No Brasil, o ensino de Biologia praticado formalmente nos níveis fundamental e médio, tanto em escolas públicas quanto em particulares com relativa dificuldade de infra-estrutura, GERALMENTE carece de eficientes instrumentos metodológicos, professores com boa formação/motivação e materiais que estimulem o estudante na busca do verdadeiro aprendizado. Assim, o ensino de Biologia se limita a transmitir passivamente os conhecimentos adquiridos nos séculos passados e, pior, referentes a regiões remotas. Sem que o professor saiba exatamente POR QUE e PARA QUE, freqüentemente explora conteúdos de forma desvinculada da realidade do aluno, do ambiente natural que o cerca. Predomina a concepção curricular conhecida como RACIONALISMO ACADÊMICO, em que o conteúdo das disciplinas clássicas é o mais importante, deixando-se de lado a auto-realização (do professor e do aluno) e os aspectos sociais e regionais a elas relacionados. Deste modo, perde-se o próprio sentido do ensino de Biologia, esta que deveria ser a ciência que ESTUDA A VIDA e, portanto, teria como função primordial o conhecimento e a compreensão, de forma prazerosa e significativa, dos seres vivos e suas relações com o meio, e dos fenômenos químicos e físicos motrizes dos eventos biológicos. Ao contrário, o ensino de Biologia nas escolas está, geralmente, distante do que é vivo ou próximo, está mais formal e... "formol" & 8213; com que freqüência exemplos da nossa biodiversidade, mesmo uma pequena mancha de Cerrado ou um vagaroso inseto vivendo no ambiente escolar, são objetos de estudo de crianças e jovens? Será que o papel da própria comunidade & 8213; urbana ou rural & 8213; e as responsabilidades do indivíduo na conservação dos sistemas vivos à sua volta, têm sido objeto de discussão na escola? Comunidade e indivíduos, urbanos ou não, se vêem componentes da biodiversidade?
A questão se agrava quando analisamos a situação no âmbito regional: são poucas as iniciativas de desenvolvimento de metodologias e instrumentos que estimulem o aluno a conhecer/compreender o ambiente próximo & 8213; por meio de exemplos locais & 8213;, funcionando a Biologia inclusive como um chamariz para sensibilizá-lo para questões maiores, interdisciplinares, como o uso racional do meio, o acesso aos bens naturais, a sua responsabilidade perante o mundo e a necessidade de se adquirir competências e habilidades para reger sua própria vida (conforme sugerem os Parâmetros Curriculares Nacionais).
O Mato Grosso do Sul não foge à regra do que não deveria acontecer nas demais unidades federativas: em seus domínios encontram-se quase 60% do Pantanal, declarado pela UNESCO Patrimônio Natural da Humanidade, e os não menos preciosos Planalto de Maracaju (com suas diversas fisionomias de Cerrado, todas ameaçadas) e a Serra (Planalto) da Bodoquena. No entanto, o conhecimento popular produzido a seu respeito fica restrito a umas poucas comunidades tradicionais, o conhecimento científico geralmente é divulgado apenas no âmbito do privilegiado mundo acadêmico e os componentes naturais típicos do Estado são raramente abordados em sala de aula.
Há que se propor alternativas que possam catalisar o alcance do verdadeiro significado do termo BIOLOGIA e uma abordagem desta ciência sem deixar de considerar o contexto local em que o ensino se desenvolve (fatores políticos, econômicos, pessoais, sociais e ambientais), tornando-o auto-realizador, promotor do conservacionismo e do bem-estar social... Enfim, uma Biologia mais útil à sociedade.
Há que se discutir a quase ausência de programas governamentais brasileiros de fomento à divulgação, em sala, do conhecimento científico produzido sobre o ambiente próximo, problema reforçado pelos órgãos oficiais de apoio à pesquisa, quando não exigem dos pesquisadores (ou não apóiam financeiramente) a elaboração de instrumentos apropriados para o ensino como um dos produtos finais da investigação científica. É preciso analisar os motivos que determinam a carência de abordagens diferenciadas e a ausência de um ensino de Biologia contextualizado com a realidade local e tendo como referência a biodiversidade regional. É preciso propor ações, replicar experiências bem sucedidas, incorporar políticas e práticas pedagógicas, especialmente no Ensino Fundamental, que permitam alterar esse quadro.
No distante século XVII apropriadamente afirma, em outras palavras, o grande educador checo Comenius:
Pra que estudar a ciência da vida
em livros velhos, em matéria morta,
se a própria Vida, grávida de vida,
se entrega inteira bem à nossa porta?
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* Este veículo não possibilita a inclusão dos grifos apresentados no texto original - eis porque o emprego da "caixa alta".
* Artigo originalmente publicado nos anais do Encontro do Conselho Regional de Biologia 1 – Campo Grande, 2000, e no jornal Folha do Povo, Campo Grande/MS.
** Professor de Prática de Ensino de Biologia – Departamento de Biologia – UFMS. Autor do livro "A Casa dos Animais" (www.oak.bio.br) e co-autor de "Poesia Animal" (www.sterna@terra.com.br).