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Artigos-->De mazombo a brasileiro - Manoel Carlos Pinheiro -- 05/08/2004 - 17:04 (Lucas Tenório) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
De mazombo a brasileiro* - Manoel Carlos Pinheiro**



Ai dos vencidos! Vilões, déspotas, facínoras... É assim que a História os conhece. Afinal, o registro histórico não é feito por todas as partes envolvidas nos conflitos. A verdade oficial reflete a visão dos vencedores que reservam para si o papel de heróis.

Contrariando esta norma, em Pernambuco encontram-se no panteão de heróis vencedores e vencidos na História do Brasil Holandês; desde a invasão à restauração, passando pela Batalha de Guararapes, marco constitutivo da nacionalidade brasileira.



O Brasil Colonial



Europa Renascentista, Reforma Protestante, Sistema de Manufatura, Revolução Comercial, Mercantilismo, Absolutismo, Racionalismo, Revolta de Camponeses, Concílio de Trento, Massacre de São Bartolomeu, Barroco... são fatos ocorridos nos séculos XVI e XVII que marcaram a História da Civilização Ocidental e que, de uma certa forma, ajudam a entender o contexto das invasões holandesas no Brasil Colônia.

Sendo uma colônia de exploração, o Brasil servia apenas como fonte de matérias-primas para Portugal. Todo o comércio era feito através da matriz. Entretanto, havia uma exceção: Portugal permitia que os holandeses comercializassem diretamente produtos do Brasil, notadamente o açúcar, apenas pagando os respectivos impostos à Coroa Portuguesa.

No final do Século XVI, Portugal apresentava sinais de decadência, a Espanha mantinha o seu poderio, mas já havia grandes forças ascendentes: Holanda, França e Inglaterra. O mapa da Europa se redesenhava constantemente. A Holanda ficara independente da Espanha quando esta, em 1580, passou, a partir da constituição da União Ibérica, a deter também a Coroa Portuguesa. Mantendo o controle sobre o comércio e em confronto com os holandeses, os espanhóis proibiram o comércio holandês partindo do Brasil. A proibição espanhola contrariou inúmeros interesses. Tendo elevados investimentos no Brasil, os neerlandeses decidiram promover a ocupação territorial.



A doce riqueza



Após o declínio dos ciclos econômicos do Pau-Brasil e do Couro, o açúcar tornou-se a principal riqueza colonial. De origem asiática, a cana-de-açúcar chegou ao Brasil a partir da Ilha da Madeira, onde o seu cultivo atingira um nível de produtividade elevadíssimo. Em território nacional, além da técnica do plantio, foi implantado um sistema de moagem avançadíssimo com a introdução de engenhos de três eixos, derivados do invento do madeirense Diogo de Teive, patenteado em 1452, melhorado com a introdução de cilindros na moagem e aperfeiçoado no Brasil por madeirenses para cá trazidos por Duarte Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco. A produção açucareira, graças às condições climáticas e à tecnologia empregada, propiciou à Capitania de Pernambuco o desenvolvimento que a transformou no principal pólo econômico da Colônia.

Sendo um produto de exportação, a comercialização do açúcar era fundamental para o sucesso do empreendimento. Portugal e Holanda se associaram. Os florins financiaram o sistema empresarial e os holandeses eram responsáveis pela comercialização. Além disto, a refinação era feita na própria Holanda onde, ao final do século XVI, só em Amsterdã havia 26 refinarias.



Batavos, flamengos, mazombos e cristãos-novos



O negócio envolvia a vinda de negros africanos que eram submetidos à mais rapace forma de exploração: a escravidão. Internacionalmente, responsabilidade dos batavos, flamengos, no Brasil, o negócio era da responsabilidade de portugueses, madeirenses e mazombos, assim chamados os que nasciam no Brasil. Inicialmente era uma designação pejorativa e restrita aos filhos de portugueses, depois passou a ser o gentílico, embora desprovido do sentimento de pátria. No Brasil e fora dele, o negócio envolvia cristãos-novos, assim chamados os judeus convertidos.

A primeira invasão holandesa foi à capital da Colônia, Bahia, em 1624 e durou cerca de um ano. A forte armada espanhola veio libertar a capital reintegrando-a ao território colonial.



A invasão



O Almirante Hendrick Corneliszoon Lonck comandou os 7.280 homens que em 14 de fevereiro de 1630, em 65 embarcações aportaram em Pernambuco. O General Theodoro Weerdenburch desembarcou as tropas terrestres em Pau Amarelo e no comando de 3.000 homens marchou sobre Olinda.

A resistência foi inicialmente comandada por Matias de Albuquerque e nela se destacaram: Antônio Lima, Antônio Dias Cardoso, Felipe Camarão, Luís Barbalho Bezerra, Henrique Dias, João Fernandes Vieira, André Vidal de Negreiros, Antônio Cavalcanti, Antônio da Silva, Manuel de Miranda...

