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Queria acreditar possuir raízes fortes, ainda que desfolhada minha copa quando em vez. Meu filho afirmou no entanto, os dois caminhando pelo arvoredo, que nada seria tão resistente a ponto de não ir ao chão. Imaginei um vento alucinante e acreditei na sua pouca idade. Corria nele a seiva de um mundo ainda não corrompido por sonhos de magnitude. Estaria percebendo que eu andava frágil, a sua base pueril perdida em eclipse?
Havia dias em que gargalhávamos por uma lúdica selva. Eu, pretensa leoa, perseguia o alegre ator-coelhinho que se fazia de assustado pelo corredor da nossa casa. Depois, cansados, escutávamos os sons oriundos da minha infância. Traquinagens de menina, afetos mantidos em essência de lavanda, amônia exalada das pequenas feridas e o retorno mágico d’eu, criança que havia partido. Surgia então o seu olhar longínquo de ternura, provavelmente apaixonado pela garotinha boa-esperta que freqüentava as nossas peraltices. Jamais supôs, a mãe-menina eternizada no passado, ter um dia aos seus pés um atento pequeno-príncipe de cabelos louros e encaracolados, o túnel do tempo favorecendo o doce romance que invadia aqueles dias de verão.
Caminho hoje só, e os passos sobre as folhas secas recuperam a antiga idéia da minha árvore com raízes firmes e extensas. Um dos seus galhos levou para a outra metade do continente a criança que me corrigia os devaneios, assim como as vibrantes risadas de caça e caçador que ecoavam pelo longínquo oásis do velho apartamento. Há muito abolida de mim a frondosa espécime imaginária, abraço outra, de aparência menos resistente. O tronco úmido carimba em minha blusa saudosos e indeléveis resíduos. E eu prossigo pensativa, numa macerada tarde que se prolonga em presságios de outono...
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