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Artigos-->O QUE É A POESIA? VOU RESPONDENDO -- 15/07/2004 - 00:52 (Daniel Cristal) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ARTE POÉTICA

(ALITERAÇÕES, ONOMATOPEIAS, PLEONASMO E CACOFONIA)





Para ser estudioso e praticante de qualquer Arte, qualquer iniciante, aprendiz ou amador, precisa mesmo de começar pelo B-A-BÁ, que lhe serve de suporte. Ainda que isto seja claro como qualquer verdade insofismável de La Palisse, há ainda quem afirme que o que é preciso é abrir a lata e deixar verter o líquido. Mero engano, intrujice que não engana ninguém (a não ser quem disso está autoconvencido), para os cultores dessas facilidades laxistas com argumentos que não convencem os mais avisados, mas tão só trazem alguma confusão aos ignorantes destas matérias, ou propicia guarida a quem pauta a vida por um certo diletantismo modal.



Muitas das mensagens que se querem passar por poéticas, não são mais do que isso mesmo: mensagens; algumas em prosa, outras em prosa poética, outras em poesia prosaica. A Poesia pura reside noutra dimensão. No mundo do culto formal, ao qual se tem de associar o dom, o saber, o conhecimento intersticial da Língua, da sua gramática, das suas histórias cronológica e teórica. E há mensagens belas, que não sendo poéticas, são isso mesmo: belas. O único óbice, é querer passá-las por poéticas. Aí reside toda a querela e pantomina. É o mesmo que chamar a um cronista, um literato. Há efectivamente cronistas que são excelentes, mas não ousam passar para a outra margem que eles sabem que os confinam; e da sua condição não se envergonham, nem aspiram a reclamar o que não são. A Literatura exige obediência a parâmetros mais qualificativos. E só quem os conhece bem, e deles faz uso com saber e arte, é que sabe distinguir o que é uma coisa e outra.



Mas, o que digo não é só atributo da Poesia, é outrossim de qualquer Arte, qualquer uma das que são cultuadas e cultivadas nas várias culturas da Civilização, independentemente da sua época histórica.



Conhecer profundamente as teorias que enformam a aparição das formas e estruturas nas quais se arquitectam as obras de arte, escravizá-las depois como consequência do muito trabalho no ofício, é o percurso do Mestre e do Génio. Efectivamente, a subversão geracional de formas e conteúdos, só é possível, conhecendo-os de trás para a frente, de cima para baixo, de um lado para o outro lado, e em todos os sentidos inversos.



Hoje vamos falar de aliterações. A melodia também se vozeia pelos fonemas similares: pelas consoantes sonoras, orais, nasais, oclusivas, constritivas, surdas, e pelas vogais abertas, fechadas, semis, orais, nasais, tónicas e átonas, palatais, velares, centrais. Para ser artístico, com efeito, num texto literário, assim apelidado, não é apenas o sentido da palavra que conta para a expressão inteira da mensagem, mas o corpo fónico vocabular, especialmente quando se quer atribuir ao mesmo a intensidade máxima da expressão comunicativa (incluindo a sugestão sensorial), e a repetição de sons iguais ou semelhantes, é um recurso praticado desde sempre. Os dois recursos mais utilizados são na verdade a Assonância e a Aliteração. A Assonância é a repetição de sons vogais, ex: Brilham com brilhos sinistros. (Repetição do i), «E as cantilenas de serenos sons amenos.» (Repetição do ê) - Eugénio de Castro. A Aliteração é a repetição de sons consonânticos:



«Em horas inda louras, lindas

Clorindas e Belindas, brandas

Brincam no tempo das Berlindas

As vindas vendo das varandas.»

Fernando Pessoa



A sinestesia ainda hoje é usada abundantemente: ela traduz-se numa confusão deliberada dos dados dos sentidos (atribui dados de uma sentido a outro). No exemplo seguinte:

A Flor

Bem de amor

É o lírio;

Tem mel no aroma - dor

Na cor

O lírio.»

Almeida Garret



Apreciem a transfiguração: o poema dá a entender que o olfacto é que aprecia o doce, quando, na realidade, é o gosto; assim como são os olhos que sofrem a dor, porque o lírio tem dor na cor, ideia esta reforçada ainda mais por uma associação semântica velada - a sua cor roxa sugere pesar.



Foi, com efeito, uma das componentes mais utilizadas na harmonia dos versos pelos dadaístas e simbolistas. Camilo Pessanha foi o nosso melhor intérprete desta vaga, que havia começado em França por Rimbaud, Verlaine, Mallarmé. Fernando Pessoa contemporâneo dos dadaístas e atento leitor da sua contemporaneidade também cultivou esse recurso estilístico, como atrás apresentei no exemplo sobre aliteração. E ainda hoje é cuidada pelos melhores poetas nacionais ou estrangeiros.



A imitação dos sons e ruídos da Natureza constrói também as suas sugestivas correspondências nos signos vocabulares. As onomatopeias não são mais do que palavras imitativas, e quantas vezes as enunciamos na nossa conversa: «tique-taque», «zás-trás», «zunzum», e os verbos e substantivos tradutores das vozes dos animais têm nesta causalidade a sua origem: ciciar, cicio (da cigarra), chilrear, chilreio (dos pássaros), coaxar, coaxo (da rã, do sapo), cacarejar, cacarejo (da galinha), uivar, uivo (do lobo), balir, balido (ovelha), cucuritar (do galo), miar, miau (do gato), piar, pio ( do pintainho), zurrar (do burro).