Em 1637 chegou a Pernambuco João Maurício, o Conde de Nassau-Liegen, sobrinho-neto de Guilherme o Taciturno. Nassau trouxe o latinista e poeta Franciscus Plante, o médico e naturalista Willem Piso, o astrônomo e naturalista George Marcgrave, os pintores Frans Post e Albert Eckhout, o médico Willen van Milaenen, o humanista Elias Herckmans, chegaram posteriormente o cartógrafo Cornelis Sebastianszoon Golijath e o arquiteto Pieter Post, sendo incorporados à missão científica os artistas amadores Zacharias Wagener e Gaspar Schmalkalden aqui residentes. Construiu palácios e pontes, criou o horto zoobotânico, promoveu o desenvolvimento das ciências e das artes, perdoou dívidas e convocou a Assembléia Geral reunida entre 27 de agosto e 4 de setembro de 1640 contando com a participação de 56 portugueses e mazombos. Além de grande empreendedor, Nassau era experiente comandante militar e consolidou as conquistas neerlandesas. A separação de Portugal da Espanha, ocorrida em 1640, criou as condições para um acordo entre portugueses e holandeses. O retorno de Nassau à Holanda em maio de 1644 aumentou a insatisfação dos nativos propiciando a Insurreição Pernambucana.



A Insurreição Pernambucana



Sob o título de Compromisso Imortal, datado de 23 de maio de 1645, foi produzido o primeiro documento nativista brasileiro a expressar claramente a idéia de Pátria. Assinado por “18 líderes patriotas” o documento dizia: “Nós, abaixo assinados, nos conjuramos e prometemos em serviço da liberdade, não faltar a todo o tempo que for necessário, com toda ajuda de fazendas e de pessoas, contra qualquer inimigo, em restauração da nossa Pátria; para o que nos obrigamos a manter todo o segredo que nisto convém; sob pena de quem o contrário fizer será tido como rebelde e traidor e ficará sujeito ao que as leis em tal caso permitam”.

Apesar da oposição do próprio Governo Português, os pernambucanos resolveram continuar a luta pela liberdade da pátria. D. João IV, aconselhado pelo Padre Antônio Vieira, assinou um acordo com a Holanda, pagando-lhe 300.000 cruzados e cedendo Pernambuco e demais domínios holandeses no Brasil. Este documento foi assinado em 14 de março de 1646 e considerava traidor todo aquele que continuasse a luta de resistência.

Em resposta, Henrique Dias declarou: “Faltamos à obediência que nos ocupava no Sertão da Bahia, por não faltarmos às obrigações da Pátria, respeitando primeiro as leis da natureza, que as leis do império”.



A Batalha de Guararapes



Quando os holandeses descumpriram o acordo com Portugal e invadiram o Maranhão e Sergipe, a Coroa Portuguesa passou a apoiar os insurretos. Foram dez anos de lutas durante os quais o sentimento patriótico se consolidou. Tabocas, Casa Forte foram vitórias decisivas. Quando estavam prestes a capitular os holandeses receberam o reforço de homens e armas. Em superioridade numérica partiram para o Cabo de Santo Agostinho, mas foram derrotados na primeira Batalha de Guararapes em 19 de abril de 1648. Em 1654 deu-se a Restauração Pernambucana.

Do ponto de vista militar, a Insurreição Pernambucana representou uma inovação ao instituir a guerra de movimento contra a guerra de posição. A chamada Guerra Brasílica utilizava métodos e táticas de guerrilha, empregadas por um exército formado por terços de mazombos e reinóis, índios brasilianos, negros de nação, crioulos e mulatos. A primeira Batalha de Guararapes opôs as tropas batavas com 5.000 homens e 5 peças de artilharia, mosquetes, arcabuzes, pistolas, alabardas e piques ao exército brasileiro com 2.000 homens sem qualquer peça de artilharia, armados apenas de mosquetes, bestas, piques, rapieiras, catanas e terçados. Os trajes sumários das tropas pernambucanas permitiam-lhes maior mobilidade, daí o apelido de ceroulas dado aos soldados. No máximo um gibão de couro protegia os mais graduados.

O significado militar pode ser resumido na declaração de Artyoski: “Há mais de quarenta anos que milito na Polônia, na Alemanha, e Flandres, ocupando sempre postos honrosos, e só veio abater-me o orgulho, e desonrar-me um índio brasiliano chamado Camarão”.



Brasilidade



Ao se retirarem do Brasil, os holandeses levaram para as Antilhas a tecnologia da produção do açúcar e começaram a concorrer em vantagem com o Brasil. Iniciou-se então o declínio econômico de Pernambuco e da própria Colônia, sendo que o Ciclo do Ouro no século XVIII devolveria ao Brasil a importância econômica perdida.

A riqueza maior, sem quantificação econômica, foi o processo de surgimento da brasilidade.

Quando aqui chegaram, os holandeses encontraram mazombos, meros reinóis.

Durante todo o processo da Insurreição Pernambucana o nativismo aflorou e a palavra Pátria foi usada em referência ao Brasil. Os nossos combatentes eram das três etnias que formariam a nação brasileira, mas não apenas os soldados e sim os seus comandantes.

Pela primeira vez o termo brasileiro foi usado como gentílico. Foi num relato da primeira Batalha de Guararapes, atribuído a Diogo Lopes Santiago que afirmou: “as tropas brasileiras derrotaram as tropas flamengas”.

Quando se retiraram de Pernambuco, os holandeses deixaram brasileiros.



*Artigo publicado originalmente

nesta Usina de Letras, em 03/10/2003.

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**O pernambucano Manoel Carlos Pinheiro

é contista, articulista e cronista.



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