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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->47. MANHÃ ATRIBULADA -- 09/07/2002 - 06:10 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Fernando chegou ao escritório derrotado. Queria desaparecer do mundo. Não compreendia por que deixara Dolores assumir as rédeas. Bem pensando, se era verdadeiro o desejo dela de separação, que se fizesse a sua vontade. Afinal de contas, ela e não ele era quem julgava indissolúveis os laços matrimoniais.

Assim que chegou, tendo despachado o gerente, ligou para o Doutor Antunes. Explicou-lhe rapidamente o que acontecera e ouviu como resposta um bom conselho:

— Exija do advogadozinho de sua esposa que o contrato seja tido oficialmente como sem efeito. Pague a multa e cale-se, para não despertar nele a cobiça de incentivar sua mulher a prosseguir na demanda. Esses rábulas cheiram longe quando as pessoas estão a pique de ceder aos enleios judiciais. Principalmente as mulheres, a quem incentivam com a divisão do patrimônio, dinheiro vivo que elas jamais viram, sempre dependentes dos maridos. Os meus honorários se restringirão ao ressarcimento dos gastos normais de expediente, conforme relação que lhe será enviada. Estaremos sempre às suas ordens. Passar bem.

Fernando obteve a certeza de que Dolores estava armada com os obuses da legalidade. Mas perdera o interesse em disparar. Pelo menos por enquanto. Calar-se-ia, evidentemente, conforme a recomendação, que as questões relativas à divisão dos bens não lhe interessavam, especialmente agora quando queria agasalhar o pai em casa mais digna.

Chamou o contador. Precisava saber a quantas andavam as contas. Por telefone mesmo recebeu a resposta que desejava ouvir:

— Pode gastar de acordo com o movimento do caixa. A situação está acomodada. Apelaremos quando for estipulado o valor das multas e ganharemos tempo. Enquanto isso, a empresa se capitalizará para enfrentar os débitos.

— Eu queria saber a situação dos contratos de aluguéis das residências. Precisaria liberar uma casa para acomodar meu pai e minha irmã.

— Se não for em local nobre, sempre haverá dinheiro para a aquisição de prédio residencial. Na periferia, os preços são muito mais acessíveis.

— Eu queria casa de dois dormitórios, bem resguardada, na Zona Leste.

— Posso providenciar. Assim que tiver uma lista, ligarei, para irmos visitar juntos. Eventualmente, gosto de voltar às raízes. Não sabia que tive escritório imobiliário, com registro e tudo?

— João, não sei o que faria sem você.

— Deixe disso, patrão. Virá ao Centro esta noite?

— Não posso. Dolores voltou e preciso fazer-lhe companhia.

— Estava viajando?

— Não lhe contei?

— Não. Sei só o que o benfeitor Irineu lhe passou na reunião.

— Qualquer dia, você irá ficar sabendo de tudo. Não estranhe que eu vá desaparecer do Centro por uns tempos. Aliás, passe por aqui. Precisamos estabelecer uma contribuição fixa que desejo passar aos assistidos. Mas ninguém vai poder saber. Mesmo.

— Nem a Receita Federal?

— Aí é diferente. Sempre é bom declarar para onde estão indo as verbas.

Despediram-se afetuosamente, na intimidade estabelecida pelo sucesso da reunião íntima.

“Preciso avisar Leonel de que Dolores regressou. A mulher sabendo, logo a notícia irá espalhar.”

Leonel não estava no escritório, mas deixou recado para voltar a ligação.

O dia estava particularmente movimentado na loja. Desceu para dar ajuda aos balconistas. O gerente estava concluindo um negócio maior, para prédio de apartamentos. Necessitava de reformas e desejavam manter o padrão das louças. Felizmente, o estoque oferecia o material solicitado.

Após trabalhar por mais de hora, num momento de tranqüilidade, ao chegar-se à porta da frente, pareceu-lhe ver, do outro lado da rua, o Roque, fazendo-lhe sinal de positivo, polegar para o alto. Mas a visão foi rapidíssima, tanto que não acreditou que pudesse ser verdadeira. Tivera tanto tempo antes no escritório. Por que misturar-se com as pessoas, junto ao meio-fio?

Chamaram-no ao telefone.

— Pronto!

— Senhor Fernando?

— Sim.

— O Doutor Joaquim roga-lhe sua atenção.

— Pode ligar.

— Caro Fernando, como está? Soube que Dolores está de volta. Fico muito feliz. Como foram as investigações espirituais?

O maganão sabia de tudo.

— Quem lhe contou?

— O Senhor João passou por aqui. Folgo em avisá-lo de que vamos mantê-lo à frente da contabilidade de nossas firmas.

O intrujão apurava o linguajar.

— Pois foi tudo muito bem. Os irmãos da espiritualidade... Você acredita nisso?

— Como não? Não se lembra quem lhe indicou e ao falecido Jeremias a tenda de Umbanda?

Fernando havia esquecido completamente. Resolveu cortar a conversa.