Na Música acontece o mesmo, e, quando Beethoven criou a célebre Sinfonia n.º 6 "Pastoral" verteu todos os sons das cenas do campo, onde não falta o regato deslizante, e da vida pastoral na sua partitura genial. Há entre a Música e a Poesia uma familiaridade surpreendente, e não é só nesta particularidade (como veremos mais adiante noutra asserção deste mini-ensaio), que elas se assemelham.



As assonâncias e aliterações não são os pressupostos infalíveis e primordiais, para que nasça a obra de arte de um/a Poeta. São dados acessórios, e, porventura, muito secundários. No entanto, saber que é por essências como estas, que se descobre que também o ruído e o som podem construir linguagem e melodia, e sugerir o mundo deslumbrante que nos rodeia, e vivê-lo mais intensa e abrangentemente, é realmente cuidar do sopro animador da Poesia. Sua causa, entre muitas outras causalidades, nada sendo casual.



Claro que no meio de tudo o que foi exposto, há cuidados a ter para que em vez de se criar beleza, se crie, ao invés, dissonâncias causadoras de fealdade, irritação ou abominação. Assim acontece nos pleonasmos: a repetição da mesma ideia por mais palavras do que necessário: «Sai lá para fora», «entra pra dentro», «voltamos para trás». A reiteração da ideia é um defeito de linguagem, muito comum na oralidade, mas há que dizer também que a repetição da mesma palavra (e não ideia) é um recurso enfático. Por vezes o emprego do adjectivo como EPÍTETO DE NATUREZA, faz insistência e incidência sobre o carácter intrínseco ou dominante do objecto. É uma forma de ênfase, um recurso literário:



«Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!»

Fernando Pessoa



«E a Noite sou eu própria! A noite escura!»

Florbela Espanca



Sons desagradáveis são também as desinências do plural dos signos linguísticos. Há um modo de os anular - é evitar o plural, pois o singular pode dizer tanto ou mais que o plural. Aliás, o singular tem nos contextos próprios mais força do que o plural. Se eu disser o homem , sem o particularizar, estou evidentemente a falar do género humano: homens e mulheres.



Há também que fazer referência, neste momento, à Cacofonia: ela é o resultado dum som desagradável ao ouvido resultante da associação de palavras ou sílabas que sugerem outra palavra, algumas pertencentes à gíria ou ao calão. Ex.: Alma minha (al-maminha), ataque a Goa (ata-kagôa-a), essa cana (é sacana),etc..



Para quem me lê, não estranhe que fale quase unicamente de FONEMAS, relacionados com transfigurações, figuras de estilo e defeitos de linguagem neste articulado. Ele me foi sugerido por uma leitura de um outro com o qual não concordei na totalidade, sendo esta a parte que me pareceu mais imperfeita e imprecisa.



E não se pense que a Poesia reverte-se numa imitação da Natureza. Sim, ela imita-a, mas transcende-a, como a própria essência desta (Natureza) se transcende. A verdade é que a Poesia é essencialmente a Metáfora na vaga que percorre a nossa Cultura. Essa imagem é uma comparação abreviada, mas intensifica-a, acutila-a, sugere a metamorfose, transcende a linearidade. Pela sua concisão e imprevisibilidade, torna a significação duma ideia intensamente apreendida, retida, em sentido polifónico, polissémico:



«Que coisa é a mesma vida senão uma lâmpada acesa - vidro e fogo?»

P.e António Vieira



Outras figuras da imagística moderníssima continuam a ser exercitadas nos versos dos melhores poetas: O Hipérbato, o Quiasmo, a Sinédoque, a Metonímia (todos os retrocitados, especialmente, por necessidade rítmica), a Prosopopeia, a Ironia, a Sinestesia, a Gradação.



Diminutamente usadas são o Zeugma e a Antítese.



Sintomaticamente, a Comparação e a Perífrase perderam todo o valor nos dias de hoje e caíram em desuso.



Contudo, o primordial em poesia, acrescento finalmente, é o ritmo e a cadência do verso. Nesta panorâmica de essências polifónicas e polissémicas, nem o cântico dos animais se lhe escapa.



Aliás, como remate derradeiro, a propósito, revelo uma opinião muito pessoal: a Arte musical baseia-se precisamente nessas premissas aqui atrás expressas quando articulei este arrazoado sobre os fonemas. Elas (premissas) fundamentam toda a Arte expressa pela sonoridade, qualquer que ela seja. E a Música utiliza a Metáfora por excelência. Na Metáfora há sempre uma transladação da abstracção pela concisão condensando aí toda a sua intensidade. A Música não é mais do que isso, e este «isso» supera tudo. Criar emoções pelo ritmo e pelo som sugerindo um mundo puro abstraído até da linguagem, é o máximo que se pode exigir à alma humana. A Música consegue todo esse efeito pelo som. É «isto», ou não, uma extraordinária faculdade da essência do ser humano?

14.07.2004



Daniel Cristal

©ArmandoFigueiredo



"Poesia é uma arte a maior de todas as artes; o mais fácil é salpicar algo, o mais difícil é o desejo de atingir a verdadeira perfeição.

C. Stedman

"Mercado de Zurique"



daniel.cristal@clix.pt

http://daniel.cristal.planetaclix.pt/index.html



http://www.saladepoetas.eti.br/index2.htm



http://pesquisa.sapo.pt/search?barra=resumo&chan=&q=daniel+cristal&imageField.x=29&imageField.y=9



http://www.google.pt/search?q=daniel%2Bcristal&ie=UTF-8&oe=UTF-8&hl=pt-PT&btnG=Pesquisa+Google&meta=





(O QUE É ESSENCIAL SABER PARA SER POETA)
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