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Contos-->As três moedas do meu silêncio -- 21/01/2002 - 14:43 (Leonardo de Oliveira Teixeira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
As três moedas do meu silêncio


(O Conto "As três moedas do meu silêncio" foi escolhido como o segundo melhor a participar da coletânia "LUZ E SOMBRA", resultado do "VIII Concurso Internacional Literário de Primavera", realizado em São Paulo, em 11/12/01 com mais de 1350 trabalhos, dentre contos, poesias, crônica, teatro e conto infantil. Foram participantes os países: Brasil, Argentina, México, Portugal, Peru, Espanha, Áustria e Colômbia. )



As horas não fazem diferença alguma. Uso relógio, mas não o olho, por ser ele apenas uma pulseira para ilustrar a radiante decoração da minha vaidade. No fundo da taça de vinho mergulho meu insóbrio corpo, num suave e gradativo entorpecimento. Componho olhares e verbos de saudade do que ainda sou neófito. De gole a gole me afundo em uma salgada agonia. Mas a memória é um laço que me faz emergir desse rio de lágrimas, onde navego numa canoa de devaneios e carrego à proa um coração partido, levemente sufocado, profundamente atingido por balas do canhão da vida. Durante esta viagem carrego o peso de fatos que forçam como o raio, brilhando o escuro porão longínquo da memória. A imagem de um sofrido amor esmaece como a bolacha de farinha nas salivas intrigantes da minha boca. Antes que eu perceba, entorno litros de álcool, esvaziando as festivas garrafas que me deixam atormentado, inconsciente do risco que passo. Descontrolado, imagino em sinuosas linhas retas, caixas que guardo minhas largas mágoas. A vida fechou todos os portões do labirinto. Não encontro as esperançosas saídas. Nem por baixo, nem por cima. Endeuso e saúdo a taça, como se dela dependesse minha cura, esperada salvação, tornando-me o herói lírico na sobrevivência desta guerra cruel. Ampla ou estreita vivência ?
Só percebo a noite, que é uma criança serelepe, curtindo com a minha cara, quando cambaleio aleatoriamente até a janela, erguendo um espaço pequeno entre os feixes da persiana, onde vejo o mundo, o elo entre a vida lá fora e minha vivência aqui dentro. Fecho esta porta de ligação, que conecta cenas noturnas de casais que andam de mãos dadas, sem perceber que um poste pode separá-los. Tais imagens rechaçam minha retina, causando um impacto interior voluptuoso. Saio da janela que espia os não mais constantes barulhos dos carros que passavam durante o dia, impregnando a fumaça nas vidraças, dando um ultimato para que as janelas não possam observar seus passos. Não almejo a quietude vazia lá de fora. Por isso, adentro na penumbra do meu quarto, parando de tagarelar balbúrdias sozinho, esbarrando em objetos que nem faço idéia de estarem ali, me esperando passar para entrar no meio de minhas pernas tortas e macias, fazendo com que o duro e gelado chão cole em toda a frente do meu corpo, causando lesões que, por estar anestesiado, não sinto. Supero os obstáculos, escalando até o topo da minha cama letárgica.
Para ligar o abajur, derrubo objetos sem importância no chão. Descubro uma garrafa de vinho como se fosse o tesouro mais valioso, escondido na mais vasta e exótica ilha perdida. Entorno o líquido como uma cachoeira. A taça atrai minha boca como se fosse ímã. O caldo desce quente como carícias e afagos suspirados de uma noite inesquecível. O alívio parece nunca chegar. Falta a sensação do já satisfeito. Reclamo graves palavras e sons inteligíveis. Me canso destas reles palavras de vil coragem. Pressiono um papel a ficar quieto no meu colo, por cima de um caderno velho e farto de minhas sílabas. Manejo futilmente a caneta, que vai formando as curvas de minha letra hostil, sobre este papel branco e vazio, ainda rústico, nem cortez nem indelicado. E me imagino um grande e denso papel. Antes as palavras de mim saíam, como um flutuar de bolhas de sabão, como os pingos de água numa terra seca; as palavras, como as abelhas, têm mel e ferrão, dói minha alma, começo a escutar o que não foi dito. Agora as palavras adentram-se, avolumam-se, debatem-se em cada veia que me circunda. Algumas delas se libertam e correm pelo papel, alcançando suas moradias, construindo seus caminhos, manifestando suas preces, fazendo suas obras. Há palavras que insistem em ficar presas, trancafiadas com a máxima proteção e cautela, outras descarrilham com o próprio sangue, tingindo o ermo papel branco. Embalado pelo cântico dos ventos, que fazem das persianas um coro bem ensaiado. Na outra janela as cortinas são as bailarinas que acompanham e dançam levemente, numa sincronia inconstante, inspirando meu silêncio, incentivando minha caneta a expelir palavras de frustração pela traição de meu ex-melhor amigo, que furtou de mim minha companheira preciosa e omissa. Minha mão áspera explode em sintonia do eterno clímax da ópera dos ventos. E um alívio sôfrego me acalma, de uma dor que finge existir, de uma saudade feita apenas de ausência. As horas já se configuram em tormentos, desmedidos, anacrônicos. As palavras descobrem o pano, retirando a máscara que mostra o vazio. Elas definitivamente já estão fartas da minha escrita insistente, enrijecendo as mesmas veias que tentam circular o sangue da minha corrente alcoólica, elaborando o plano macabro. Se uma palavra vale uma moeda, o silêncio, duas, então mereço três, calando-me intensamente. O mundo pára. Cessa a ventania. As venezianas ficam mudas. As bailarinas se vão, dando lugar a caretas e formas destorcidas. O silêncio levanta meu corpo. Consigo abrir uma velha caixa escondida no armário. O ciumento e nervoso revólver me olha, notando o meu delírio. Saio de casa empurrado pela minha embriagues, entranho no breu com a risonha arma em punho, corto o frio com o gelo do corpo e aperto bem forte a campainha freneticamente, como se houvesse cola em meu dedo. A porta se abre. Levanto a mão traiçoeira e carregada, como se fosse cumprimentar e dizer “Boa noite, quanto tempo!” Uma bala grita, despedindo-se das demais. E com ela vai o amigo ladrão, sem tempo de se despedir da vida. Dizem que a vingança rouba a dignidade do homem, então surrupiaram-me as três moedas, salário do meu silêncio. Corro sem saber para onde ir, despistando os ventos que tentam me puxar de volta. Dizem também que a bebida é o demônio engarrafado. Então lidero com tridentes esta corrida infernal...

Léo Teixeira
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