tudo o que aconteceu na casa da comadre não vai alterar em nada a minha determinação de atender você.

— E para que está querendo ficar com esses papéis? Está com medo que eu ponha mesmo fogo neles?

— Se você quiser saber a verdade, tenho medo, sim. Estas comunicações têm relação com a vida de outras pessoas. Leonel se interessa por conservá-las. Você sabe disso. E os ensinamentos...

— Veja que não vá perder a hora. Estão esperando por você na loja.

— Adeus, querida. Providencie uma janta bem gostosa.

— Com carne ou sem carne?

Fernando entendeu o desafio. Quase ia respondendo: “Do jeito que o Timóteo gosta”. Mas calou o desaforo:

— Pode ser sem carne. Mas não vou dispensar um bom copo de vinho italiano. Peça para Letícia pegar na adega e resfriar na parte de baixo da geladeira. Até a hora do jantar, vai estar no ponto. É melhor pegar duas garrafas, uma do tinto e outra do branco.

— Parece que você está querendo festejar. Com tudo o que aconteceu hoje.

— Vou festejar mesmo. Vou comemorar e “bebemorar” a sua volta ao lar. O seu retorno para mim.

Nenhuma palavra agressiva. Nenhuma lembrança constrangedora. Nenhuma resposta à altura das provocações. Dolores estava estranhando o marido.



Às sete horas, chegava de volta. Vinha carregando grande maço de rosas vermelhas. Notara que as flores de casa não estavam igualmente apresentáveis. Depois, o trabalho de colher tinha sido feito por José e a arrumação por Letícia. Não tinham o calor de seu sentimento, não falavam do júbilo de sua alma.

Antes de sentar-se à mesa, tomou banho, perfumou-se, colocou calças pretas, camisa branca de seda e cobriu-se com seu robe de fina cambraia verde, em tom pastel. Garridamente, à portenha, amarrou um lenço branco ao pescoço. Parecia muito desajeitado. Desacostumara-se a fazer a corte à esposa. Nem se recordava quando fora a última vez que se preparara exclusivamente para ela.

Ao adentrar a sala de jantar, foi surpreendido por esplêndida arrumação. O jogo de porcelana inglesa mais fina, acompanhava-se dos cristais da boêmia e da baixela de prata. As rosas vermelhas, em jarra chinesa, ao centro, sobre o branco rendado da toalha.

Dolores trajava simples vestido de noite, sem adornos. Preparara o toalete para a festa de formatura do afilhado. Não se animara a colocar nenhuma jóia. Avivara os olhos com leve sombra lilás, contornando de rímel os cílios, para ressaltar os olhos azuis. Carminara os lábios discretamente. Escondia o sofrimento da tarde. Retribuía as atenções do marido, reconhecida.

O jantar teve a leveza do creme de aspargos, o aveludado da batata gratinada na manteiga, o picante da rúcula avinagrada, a ligeira maresia do camarão empanado, espicaçado por molho tártaro, a delicadeza do pudim de claras. Os vinhos, de acordo com a prescrição: o branco, seco, bem gelado; o tinto, maduro, apenas resfriado.

Dolores fez Letícia colocar o uniforme dos dias de festa. A cada volta à cozinha, eram lágrimas que se enxugavam e agradecimentos a Jesus.

A conversação girou sobre os eventos do dia. Destaque absoluto para o sucesso das vendas. De passagem, Fernando falou sobre a visita ao pai. Testemunhou a pobreza das instalações em que viviam. Manifestou o desejo de acomodá-los melhor.

Dolores reagiu bem. Aconselhou que fizesse isso mesmo. Tanta benemerência para a comunidade e nada para os familiares. Lembrou-se da mãe. Estava feliz com o segundo marido. Não obstante, caso precisasse, iria ampará-la.

Utilizavam o melhor que podiam o vernáculo. Davam à linguagem aquele mesmo toque de luxo. Esmeravam-se.

— O café será servido na sala de estar.

Sobre a mesa, ao lado do poltrona preferida do marido, a caixa de charutos, o cinzeiro de ágata adornada em alto relevo e o acendedor multicolorido, com motivos gregos. Fernando não fumava, porém, em certas ocasiões, fazia tipo de galã hollywoodiano. A iluminação por conta do abajur de pedestal.

