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Artigos-->Título Provisório-1 -- 15/08/2004 - 21:29 (Geraldo Lyra) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Lê-se, entre as páginas 207/ 209 do romance do médico escritor inglês W. Somerset Maughan, o Fio da Navalha, o seguinte:


"Certa tarde, mais ou menos quinze dias depois de me achar em Paris, estava eu santado no Dôme; tendo encontrado cheio o terraço, vira-me obrigado a tomar uma mesa de primeira fila. Tempo bonito e quente. Os plátamos começavam a esfolhar-se e havia no ar aquela nota de ociosidade, despreocupação e alegria, própria da cidade de Paris. Sentei-me em paz comigo mesmo, mas não letargicamente; pelo contrário, quase que com júbilo. Súbito um homem que passara por mim parou e, exibindo os dentes brancos num sorriso, exclamou: "Alô". Fitei-o inexpressivamente. Alto e magro. Estava sem chpéu; notei-lhe a cabeleira escura, que estava clamando por uma tesoura. O lábio superior e o queixo se escondiam sob cerrada barba castanha. Testa e pescoço muito queimados do sol. Estava com uma camisa puída, sem gravata, paletó marrom surradíssimo e um par de calças cinzentas em não muito melhores condições. Parecia um vagabundo e eu poderia jurar que nunca o tinha visto. Tomei-o por um daqueles sujeitos ordinários que decaíram completamente em Paris, e esperei que me contasse uma série de infelicidades, no intuito de me arrancar alguns francos que lhe garantissem cama e comida por uma noite. Ele estava de pé, diante da minha mesa, mãos enfiadas nos bolsos, dentes brancos à mostra, expressão divertida nos olhos escuros.


- Não se lembra de mim? - perguntou.


- É a primeira vez que o vejo na vida.


Eu estava disposto a lhe dar vinte francos, mas não tinha a menor intenção de permitir que continuasse com o blefe de que éramos conhecidos.


- Larry - disse ele.


- Deus do céu! Sente-se - exclamei. Ele deu uma risadinha abafada, adiantou-se e ocupou a cadeira vazia à minha mesa. - Tome alguma coisa - continuei, chamando o garçom. - Como é que você esperou que eu o reconhecesse com todos esses pêlos no rosto?


Veio o garçom e Larry pediu uma laranjada. Agora que podia vê-lo melhor, lembrei-me da singularidade dos olhos, que residia no fato de ser a íris tão negra quanto a pupila, dando-lhe ao mesmo tempo penetração e opacidade.


- Há quanto tempo está em Paris? - perguntei.


- Há um mês.


- Vai continuar aqui?


- Por algum tempo.


Enquanto eu fazia essas perguntas, meu pensamento trabalhava. Notei que a bainha da calça estava puída, roto o paletó nos cotovelos. Tinha a aparência pobre de qualquer vagabundo que eu tivesse encontrado num porto oriental. Naquela época era difícil a gente se esquecer da depressão, e fiquei a conjecturar se a crise de 29 não o teria arruinado. O pensamento desagradou-me e, não sendo amigo de rodeios, perguntei-lhe francamente:


- Você está mal de finanças?


- Não: absolutamente. Que idéia foi essa?


- Pois bem, você está com ar de quem precisa de uma boa refeição, e as roupas que está usando só servem para o lixo.


- Tanto assim? Não pensei nisso. Para falar a verdade, eu estava com idéia de fazer algumas compras, mas nunca chega a hora.


Pensei que fosse orgulho, ou timidez, e não vi motivo para concordar com essa tolice.


- Não seja idiota, Larry. Não sou nenhum milionário, mas também não sou pobre. Se você está em apuros, deixe que lhe empreste alguns milhares de francos, que nem por isso ficarei quebrado.


Ele soltou uma gargalhada.


- Muito agradecido:mas não estou em apuros. Nem chego mesmo a gastar o que tenho.


- Apesar da crise?


- Oh! a crise não me atingiu. Tudo o que eu tinha estava em títulos do governo. Não sei se baixaram de cotação, não indaguei a respeito, mas o fato é que Tio Sam continua a pagar os juros, como sujeito correto que é. Para ser franco, estive gastando tão pouco nestes últimos anos, que devo mesmo ter uma boa reserva."...


O médico e escritor autor de O Fio da Navalha (romance que foi adaptado para o cinema e proporcionou um Oscar à bela atriz Anne Baxter) - Wiiliam Somerset Maugham - era talentoso, simples e sincero. E era um verdadeiro amigo, para quem "o hábito não faz o monge": por seu amigo Laurence Darrell(Larry) aparecer vestido como mendigo, cabelo crescido e barba por fazer, ao reconhecê-lo criticou-o severamente e, ao mesmo tempo,ofereceu-lhe ajuda...


Isso foi grandeza de alma por parte do, na época, já famoso escritor e prova de uma sincera amizade...
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