— As investigações, fique descansado, estão suspensas. Se você se lembrar de outra casa suspeita, avise-me imediatamente. Por que ligou?

— Para informar-lhe que João deu seu alvará para atender-me às solicitações. Falta só a sua ordem, que, espero...

— Joaquim, por favor, ligue de volta dentro de meia hora. Acabo de conversar com João e ele não me disse nada. Quero, se você me permitir, confirmar, para tudo ficar bem às claras. Pingos nos “ii”.

— Direito seu, patrão. Até daqui a pouco.

Fernando desconfiava de que Joaquim estivesse inventando. Com sua anuência, João não poderia dizer não.

“Será que o vigarista é tão impudente que está tentando me enganar?”

— Alô, João?!

— Sim.

— Fernando.

— Pois não.

— O Joaquim veio com uma história...

— Está tudo bem. Já estou dando andamento à papelada. Demissão por justa causa para receber o FGTS. Não foi isso que combinaram?

— Quero saber se você está de acordo.

— Sendo determinação sua, não posso contrariar.

— Eu lhe dei essa ordem diretamente?

— Não. Mas Joaquim me assegurou...

— Fique sabendo que... Deixe pra lá. Não vou fazer caso. A firma tem como...

— Claro! Tudo que pagarmos a mais, resgatarei na hora. Não haverá risco financeiro ou fiscal. Apenas quanto à moral... O Governo é que acaba sendo lesado.

— Vamos ajudar o coitado. Esse dinheiro a mais vai ser-lhe muito bom. De qualquer modo, creio que não falta muito para a aposentadoria.

— Uns quinze anos.

— Tanto assim? Vou ter de carregar comigo mais essa responsabilidade. Se eu não estiver prejudicando-o espiritualmente, tentando dar-lhe conforto material...

— Bem colocado. Mas tudo se ajeitará no momento em que todos nós compreendermos exatamente o valor do sacrifício. Sem dúvida, a sua consciência do problema justifica a atenuação da pena...

— Não me assuste.

— Brincadeira, patrão. O Governo não está precisando desse dinheiro. Aliás, nós sabemos quanto de desvio os magnatas do peculato estão praticando, conquanto um erro não justifique outro...

— João, estamos bloqueando os telefones. Fique com Deus.

Nem bem havia desligado, tilintou de novo.

— Pronto!

— Patrão, é o Joaquim. Que ficou resolvido?

— Acertei com João. Você irá receber da maneira que pediu. Fique sabendo, porém, que lavo as mãos. Como Pilatos. Se houver comprometimento moral, você vai responder perante a justiça do Pai. Sozinho.

— Pensa que não estou preocupado com isso? Estava até para pedir-lhe que cancelasse tudo. Quando penso nos filhos é que vejo que não posso fazer outra coisa.

— Então, fique em paz. Vamos colocar as coisas nas mãos de Deus.

Falava sem convicção. Aliás, estava convicto de que iria, mais cedo ou mais tarde, ter de responder por todos os atos malsãos, especialmente em virtude da consciência de que realizava algo incorreto perante a lei dos homens.

— Eu lhe agradeço muito. Fico-lhe penhorado. Muito obrigado.

— Até mais ver (patife). — Quase diz o vocativo em voz alta. Sofreou a tempo.

O restante da manhã foi dedicado aos negócios. Parecia que, na segunda-feira, as pessoas punham em execução os planos do final de semana. Quanto cresciam as vendas!

— Patrão! — Era o gerente, entrando. — Vou receber uma bolada de comissão. Imagine que todo o estoque das louças marrons consegui vender, ao preço do dia, sem descontos e a vista. Bem que eu merecia descansar o resto do dia.

— Pois vá!

— Deus me livre! O movimento está muito bom. Quem sabe feche outro negócio, para aproveitar a maré.

Nesse momento, pediram permissão para entrar dois fornecedores. O dia estava cheio. O comerciante se rejubilava. Desse jeito, daria para saldar todas as dívidas, destinar boa verba para a benemerência e adquirir a casinha para o pai.

Ao chegar para o almoço, encontrou Dolores em lágrimas. Olhos excessivamente inchados.

— Que aconteceu, querida?

Apanhou-lhe as mãos. Sentiu-as frias, trêmulas.

— Aquele miserável passou a AIDS para Maria.

— Santo Deus!

Fernando compreendia, finalmente, por que Jeremias lhe havia pedido para cuidar dos filhos.

— Precisamos amparar aquela família, querida, conforme me pediu o compadre.

Percebeu que falara demais. Mas Dolores não estava preparada para as pesquisas psicológicas. Encostou-se no ombro do marido. Precisava sentir o calor de alguém. De um amigo. De um companheiro.

Muito a medo, Fernando abraçou a esposa, afagando-lhe as espáduas e os cabelos tingidos. Estava frágil. A tragédia da comadre ficava relegada a segundo plano, como se o destino mau de uns pudesse converter-se em benefício de outros. Sentiu-se comover ao extremo. E chorou lágrimas de muita dor.

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