— Quer que ligue a televisão, querido?

— Se você não se incomodar, prefiro que conversemos. Acho que temos assuntos pendentes.

— Como quiser.

Letícia entrou com a salva de prata. Porcelana chinesa, antiga, raríssima.

— Senhor Fernando, deseja açúcar ou adoçante?

— Puro, por favor.

— Pois não!

Enquanto o café era entornado na xícara, Fernando pensava em que sempre poderia ter sido assim. Será que enjoaria? Será que a ambientação emotivo-sentimental persistiria, caso o relacionamento se desenvolvesse no sentido do aconchego amoroso, espiritual?

— Dona Dolores, posso deixar as taças para o licor?

— Ponha sobre a mesa, que eu mesma sirvo. Letícia, você está dispensada. Cuide de tudo na cozinha. Amanhã, pretendo levantar cedo. Café às seis. Boa noite.

— Boa noite, Senhora. Boa noite, patrão.

— Muito obrigado, Letícia. Esteve tudo impressionantemente ótimo. Durma bem!

Antes de sorver o café, Fernando tirou pequeno embrulho do bolso, enfeitado com florzinhas de imitação, mimosíssimas. Papel vermelho metálico, fita amarelo-pálido.

— Aceite, Dolores, uma recordação deste dia.

Apanhada de surpresa, a esposa não sabia o que dizer. Abriu o embrulho quase trêmula. Dentro da caixa, repousando sobre algodão cor-de-rosa, anel com esmeralda, engrinaldada de minúsculos diamantes. Uma jóia rara. Belíssima.

— Para reafirmar nossa união.

Antes que Dolores pudesse reagir, Fernando a abraçou, envolvendo-a pela cintura, depositando-lhe na testa tímido beijo. Era um novo oferecimento de vida. Era a reintegração do casal nas lutas comuns da existência. Em gesto de respeito, tomou-lhe a mão esquerda, beijou-a e introduziu-lhe o anel no mesmo dedo da aliança.

A longa agonia emotiva do dia culminava com demonstração inesperada de carinho, de amor. Sua capitulação ultrapassava os limites que lhe impusera a esposa. Reatariam os laços afetivos, mas em que bases?

Fernando enxugou as lágrimas, voltou à poltrona, apanhou a xícara com a mão direita, mantendo o pires com a esquerda. Descobrira um jeito de postar-se com naturalidade. Não queria deixar entrever que se emocionara profundamente.

Dolores puxou a cadeira para perto da poltrona.

— Posso acender-lhe o charuto?

— Deixe aí, querida. Não pretendo fumar.

Dispensou também o licor de avelãs. Estava absolutamente sóbrio, apesar do vinho. Dolores mal tocara neles.

— Querida, precisamos conversar sobre a nossa vida. Vamos fazer planos, pois não quero resvalar de novo para zonas muitíssimo perigosas. Acho que me safei por muito pouco de cometer atos realmente insanos. Estou referindo-me às más companhias do pôquer, das corridas, das boates. Não vou me confessar para padre nenhum. Nem quero ficar expondo-me às sutilezas interpretativas do psicanalista. Quero que você seja minha mulher, integralmente, na medida em que me aceitar para marido. Pensei muito sobre nossa desinteligência. Vamos reerguer o casamento. Não quero forçá-la a nada, como lhe disse de manhã. Pretendo, porém, sentir-me plenamente feliz ao seu lado. E isso só alcançarei, se você também estiver feliz. Vamos pôr de lado as questões religiosas. São muito importantes, eu sei, mas estavam causando a separação. Não quero prosseguir sem ouvi-la a respeito dos seus sentimentos. Peço-lhe, de novo, humildemente, que me perdoe.

Dolores não estava acostumada a tanta sensibilidade. Enquanto viveram sob o manto do catolicismo, nada havia para exporem um ao outro. Abalada a fé do marido, parecia-lhe que os valores ganhavam outros contornos, outra contextura moral, espiritual. Não sabia definir direito as sensações. Lembrava-se de seu ódio pela rejeição à crença, à Igreja, ao Padre Timóteo... Mas que fizera o marido de mais? Procurara outro caminho. Não analisara as razões dele. Agira sob o influxo das chamas infernais. Tivera muito medo. E agora o representante de Deus...

