A moça que veio me receber no aeroporto, com um cartaz na mão com meu nome nele, era alta, esbelta, de uma magreza esculpida em academia. Sorridente, foi caminhando ao meu lado, num passo acertado por personal trainers , não movendo os joelhos, mas deslocando as pernas desde os quadris. (Já li sobre isto, nunca pratiquei, pois não tenho futuro na passarela, já sei.)
Muito delicada, a moça - pensei. Uma doçura, tão cedo a vir me buscar no aeroporto, a mando de algum ou alguma chefe que ainda deve estar tomando seu café no calor do seu lar, etc. - Caminhamos em direção ao estacionamento. O carro cedido pela companhia estava lá. Ao nos aproximar do carrão, a moça teve um choque. - Bateram! Bateram nele! Amassaram ele! -
Eu vi, a porta do lado do volante estava amassadíssima. Alguém tinha realmente encostado ali com força bastante para afundar a lataria. Um desastre anônimo. A pessoa responsável fugira, claro.
A linda moça, artística nos seus meneios, delicada e de vozinha adocicada, virou uma fera.
- Eu tirei o carro sem pedir licença! Eu tirei o carro sem ordem. E agora, e agora! Vou ter de pagar o estrago. - Quem foi o desgraçado que fez isto! - E, nervosa, aos gritos, deu uma ou duas voltas pelo carro. Eu, ali, maleta no chão, estatelada. Não pelo rombo no carro, mas pela transformação incrível e insuspeita da moça. De delicada, sinuosa, quase silente na sua vozinha sussurrante e atenciosa, virou um chicote. Brandia no ar sua voz nervosa, movia a cabeça em desespero. A linda mocinha virara uma cobra. Serpente. E tudo isto, de repente.
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E.E. |