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Artigos-->TRANSPOSIÇÃO, A FALSA SOLUÇÃO -- 21/04/2000 - 17:06 (comissao pastoral da terra bahia/sergipe) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CPTs DO NORDESTE DENUNCIAM:

TRANSPOSIÇÃO É FALSA SOLUÇÃO

Somos 48 agentes de pastoral - agricultores e agricultoras, religiosas, assessores e sacerdotes - reunidos de 3 a 12 de abril, na Ilha de Itaparica - Bahia, para a Etapa Nordeste do Encontro Nacional de Formação da Comissão Pastoral da Terra - CPT. Como era de se esperar, a polêmica atual sobre a transposição do São Francisco esteve presente em nossas discussões. O assunto foi tratado em sessão especial, em que trocamos idéias, dados e informações, a partir de nossas experiências nos diversos estados do Nordeste. Queremos compartilhar com o povo nordestino, especialmente os trabalhadores e trabalhadoras rurais do semi-árido, as Igrejas e entidades afins, as conclusões desta nossa conversa.

Constatamos que o Nordeste, tantas vezes afeito ao discurso único do regionalismo reivindicativo, desta vez está dividido. O "rio da unidade nacional" está se tornando o "rio da discórdia nacional"! Com pesar e preocupação, vemos que prevalecem argumentos que confundem as consciências, até mesmos as que se esperava fossem mais esclarecidas. Por trás estão motivações que não são as mesmas de todos os que defendem, nem de todos os que combatem o projeto da transposição. As lideranças dos estados ribeirinhos, sabemos que não seriam contra, se as águas fossem transpostas para suas próprias terras… O pior, porém, é que os setores populares se enfraquecem comprando como sua uma briga que é das elites de sempre, com os interesses de sempre.

Do modo como o debate tem sido feito - intencionalmente, com certeza - parece que os privilegiados que têm o benefício das águas do rio não querem partilhá-las com os que não teriam água nenhuma. Ficam alegando as más condições do rio, que não souberam zelar, para evitar uma transposição que seria plenamente possível e necessária… De outro lado, os estados ribeirinhos acusam os potenciais beneficiários da transposição de ignorarem a situação de agonia em que se encontra o Velho Chico e a urgência ainda maior de um projeto para revitalizá-lo. O tom afetivo e emocional das posições torna este debate um diálogo de surdos. Os aspectos técnicos não são vistos com objetividade, mas como tendenciosos. E questões de fundo, determinantes para soluções verdadeiras, ficam obscurecidas, em prejuízo do povo que vive na pele a seca, sem condições de viver as potencialidades e vantagens do semi-árido.

Como CPT no Nordeste, temos contribuído decisivamente, junto com outros entidades e organizações, para a criação de uma nova mentalidade a respeito do que de fato é a seca e quais suas verdadeiras soluções. E podemos dizer que aí se opera uma verdadeira revolução do pensamento e da prática. Não falamos mais em "seca", mas em "semi-árido", que tem também tem seu período chuvoso, ainda que irregular. Nem falamos mais em "combater a seca", mas em "conviver com o semi-árido", o que implica em tirar proveito do clima, sabendo aproveitar das chuvas e da estiagem, das plantas e animais apropriados, prevenindo-se para o período seco.

A água das chuvas, por exemplo, numa média de 500 mm por ano, é suficiente para o consumo humano, se acumulada adequadamente em cisternas na biqueira dos telhados - temos comprovado na prática. Se aumentarmos a capacidade de captação em barreiros e pequenos açudes, em barragens subterrâneas, etc., podemos dispor de água suficiente até para o uso animal e agrícola. A captação de água de chuva, aliada à recuperação de mananciais, será a solução para o déficit hídrico do próximo milênio, concluiu o recente Congresso Internacional de Captação de Água de Chuva acontecido em Haia, na Holanda. A caprinocultura, com um mínimo de manejo adequado, tem se revelado mais capaz de gerar renda para as famílias do que a lavoura tradicional e o gado. Os povos que vivem nas regiões temperadas do planeta aprenderam a se preparar para o frio e a neve. Também podemos e estamos aprendendo a viver no semi-árido mais chuvoso e populoso do planeta, que é o Nordeste brasileiro.

