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Contos-->A campanha de Orélio -- 07/01/2002 - 18:37 (Janete Santos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A campanha de Orélio


Orélio, homem “curto”, era um brasileiro que queria conhecer o Brasil. Amazônida nato, viajou o país inteiro para conhecer por si mesmo o que aproximava e o que distanciava um brasileiro do outro, uma região da outra, uma cultura da outra, um dialeto do outro. Na Amazônia, mormente nos lugares mais afastados das capitais, o povo levava uma vida pacata e simples: não vivia queimando miolos a favor de contraditória ciência como nas grandes capitais, nem se estressando para comprar carro do ano ou as últimas novidades do mercado de eletrodomésticos e de informática, nem carecia de arranha-céus como nas megalópoles, e o povo apreciava e como descarregar os excessos de energia na terra, além de adorar banhar-se nos rios que hidratam continuamente a farta e vasta planície assim como os vales e serras, até quando os “espertos exploradores”, internos ou externos, permitirem. Orélio pensava que a discriminação social, ali, não se mostrava de uma forma tão evidente como em outras regiões: não percebia bairros ou redutos específicos para cada camada social. As pessoas, na sua ótica, viviam “misturadas”, inclusive em muitas capitais. Admitia este, em suas ponderações, que alguns lugares, devido ao custo, não são freqüentados por qualquer um, todavia, desde que o interessado tenha dinheiro, ninguém vai se preocupar com sua estirpe, ou com sua linguagem, ou estilo de roupa, ou aparência física, ou cor da pele. Com satisfação, Orélio via que ali o negro não é considerado de menos valor, que o amarelo transita sem entraves pela massa ou elite, e que, apesar de um branco ou outro, aqui-ali, se julgar superior, quem vive bem à vontade na região são os mestiços. Estes, com toda a certeza, sentem-se senhores da terra. E são. Assim sentia Orélio sua região.

Andando pelo Centro-oeste, Sul e Sudeste do país, Orélio notou o menosprezo que a maioria dos habitantes destas partes, principalmente das derradeiras, nutriam pelos amazônidas (nortistas), pelos nordestinos e pela própria terra, clima, paisagem, cultura e linguagem das regiões discriminadas, devido a essa maioria só conhecer a região de “ouvir falar”, sem a curiosidade de ver de perto o quadro que outros lhe desenham. Empenhou-se em verificar o porquê. Sondando aqui e ali, captou a imagem negativa que se tinha dos “cabocos” do Norte e dos “cangaceiros” do Nordeste, a qual julgava resultado da insensibilidade avaliativa e da arrogância dos que apregoam o que não conhecem. Orélio ficou revoltado com a ladainha enganosa que a mídia derramou anos a fio em sua cabeça de vento refrescante. Vomitou da mente a ilusão que alimentava de que vivia num grande país, cujo tamanho não impedia o povo de ser um, cultivando o ideário do bem-estar comum a todos. O país Brasil que ele aprendera a amar era uma farsa. Porém, como homem “inteligente” que era, não ficou se lamentado pelos três cantos do território brasileiro. Deu início a uma das mais intrigantes campanhas pela felicidade geral da nação. Como tinha perspicácia, convenceu grupos “turrões” das cinco regiões a aderir ao “litígio pacífico” que pretendia instalar no país. E assim começou a campanha para se esquartejar o “Grande Dino”, cuja bocarra não alcançava mais a ponta da calda, ou do rabo, tamanha era a distância que os separava.

Era fato, para Orélio, que as culturas traziam algo em comum entre si, todavia, as diferenças superabundavam, tanto nas questões econômicas, sociais e tecnológicas, como nas emotivas. No Norte, a afetividade dispensada aos da terra alcançavam generosamente os recém-chegados, tanto brasileiros como estrangeiros, já nas regiões Sul e Sudeste, a indiferença se impunha como uma característica determinante, mormente para com os conterrâneos brasileiros. Talvez pela violência da violência, nessas regiões, a racionalidade aprisionou as boas emoções nos Carandirus da vida. Mas Orélio não se importou em trabalhar para superar as diferenças ou entendê-las. Ele também racionalizou. Aquela seria a solução plausível para o bem-estar de todos e para o “fim” das demagogias do país gigante que estimula os laços fraternos entre seus habitantes. Apoiado pelos companheiros turrões das várias regiões, apresentou seu projeto em congressos, e sua campanha seguiu de vento quente em popa ardente pelo país afora: o Brasil se transformaria em três países independentes, um formado pelas três regiões mais desenvolvidas, que poderia continuar a se chamar República Federativa do Brasil; outro formado só pelo Nordeste, cujo nome seria República Federativa do Grã-Nordeste ou outro que melhor conviesse aos ocupantes; e outro formado pela Amazônia quase legal. Na proposta inicial de Orélio, Norte e Nordeste se fundiriam num só país, chamado Confederados da Amazônia, mas os nordestinos não concordaram e Orélio, como era homem liberal, aceitou sem problemas a alteração em seu projeto, afinal, o êxito do mesmo precisaria do apoio de todos os brasileiros.

Orélio, em suas conferências, fazia questão de frisar que não alimentava menosprezo por nenhuma região, por nenhuma cultura ou dialeto, pelo contrário, sabia apreciar com desvelo os “compatriotas” de norte a sul. Sabia valorizar as diferenças, os conhecimentos de cada grupo, as belezas de cada lugar. Sabia acolher as pessoas com seus humores e personalidades variados. Contudo, o que mais contava, para Orélio, era sua preocupação com a proteção e o desenvolvimento da Amazônia, a qual vivia no descaso do resto do país, além de achar que o povo de sua região era um povo especial e que por isso mesmo a Amazônia trazia ainda a maior parte de sua riqueza conservada.

Orélio pretendia que aquele povo especial assumisse identidade própria e não mais se constragesse por ser reconhecido nas outras regiões e fora do país como “os caboco” ou “os bicho do mato”. Orélio entendeu que “os bicho do mato” eram mais afetuosos, mais humanos e mais amigos do meio-ambiente que “os bicho da cidade grande”, logo, não tinham do que se envergonhar e deveriam assumir por completo o governo de seu habitat natural. Para ele, o avanço da tecnologia e o poder econômico não estavam transformando o homem em um homem melhor. Daí que, entre “viver” como uma máquina ou como um bicho do mato, Orélio preferia o segundo. Seu sonho era dar à Amazônia e aos amazônidas o valor que realmente mereciam e cuidar para que ali se preservassem todas as espécies de vida, inclusive a humana.


Janete Santos
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