— Tudo que lhe disse hoje cedo, Fernando, mantenho. É preciso que nos compreendamos melhor em nossos anseios mais íntimos. Se você verdadeiramente me ama, vai saber que deverá demonstrar em cada ato, em cada palavra, em cada intenção. Não estou bem disposta por causa da surpresa que Timóteo e Maria proporcionaram. Sinto-me profundamente envergonhada. E bastante desiludida. Contudo, não acho que isso vá mexer com minha fé.

Dolores falou rápido. Intimamente, ato reflexo, nada queria ficar a dever à eloqüência do marido.

— Quer saber minha opinião sobre esse relacionamento inconseqüente?

— Desde que não ofenda...

— Fique tranqüila. Eu acho que cada pessoa deve cuidar de sua vida. E de seus entes queridos. Acima de tudo, deve honrar a Deus, por seu ato criador. Isto quer dizer que temos muita coisa para aprender. E estamos desenvolvendo-nos. Aos poucos, vamos assimilando os conceitos evangélicos, vamos entendendo as lições de Jesus, vamos praticando o bem, segundo as leis cósmicas, tornando-nos cada vez mais perfeitos. Não nos pediu o Mestre para sermos perfeitos como o Pai? Não nos disse que somos deuses? A nossa fase atual, todavia, é de bem pouco adiantamento. Você pode estranhar o que vou dizer, mas entendo que uma vida só é muito pouco para isso. Sair daqui e adentrar o Paraíso, pela graça de Deus, sem conhecer as noções básicas da obra apostólica em prol da humanidade, será ficar lá, sem compreender patavina do que se passa. Vamos crescer espiritualmente, primeiro, para, depois, almejar ser reconhecidos pelo Pai. Isso não depende de religião, seita ou culto. Depende da compreensão da vida. Depende de se limpar a consciência, mente e coração, de todos os vícios, de todas as malícias. A aquisição definitiva das virtudes é que nos mostrará o caminho para Deus.

Dolores não sabia de onde tinham vindo todos aqueles conceitos. A verdade é que Fernando estava transfigurado aos seus olhos. Se lhe tivesse falado assim antes, teria permanecido apaixonada a vida toda. Não tinha muito o que dizer, mas revelou sua mais sutil preocupação:

— E se um de nós for arremessado no Inferno?

— Posso fazer uma brincadeira? — E, sem transição: — Estaremos, obviamente, em muito boa companhia. As mesmas que tivemos nos últimos anos: Jeremias, Timóteo, Maria...

— Não espezinhe a nossa dor.

— A verdade é essa mesma. O Inferno foi criado por Deus para todas as criaturas. Não lhe parece coerente? Só que não é um lugar para penas eternas. Está situado na consciência culpada, principalmente de quem não pretende convictamente se arrepender. A base católica está muito certa. Mas os padres puseram medo nos corações, utilizando as chamas infernais para o efeito. Esqueceram-se de que essas mesmas labaredas poderiam atingi-los. Não foi assim durante a Inquisição, em que os maiores crimes foram praticados pelos sacerdotes? Não os sinceros, os devotados, os respeitosos dos mandamentos de Deus. Aqueles que desejavam dominar o mundo. Eu não conheço muito bem esses assuntos. Por isso é que lhe pedi para poder continuar estudando. Tudo o mais, deixo a seu critério.

Dolores não tinha mais Timóteo para dar respostas em seu lugar. Não obstante, nunca ouvira Fernando falar com tamanha propriedade. Deveria estar falseando algum ponto da argumentação. Não conseguia acompanhá-lo para refutar. Fernando prosseguia:

— Se o Catolicismo reproduzisse o Cristianismo primitivo, aquele que levava os fiéis às arenas, certamente outros seriam os tempos e os costumes.

— Fernando, estou caindo de sono. Vamos dormir? O dia foi extremamente penoso. Sinto minhas costas doloridas. Uma forte pressão no pescoço. Estou com dor de cabeça. Vamos deitar. Se você tiver mais alguma coisa para dizer, diga na cama.

Dolores apanhou Fernando pela mão e conduziu-o até o quarto. Era ato inédito no relacionamento do casal. Aquele entrelaçar de dedos selava a reconciliação.

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