Aliadas às tecnologias alternativas e muitas vezes a partir e através delas, temos desenvolvido iniciativas político-pedagógicas que, não só desvendam os mecanismos seculares da dominação dos velhos e novos coronéis, mas também mobilizam a população para superá-los. Crescem as organizações sindicais e associativas, comunidades eclesiais de base, roças comunitárias, grupos de comercialização, cooperativas de crédito, cursos de capacitação e gerenciamento, ocupações de terra e assentamentos de reforma agrária, candidaturas populares, planos de desenvolvimento locais e regionais, projetos de lei de iniciativa popular, etc. Continuamos acreditando na organização e mobilização do povo, único e verdadeiro jeito de resolver o secular "problema do Nordeste". Aí, devagar, vão sendo vencidas as cercas do latifúndio e todas as cercas que impedem a cidadania plena e consciente dos sertanejos e sertanejas. E já não aceitamos mais a idéia do flagelado mendigando esmola do Sul-Sudeste ou trocando voto por carro-pipa ou passivo à espera de grandes e mirabolantes obras como tantas já feitas… Estes avanços, conseguidos a duras penas, em decênios de trabalho educativo, possibilitam vislumbrar um novo Nordeste sendo construído a partir dos de baixo.

Diante disto, como encarar a idéia de um mega-projeto de transposição de águas, a um custo público de 3,5 bilhões de reais, patrocinado por empreiteiras e senhores de terras irrigáveis e currais eleitorais e empresas de fruticultura para exportação? Um projeto que mal esconde a mentira de uma água impossível (3% do rio) que não daria para irrigar 223 mil hectares e ainda matar a sede de uma população de sete milhões de habitantes, que desavisada pensa que será beneficiada? Um projeto que, há mais de 150 anos, tem sido moeda de troca no balcão dos negócios de poder, quase sempre em épocas eleitorais?

Denunciamos como mais uma fraude que se comete em nome da "seca" e do regionalismo nordestino interesseiro, atrasado. E um revés muito grande na caminhada popular pela sustentabilidade política, econômica, social e ambiental do Nordeste.

Preocupa-nos, sim, a situação em que se encontra o rio São Francisco. Aqueles de nós que vivem e trabalham em seu vale são testemunhas insuspeitas do avançado estado de destruição do velho rio, suas nascentes e afluentes. As causas principais são o desmatamento, que provoca desbarrancamento e assoreamento; as barragens, que impedem o curso natural; a poluição urbana e industrial; e a irrigação que retira e envenena as águas com agrotóxicos e saliniza os solos. A falta de uma gestão integrada e disciplinada dos multiusos do rio só agrava este quadro. A poucos metros das barrancas, a sede e a fome atestam que águas perto não resolvem a miséria do povo. Em agonia, o rio é que precisa de "um gole d água", de um projeto que o recupere e revitalize, um projeto verdadeiro, não uma promessa para fazer passar a transposição.

Fosse viável técnica e politicamente a transposição de águas do São Francisco para matar a sede do povo nordestino, seríamos os primeiros a defendê-la. Estamos a combatê-la porque é uma falsa solução para um falso problema. Por que antes não democratizar o acesso aos reservatórios públicos e privados construídos com dinheiro público, água que mais evapora do que se aproveita? O problema do Nordeste não é só nem primeiramente hídrico, de águas que não se têm. É antes de tudo questão de controle do poder, em mãos dos donos de terras, águas e gentes. A pergunta que fazemos é: quem vai se empoderar, aumentar poder, com a transposição? Se não são os pobres, não é solução para eles, ao contrário, é mais problema que terão.

Com humildade, fraternalmente, alertamos às lideranças populares, em especial, a nossos pastores. Não vamos esquecer tudo o que já aprendemos, abandonar o caminho que temos trilhado e nos enche de verdadeira esperança. O Evangelho nos ensina a ser "simples como as pombas e espertos como as serpentes" (Mt 10,16).



CPTs Regionais do Piauí, Ceará, Nordeste 2 (Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas) e Bahia/Sergipe.



Ilha de Itaparica, 12 de abril de 2000.

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