- Ontem fui em quem pegou, tá lembrado? Tó com uma fominha...
- Trabalhei o dia inteiro, né paixão?
- As crianças não pararam um segundo. Fiz faxina. Feira. Sabe quanto tá o preço do tomate?
- Nem imagino. Tá caro?
- Minha nossa... ah, vai lá, vai? Tá no comercial.
- No próximo eu vou. O Roberto foi despedido.
- Jura?
- Discutiu com um cliente e o Paulão não perdoou.
- Coitada da Verinha. O Roberto já era mau humorado trabalhando. Imagine agora desempregado. Ele não tinha comprado um carro zero?
- Financiou. Quero ver como vai pagar. É por isso que eu prefiro ficar com minha jabiraca velha. Dívida? Nem pensar. A gente nunca sabe o dia de amanhã.
- Tá escutando?
- O quê?
- O ronco do meu estómago. Pega lá, mó...
- Tá bom. Só mais um pouquinho, eu juro!
- Tem que comprar um tênis novo para o Fael.
- Outro? Esse moleque come tênis? Assim não dá!
- Você sabe como são essas crianças. Acho que eu mesma vou pegar o maldito pacote de biscoitos...
- Calma, querida. Já te disse que vou buscar no próximo comercial.
- Sei, sei... Todo dia você fala a mesma coisa. Amanhã é feriado, meu! Falar nisso, você vai me levar à casa da Maria Rosa.
- Cê tá brincando! Naquele fim de mundo? Nem a pau, pode esquecendo!
- Deixa de ser preguiçoso, mó! Em uma horinha a gente chega lá. Preciso ajudá-la com as coisas da festa. Prometi, tenho que ir.
- Eu queria dormir até as 10 e você me apronta essa? Tó cansado, pó! Imagina só a gente pegando a Dutra de manhã, num feriado, o sol ardendo sobre nossas cabeças, as crianças pedindo para parar toda hora pra fazer xixi, você querendo ouvir música sertaneja, os viados dos outros carros buzinando a todo momento... Deus me livre! E tem outra coisa: é uma hora e meia. No mínimo.
- Cadê os biscoitos?
- Pega lá!
- Puta que o pariu, Otávio Augusto! Você tá parecendo um bicho-preguiça.
- O biscoito ou a Maria Rosa. Escolhe.
- Isso não é justo!
- Escolhe.
- Tá bom, tá bom. Tó indo pegar. Quer alguma coisa lá de baixo?